O primeiro técnico português… a gente esquece!
Polêmicas em torno de Abel Ferreira levam cronista à final do Paulistão de 1943, primeiro triunfo do patrício Joreca, que depois chegou a treinar a seleção
Claudio Henrique Agá@comentaristadofuturo
“Isso é coisa de português!” Se você, querido leitor ou querida leitora de 1943, costuma se referir assim, de forma jocosa e desrespeitosa, aos nossos queridos ‘patrícios’ do outro lado do Atlântico, é bom “abaixar as orelhas”. Foi justamente a inteligência do ‘portuga’ Joreca, treinador do São Paulo F.C., que garantiu o título que os tricolores comemoram hoje pelas ruas da cidade, após o empate de ontem com o Palmeiras, em 0 x 0. Oito anos depois do ‘Esquadrão de Aço’ e o primeiro triunfo estadual, em 1935, o clube do Morumbi retoma seu lugar de destaque no futebol paulista, ignorando o propalado favoritismo de Palmeiras e Corinthians – tanto que, antes de ter início o campeonato, dizia-se por aí que bastaria jogar uma moeda pro alto e definir qual dos times seria ‘cara’ ou ‘coroa’, pois dessa dupla certamente viria o campeão. E o que que se falava do São Paulo? “Só se a moeda cair em pé!” Caiu!
E cairá mais vezes, posso garantir a vocês, pois sou um Viajante do Tempo, vindo de 2023 (sim, creiam, de daqui a 80 anos!). Deixei o futuro com a categoria “técnicos portugueses” em alta: serão 7 comandando equipes nacionais entre as 20 que iniciarão a disputa do Campeonato Brasileiro de 2023. E um deles – anotem o nome: Abel Ferreira – com especial destaque, acumulando tantos títulos pelo Palmeiras que estará cotadíssimo para dirigir o Escrete nacional. Com um porém: o gajo terá o estopim curto, e vai se envolver em seguidas polêmicas devido aos seus destemperos à beira do campo. Terá inclusive, ou, em português de Portugal, ‘terá lata’ (coragem) de arrancar um telefone da mão de um jornalista, incomodado por ele estar fazendo seu trabalho: jornalismo. Comportamentos que tornarão mais difícil a merecida (tecnicamente) chegada ao comando da Seleção. Já Joreca, posso garantir também, vai sim comandar o Brasil em duas partidas, já no ano que vem, contra o Uruguai. E vai vencer as duas: 6 x 1 e 4 x 0. E ninguém da torcida vai soltar o tradicional grito para técnicos: “Burro!”
Figuraça esse Joreca, ou Jorge Gomes da Silva, natural de Lisboa e no Brasil desde jovem, tendo aqui se formado em Educação Física. Antes de assumir o São Paulo, foi jornalista esportivo, narrador, comentarista de rádio e juiz de Futebol – daí tanta gente já ter ouvido falar dele antes da conquista de ontem. Era Joreca, por exemplo, o árbitro na partida que, ano passado, marcou a estreia de Leônidas “Diamante Negro” da Silva no tricolor paulista. Largou o apito logo depois, indo treinar a seleção estadual amadora, com resultados tão expressivos que chamaram a atenção dos dirigentes são-paulinos. Outras boas notícias que trago do futuro: Joreca ganhará mais dois Paulistões para o Morumbi (1945 e 1946, este invicto), estará à frente do rival Corinthians (com ótimo desempenho) e, para a surpresa de todos, trocará o banco de reservas e as pranchetas pelas luvas de boxe. E até nos ringues provará ser um vencedor: duas lutas e duas vitórias. E mais não digo… Gongo! (Nota da Redação da Placar em 2023: o técnico faleceria prematuramente em 1949, num ataque fulminante do coração).
Pra usar uma expressão portuguesa, Joreca teve que ‘descalçar uma bota’ para arrumar esta ‘malta’ (turma) do São Paulo, que se reforçou não apenas com Leônidas, mas Zezé Procópio, Noronha, Ruy, Zarzur… O descrédito ao elenco era tamanho que um dos atletas, o veterano Antônio Sastre, vinha sendo chamado pelos torcedores rivais de “Desastre” – e taí um dos destaques deste grupo, que entrará para a história, anotem, com a alcunha de ‘Rolo Compressor’. Ao deixar o clube, Joreca somará, em 172 jogos, 115 vitórias, 31 empates e 26 derrotas. Aproveitamento de 72,87%. No Corinthians, outra revelação que faço, terá papel fundamental na formação de um atacante, ensinando-o a cabecear tão bem a ponto de ganhar o apelido de ‘Cabecinha de Ouro’. (Nota da Redação da Placar em 2023: Baltazar), uma trajetória de sucesso anunciada desde a sua estreia na função de treinador, pela primeira rodada do campeonato, aquele 6 x 1 no Santos, com três gols do Diamante. Ambos brilhantes!
Daqui a 80 anos, de ‘quando’ vim, Joreca estará incompreensivelmente esquecido, mesmo ainda sendo o único treinador estrangeiro a ter comandado a Seleção – e pouco importa se o fará a quatro mãos, com Flavio Costa. Dentro de 22 anos, teremos um argentino no cargo, mas à frente de um grupo formado apenas com atletas do Palmeiras. (Nota da Redação da Placar em 2023: Filpo Nuñes, em 1965) Nada que se compare ao sucesso que alcançará esse “alfacinha” – pra quem não sabe, assim são chamados em Portugal os nascidos em Lisboa, em grande parte pelo temperamento tranquilo, sereno e pacífico que demonstram. A propósito: o futuro polêmico treinador Abel Ferreira nascerá em Penafiel.
PARA SABER MAIS SOBRE O CAMPEONATO PAULISTA DE 1943
https://www.youtube.com/watch?v=SnCtHsD89XI
FICHA TÉCNICA
SÃO PAULO 0 X 0 PALMEIRAS
Competição: Campeonato Paulista de 1943
Data: 03 de outubro de 1943
Estádio: Estádio Municipal de São Paulo (Pacaembu)
Local: São Paulo (SP)
Árbitro: Carlos de Oliveira Monteiro “Tijolo”
Renda: Cr$ 552.577,00
Público: 42.143 pagantes
SÃO PAULO: King; Piolim e Virgílio; Zezé Procópio, Zarzur e Noronha; Luizinho (capitão), Antonio Sastre, Leônidas, Remo e Pardal
Técnico: Joreca
PALMEIRAS: Oberdan, Junqueira e Osvaldo; Brandão, Og Moreira e Dacumo; Caxambu, Gonzales, Cabeção, Villadoniga e Canhotinho
Técnico: Del Debbio