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Izquierdo e Tite: problemas cardíacos voltam a assustar futebol

Jogador do Nacional e técnico do Flamengo tiveram problemas semelhantes enquanto trabalhavam; médico do coração detalha riscos e tratamentos em episódios recentes

Por Guilherme Azevedo |
NELSON ALMEIDA / AFP

NELSON ALMEIDA / AFP

Juan Izquierdo, jogador do Nacional de Uruguai, sofreu uma arritmia cardíaca durante o jogo contra o São Paulo, pelas oitavas de final da Libertadores. Na mesma quinta-feira, 22, em La Paz, na Bolívia, o técnico Tite, do Flamengo, apresentou sintomas semelhantes e foi encaminhado para o hospital assim que chegou ao Brasil. A triste relação entre futebol e problemas no coração voltou a assustar o mundo do futebol.

Após desmaiar em campo, o atleta de 27 anos foi levado ao Hospital Israelita Albert Einstein, nas proximidades do MorumBis, onde está internado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). Segundo informação do Nacional em sua conta no X (antigo Twitter), o jogador se encontra “estável e continuará sob observação nas próximas 72 horas [até segunda]”.

Já o técnico Tite pode ter alta hospitalar ainda neste sábado. A necessidade de cirurgia foi desmentida pelo Flamengo. O treinador está internado no Hospital Copa Star.

O acontecimento, ainda que raro no meio do futebol, acendeu um alerta sobre o tratamento cardiológico em atletas. Bruno Bassaneze, cardiologista e médico do esporte explicou um pouco mais sobre o assunto.

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O que é a arritmia cardíaca?

O diagnóstico detalhado do que aconteceu com Izquierdo não foi divulgado. Até o momento, a informação é de que o defensor uruguaio sofreu um quadro de arritmia cardíaca.

Questionado sobre o evento, Bassaneze detalhou a condição: “A arritmia cardíaca é quando o coração bate fora do ritmo próprio dele. Normalmente, nós temos o ritmo sinusal, que é o ritmo do marcapasso próprio que nós temos no coração. Quando nós temos alguma batida fora desse ritmo basal, a gente configura uma arritmia.”

Para o especialista, diversos fatores podem explicar o motivo do atleta ter ficado inconsciente. “Em casos de arritmias graves em que o coração não consegue ejetar o volume de sangue adequado para a perfusão dos órgãos, incluindo aí o sistema nervoso central, a gente pode ter a perda de consciência. Quando ela é causada pelo coração, a gente chama de síncope cardiogênica ou síncope cardíaca.”

Izquierdo já tinha problemas anteriores?

De acordo com o que Balbi, dirigente do Nacional, falou na porta do Hospital Israelita Albert Einstein, o jogador nunca havia apresentado problemas. Nessa linha, Bassaneze explicou que é, sim, possível que alguém sem histórico desenvolva uma condição como a de Izquierdo.

“Em atletas abaixo de 35 anos, a gente pensa mais em causas congênitas, genéticas, elétricas e estruturais do coração. Acima dessa faixa etária, nós trabalhamos com a possibilidade maior de ter sido por um infarto do miocárdio, causado por uma placa de gordura no coração. Não que essa causa não possa acontecer em menores que 35 anos, mas a prevalência desse achado é muito menor”, falou.

Izquierdo, do Nacional, sofreu arritmia cardíaca ainda no 2º tempo – Divulgação / Nacional

O especialista prosseguiu alertando para a hipótese do esforço físico ter contribuído: “Nós sabemos que em indivíduos pré-dispostos, com uma doença não diagnosticada ou uma doença que está silente, a prática de atividade física em alta intensidade pode ser um desencadeante para um evento arrítmico e para uma morte súbita. Então, é difícil a gente predizer, mas existe uma possibilidade de que o esporte foi um gatilho para que ele acontecesse.”

Izquierdo pode voltar a jogar?

À princípio, ainda é cedo para definir. Conforme falou o médico cardiologista, essa é uma avaliação que ainda deve ser aguardada. Isso também vale para saber se o uruguaio terá algum impacto em sua rotina mesmo fora dos campos.

“A definição do retorno ao esporte, que será feito certamente em segundo ou terceiro momento, passa por uma série de avaliações, dentre elas a causa exata do motivo pelo qual ele teve esse problema, o grau de complicações encontradas, se foi desenvolvido algum nível de sequela”, pontuou.

Eriksen voltou a atuar normalmente mesmo após problema no coração – EFE/EPA/RONALD WITTEK

No entanto, há relatos de atletas que já retornaram à prática do esporte profissional após algum caso grave. Um dos mais famosos é o de Christian Eriksen, que teve uma parada cardíaca em jogo pela Dinamarca durante a Eurocopa de 2021 e esteve apto para atuar em fevereiro de 2022. O meia, atualmente no Manchester United, passou cirurgia para o implante de um cardiodesfibrilador interno (CDI) no coração antes de poder voltar a atuar.

Coincidência infeliz

No próximo dia 27 de outubro, a morte de Serginho, do São Caetano, completará 20 anos. Em uma partida do Azulão contra o São Paulo, no MorumBis, o zagueiro sofreu um mal súbito causado por uma cardiomiopatia hipertrófica, o aumento da espessura do músculo cardíaco. Na última quinta, o caso Izquierdo resgatou a triste memória aos presentes no estádio.

Serginho morreu após um mal súbito em campo – Reprodução / SporTV

Sobre uma relação entre as causas, Bassaneze lamentou e pontuou o viés inesperado. “Realmente é uma coincidência infeliz. O que a gente pode traçar de paralelo é que a gente está falando de atletas. São jovens, a gente presume saúde e não espera que esse tipo de evento aconteça, ainda mais em um ambiente televisionado que gera uma grande repercussão.”

Durante a resposta, o médico ainda lembrou de Marc-Vivien Foé, que morreu durante jogo de Camarões pela Copa das Confederações de 2003, pela mesma condição de Serginho. “O que a gente pode afirmar é que nos últimos anos, especialmente depois da morte do Marc-Vivien Foé em 2003 e do Serginho em 2004, a gente teve um maciço investimento na prevenção de morte súbita, com a disponibilização de avaliações médicas periódicas pelos clubes, investimento na estrutura para atendimento com ambulância, com desfibrilador e de forma que hoje prestamos um atendimento muito mais qualificado.”

O esporte de alto rendimento é saudável?

É comum relacionar a saúde com o hábito de praticar atividades físicas. Essa situação, que vale para “pessoas normais”, segundo Bassaneze, segue para atletas. O profissional citou a raridade de eventos como o de Izquierdo, mas reafirmou o quão essencial é o acompanhamento.

“Sobre a prática esportiva competitiva e a saúde cardiovascular, a extensa maioria dos praticantes não vai ter problema nenhum. Vai praticar esporte competitivo a vida inteira. Então a importância da avaliação pré-participação esportiva, aquele check-up esportivo para determinar se esse praticante tem algum grau de risco adicional nessa avaliação inicial. E se encontrar, conduzir, tratar e ver se é possível liberá-lo ou não e também o reforço da importância do acesso ao atendimento médico rápido e eficaz para minimizar o risco e melhorar o atendimento desses atletas após um evento grave com uma parada cardíaca”, falou.

Caso de Tite

O técnico Tite, do Flamengo, foi internado ao chegar no Brasil após a classificação do time para as quartas de final da Copa Libertadores. O incidente ocorreu após a partida em La Paz, cidade boliviana situada a 3.600 metros acima do nível do mar.

O clube divulgou que o técnico sofreu elevações da frequência cardíaca e apresentou uma arritmia, afetado pela altitude de La Paz. Os exames confirmaram uma fibrilação atrial, que manterá o treinador hospitalizado até a resolução do problema.

Após explicar sobre Izquierdo, Bruno Bassaneze também contribuiu com explicações sobre a situação. “A fibrilação atrial é a arritmia sustentada mais comum na prática clínica. Está extremamente prevalente nos consultórios dos cardiologistas. E sabemos que atletas, especialmente aqueles de alto desempenho, têm uma maior probabilidade de desenvolver essa arritmia, especialmente na meia-idade do sexo masculino.

Segundo o cardiologista, o ocorrido com Tite não é uma novidade entre ex-atletas, como Renato Gaúcho e Abel Braga. Ele também reiterou condições que a função de treinador pode impactar. “Sabemos que em ambientes estressores, como trabalho excessivo, privação de sono, uso de substâncias estimulantes, como excesso de cafeína, são desencadeantes para a ocorrência de fibrilação arterial. O fato do Tite ser ex-atleta também coloca, sim, ele num risco aumentado do desenvolvimento da fibrilação atrial.”

Tite, do Flamengo, sofreu fibrilação atrial – Marcelo Cortes / CRF

O médico, no entanto, estabeleceu a distinção entre o ocorrido com o uruguaio e com o técnico. “É importante ressaltar que, embora o termo arritmia seja aplicável para ambas as condições, trata-se de diagnósticos na classificação completamente diferentes. A arritmia do Tite é comum, prevalente na população geral e que não leva ao quadro de baixo débito (condição em que o volume sistólico é reduzido) na extensa maioria das vezes, de tal forma que não é comum sintoma de síncope, de desmaio em decorrência dessa arritmia. Já do Izquierdo nós imaginamos uma arritmia mais grave, provavelmente ventricular, da parte de baixo do coração, que sim leva ao comprometimento da função cardíaca, diminuindo a injeção de sangue e portanto o fluxo de sangue cerebral, ocasionando desmaio.”

A altitude é perigosa?

O Flamengo citou a altitude em seu comunicado oficial sobre a fibrilação atrial de Tite. Nessa linha, o especialista alegou que a condição pode, sim, influenciar, mas não ser uma causa. “O ambiente hipóxico encontrado na altitude faz com que o coração lance mão em uma série de regulações, como aumento de frequência cardíaca, de pressão arterial, e isso faz com que exista uma pré-disposição à fibrilação.”

“A prática de atividade física em ambiente de altitude é bastante complexa. Esse ambiente extremo acaba impondo no atleta uma série de adaptações fisiológicas necessárias para ele permanecer nesse ambiente hostil que é tanto pela hipotermia, pelo frio que existe lá em cima, quanto pela baixa disponibilidade de oxigênio”, disse.

E concluiu, levantando uma dúvida. “Isso acaba um risco de desenvolvimento de doenças específicas da montanha, como o mau agudo da montanha, o edema pulmonar, o edema cerebral relacionado à altitude, até mesmo o desencadeamento de doenças que estão silentes naquele atleta e que acabam, pelo meio ser mais agressivo, se manifestando. Então, é bastante questionável a liberação desse tipo de ambiente para a prática esportiva competitiva, isso deveria ser constantemente questionado e revisado.”

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