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Porco com orgulho: a ousadia de Viola em 1996

Pelo Corinthians, atacante já havia debochado do rival, mas depois de um período difícil na Espanha incorporou o torcedor alviverde sem qualquer cerimônia

Capa da revista Placar, edição 1120, de Outubro de 1996 -
Viola na capa da revista Placar, edição 1120, de Outubro de 1996 –

Paulo Sérgio Rosa, o popular Viola, foi um dos atacantes mais marcantes da década de 90, seja por sua força e qualidade em campo, seja por sua irreverência. Ele entrou para a história da rivalidade entre Corinthians e Palmeiras. Cria do terrão, ele causou a ira dos alviverdes ao imitar um porco ao marcar na final do Paulistão de 1993 (acabaria goleado no jogo de volta). Três anos depois, já tetracampeão pela seleção brasileira e vindo de uma passagem frustrada pelo Valencia, da Espanha, Viola topou o desafio de atuar no timaço do Verdão. E incorporou o porco de vez.

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Em uma alusão às propagandas da Parmalat, a patrocinadora do Palmeiras que vestia crianças de mamíferos em seus icônicos comerciais da época, Viola posou com as vestes suínas para a capa da PLACAR de agosto de 1996. Na ocasião, corintianos e palmeirenses famososo, como Charles Gavin e João Gordo, opinaram sobre a polêmica contratação.

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos arquivos, reproduz a reportagem de Luísa de Oliveira na íntegra:

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Porque sou porco

Com a camisa do rival Corinthians, Viola já maltratou, sacaneou e debochou do Palmeiras. Mas não se engane: o atacante é mamífero, mais especificamente da espécie dos suínos

Por Luísa de Oliveira

Setembro de 1995: Viola está de mal com a vida. Recém-contratado pelo Valencia, da Espanha, está longe dos amigos e sofre com a língua estrangeira e os novos hábitos alimentares. Para completar, amarga um lugar no banco, suplício para quem carrega no currículo o título de artilheiro corintiano. As coisas estão tão difíceis que ele quase joga tudo para o alto. “Depois de um mês na Espanha ele ligou dizendo que queria voltar”, lembra Romeu Tuma Júnior, amigo desde os tempos em que era diretor do Corinthians.

Setembro de 1996: Viola está de bem com a vida. Acaba de desembarcar em casa. Um séquito de repórteres roda São Paulo à sua caça e os torcedores, palmeirenses e até corintianos, não cansam de pedir autógrafos. O celular toca a toda hora com mensagens de boas-vindas e os problemas alimentares são substituídos por picanha na chapa e lasanha. O mesmo homem que humilhou os palmeirenses, ao chafurdar numa comemoração, assume de vez seu lado mamífero: “Sou porco com muito orgulho”.

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Viola não esconde que é um cara de sorte. “Sempre consegui tudo o que quis na vida”, vangloria-se. A sorte o acompanha desde a primeira vez que pisou num estádio. Tinha 11 anos e foi com o irmão palmeirense, Jorge, e dois amigos ver o Verdão no Pacaembu. Ao deixar o estádio após a vitória alviverde achou 7 cruzeiros no chão. “Era um dinheirão”, lembra. “Paguei pastel e caldo de cana para todos e ainda sobrou.”

Viola e a icônica provocação ao Palmeiras em 1993
Viola e a icônica provocação ao Palmeiras em 1993

Coincidência ou não, mais uma vez coube ao Palmeiras fazer Viola sorrir. Apesar de titular do Valencia no Segundo Turno do Campeonato Espanhol, não caiu nas graças dos dirigentes da equipe, que o colocaram à venda. Na mesma época, encaixou-se nos planos palmeirenses, que pediam mais um homem no ataque. A negociação começou em junho. Por um momento, a Parmalat e o Palmeiras tentaram levar Romário e contratar Viola só em 1997. Mas ao acertar com o Valencia, o carioca antecipou a volta do ex-corintiano. Com contrato garantido até o final de 1998 e cerca de 50 000 reais no bolso por mês ” além dos 15% da negociação estimada em 5,3 milhões de dólares ” Viola voltou para os braços da galera. A recepção nem de longe lembrou a conturbada passagem pela Espanha.

A estada na terra de Dom Quixote, aliás, estava muito mais para a fase em que era conhecido como “o artilheiro de um só gol”. Em 1988, Paulo Sérgio Rosa, morador da periferia da Zona Norte paulistana, surpreendeu ao marcar o gol decisivo contra o Guarani dando o título paulista ao Corinthians. A estréia havia sido quinze dias antes, contra o Palmeiras. Viola passou a viver a glória. O assédio de fãs e jornalistas era incontrolável e o deslumbre, inevitável. Mas os gols desapareceram e logo as críticas substituíram os elogios. “Ele ficou eufórico”, lembra o zagueiro Marcelo, antigo colega de time e hoje no Lyon, da França. “Chegava atrasado aos treinos e uma vez tiveram de buscá-lo em casa.” Acabou emprestado ao São José e ao Olímpia, do interior paulista.

Não fosse a ajuda paternal de Basílio, ex-jogador e por várias vezes técnico do Corinthians, não teria dado a volta por cima. “Ele foi muito exposto depois daquele gol e não tinha estrutura”, ressente-se Basílio, responsável pela permanência do jogador no clube depois do empréstimo ao Olímpia. Ninguém melhor do que o autor do gol que livrou o Timão da fila de 22 anos, na Final do Paulista de 1977, para entender a angústia do estreante.

Embora seja um profissional do gol, não é exatamente a falta dele que faz de Viola uma pessoa deprimida.

Não se trata de um atacante convencional que vive nas nuvens quando a bola está entrando e se afunda nos períodos de jejum. O jogador já passou meses sem marcar um único golzinho pelo Corinthians e nem por isso entrou em parafuso. Se a bola teimava em não tocar a rede, pelo menos Viola se esmerava em deixar os companheiros na cara do goleiro. O problema é mais complexo. As fases escabrosas da carreira sempre coincidiram com o desamparo fora de campo. Viola se deu mal toda vez que não foi paparicado pelo técnico e que sentiu o abandono dos fãs. Assim foi no São José, no Olímpia, no Valencia. “Na Espanha, ele estava sem piso. Foi vendido e abandonado por lá”, explica Tuma Jr.

Quando está de bem com a vida, Viola é brincalhão. Adora enrolar-se em toalhas como uma múmia e invadir o sono dos colegas na concentração, ou assustar o companheiro de quarto. “Foi ele quem me fez perder o medo de revólver”, conta o volante Zé Elias, com quem o atacante dividia o quarto na fase final, no Corinthians. “No meio da noite, tudo escuro, ele jogava a arma no meu colo e me mandava pegar”, conta o jogador do Bayer Leverkusen, da Alemanha. O revólver estava descarregado, mas Zé Elias não sabia disso. Viola divertia os companheiros e quase tirava do sério a comissão técnica corintiana. Antigos funcionários do clube lembram de Eduardo Amorim irritado por ter de convencer o artilheiro a deixar o saguão do hotel da concentração e ir para a cama.

Viola, do Palmeiras, durante jogo contra o São José, pelo Campeonato Paulista de Futebol, no Estádio Martins Pereira, em 1997 -
Viola, do Palmeiras, durante jogo contra o São José, pelo Campeonato Paulista de Futebol, no Estádio Martins Pereira, em 1997 –

Faz parte da rotina do jogador também fazer doações a instituições de caridade. “Ele não pode ver alguém precisando de alguma coisa que vai ajudar”, conta Ana, esposa de Basílio, que já acompanhou o atacante em visitas a orfanatos. Arrimo de família desde que se profissionalizou, Viola nunca deixou os Rosa na mão.

A filha Paula, que teve com a ex-namorada Vanderli de Assis e que completa 2 anos em novembro, não apenas foi reconhecida como vive num apartamento mantido pelo pai e é mimadíssima. “Vou dar para ela tudo o que não tive, bicicleta, brinquedo, tudo”, promete o pai coruja. A família é assunto sagrado para Viola. Ele não permite exposição à imprensa e, pela mesma razão, se trata na terceira pessoa do singular. “O Paulo Sérgio é uma coisa e o Viola, outra”, trata de avisar.

Mas não é fácil manter o controle. Há dois anos, uma euforia semelhante à do gol do título de 1988 repetiu-se com conseqüências parecidas. Convocado por Parreira, o atacante teve seus 15 minutos de fama na Final da Copa de 94. O deslumbre de tetracampeão durou um ano, até encontrar-se sozinho em terras estranhas. Na Espanha, o colo dos amigos e o assédio dos torcedores deram lugar a críticas e cobranças de rápida adaptação. Desconfiado por natureza, ele se isolou mais uma vez. O apoio restringiu-se à namorada Leila. Ela o acompanhou a Valência e fez as vezes de procuradora na volta a São Paulo ” era Leila quem falava pelo jogador nas negociações com a Parmalat.

A desconfiança não diminuiu após o desembarque no Palmeiras. Viola fugiu da imprensa, dissimulou o quanto pôde a infância palmeirense e disparou autodefinições: “Viola é alegria”, “Viola sempre foi humilde e trabalhador”. Frases feitas à parte, dirigentes do Palmeiras e torcedores não esconderam o temor de que pudesse repetir-se o efeito Valencia e o atacante se revelasse um fracasso. “Ele é uma pessoa carente, que precisa de respaldo”, analisa o “paizão” Basílio. “Basta ficar próximo, dar apoio e solidariedade, que tudo dará certo”, concorda o ex-dirigente Tuma.

Eis aí uma boa receita para os palmeirenses. É só seguir à risca que o projeto Viola não desanda.

“Não tem problema o Viola jogar no Palmeiras. Não fazendo besteira, tá limpo.”
João Gordo, vocalista dos Ratos de Porão

“Coisas do futebol. Lamento que o Viola esteja no Palmeiras porque estamos precisando de um bom centroavante. Seja bem-vindo, e tomara que jogue mal.”
Gastão, corintiano e VJ da MTV

“Estou com ciúmes, inveja mesmo. O Viola nunca deveria ter saído do Corinthians. A alegria, a irreverência e a raça dele fazem parte do espírito do time.”
Charles Gavin, corintiano e baterista dos Titãs

“Acho esquisito o Viola no Palmeiras, mas não tenho raiva nem comemorei. Fiquei feliz com ele na Copa, quando entrou com o maior jeito de malandro.”
Soninha, palmeirense e VJ da MTV

“Vai ser bom para o Palmeiras. O Viola joga bem e tem raça. Não importa o passado. Se fizer bem o trabalho dele, tá valendo.”
Max Cavalera, palmeirense e vocalista do Sepultura

A caminhada de Viola

Corinthians

(1988 a 1990)

1988 ” 4 gols

1989 ” 9 gols

1990 ” 3 gols

São José-SP

(Agosto a dezembro de 1990)

Emprestado, disputou 10 jogos, marcou um gol e foi expulso duas vezes

Corinthians

(Janeiro a junho de 1991)

Em crise, Viola disputou 15 jogos, apenas 4 do começo ao fim. Não marcou gol nesse período

Olímpia – SP

(Julho a dezembro de 1991) Emprestado, disputou 15 partidas, marcou um gol contra e outro a favor

Corinthians

(1991 a 1995)

1992 ” 18 gols

1993 ” 27 gols

1994 ” 33 gols

1995 ” 11 gols

Jogou apenas o primeiro semestre, sendo vendido para o Valencia, da Espanha

Corinthians

(Janeiro a junho de 1991)

Em crise, Viola disputou 15 jogos, apenas 4 do começo ao fim. Não marcou gol nesse período

Valencia

Campeonato Espanhol (1995 a 1996)

30 jogos

8 completos

11 gols

Com Mazinho, no Valencia Vira-casacas

Quem já jogou no Palmeiras e no Corinthians

Cláudio, ponta-direita, anos 40/50

César, centroavante, anos 60/70

Baldocchi, zagueiro, anos 60/70

Leão, goleiro, anos 70/80

Luís Pereira, zagueiro, anos 70/80

Jorginho, meia, anos 80

Edson, lateral-direito, anos 80

Neto, meia, anos 80/90

Edmundo, atacante, anos 90

Rivaldo, meia, anos 90

Válber, meia, anos 90

Jogadores do Corinthians comemorando o gol feito por Viola, no jogo Corinthians contra Palmeiras, pelo Campeonato Paulista, em 1993 -
Jogadores do Corinthians comemorando o gol feito por Viola, no jogo Corinthians contra Palmeiras, pelo Campeonato Paulista, em 1993 –
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