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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

A Bola (ou Freud) explica?

Pausa na Copa de 1982 leva cronista a 1958, na Suécia, no primeiro mundial da seleção, e a pedir ajuda a psicólogo do time: como alertar sobre ‘Sarriá’?

Nunca antes na história desta Máquina do Tempo existiu uma viagem ao passado partindo do…. Passado, também. Sim, queridos e ensandecidos “brasileiros e brasileiras” de 1958, sou um “mochileiro” que atravessa décadas, séculos… Ano original de embarque: 2022, daqui a 64 anos. Sei que é difícil acreditar e compreender, ainda mais pelo ineditismo desta jornada. Estava já há três semanas em 1982, numa futura Copa do Mundo que acontecerá na Espanha, quando percebi que 10 dias se passariam até o próximo jogo do Brasil no certame, contra a Argentina. Como era um 29 de junho, ocorreu-me de vir até ‘aqui’ testemunhar o épico primeiro título mundial do nosso escrete, nesse 5 x 2 sobre a Suécia. E me senti seguro para a aventura pela quantidade de marcos e novidades que milhões de espectadores acabam de testemunhar nesta Copa – e em breve todos os senhores e senhoras também, quando chegarem os ‘kinescópios’ (16mm) da Europa, outra inovação. Não foi apenas o reinado do novo ‘Rei do Futebol’ que – como vocês supõem – teve início ontem. Nunca antes na História dos gramados um time tinha adotado e aplicado técnicas de Psicologia na preparação dos jogadores. E acreditem: ao retornar a 1982, vou precisar muito de ‘psicologês’.

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Já que o dia é de festa em todo o país, quero botar mais confete nesse saco. Em 1982, acreditem, estaremos em busca de nosso quarto ‘Caneco’ – na verdade nem poderemos mais chamar assim a conquista, pois o ‘canecão’ Jules Rimet (assim batizado após a morte, há dois anos, do dirigente) já será nosso definitivamente, com os três triunfos. Sim, é isso mesmo: ganharemos duas das próximas cinco Copas do Mundo. Pode abrir mais uma ampola de lança-perfume! E saibam que 1958 é mesmo um ano-marco no Brasil e no Futebol. Tivemos pela primeira vez uma final entre uma equipe europeia e uma Sul-americana. A primeira vez também em que a equipe anfitriã foi derrotada na decisão (em 1950 era um quadrangular, lembram?). Até 2022, posso garantir, não mais veremos um gol marcado por um jogador mais jovem que Pelé (17 anos e 249 dias). Não fica por aí: não teremos mais uma final com tantos gols (7) e nem um artilheiro que, como o francês Just Fontaine, faça 13 gols num só Mundial. E não veremos mais uma Copa na Europa ser vencida por um país não europeu. Freud explica?

Cartaz com a chamada para o mundial de 1958 -
Cartaz com a chamada para o mundial de 1958 –

Só agora, após o triunfo, a imprensa brasileira – e depois a internacional – começa a descobrir e a relevar os feitos do Dr. João Carvalhaes que, como muitos sabem, é o psicólogo trazido pela delegação brasileira para a Copa. Ele teve zero influência na troca tática – de 4-4-2 para 4-3-3 – da forma de o Brasil jogar, mas será apontado como um dos mentores e responsáveis pelo triunfo, por ter conseguido fazer nossos heróis atuarem com autoestima, confiança, e ainda superando traumas como o ‘de vira-latas’ e o ‘Maracanazzo’. O que fez do Brasil o primeiro selecionado a vencer um Mundial fora de seu Continente. Nada abalou o moral do Onze nacional, nem o fato de ter protagonizado a primeira partida sem gol da história das Copas do Mundo, naquele 0 x 0 com a Inglaterra. Uma situação tão inédita e insólita que, ao final, fez jogadores de ambas as equipes se entreolharem na dúvida se era ou não pra sair de campo. “Fim de papo!”, vaticinou algum locutor.

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Além de apresentar o ‘futebol brasileiro’ ao Mundo, nossa delegação tem este inquestionável mérito: o pioneirismo no uso da Psicologia no Futebol. Na Europa, para vocês terem uma ideia, isso será comum, mas só daqui a 30 anos. O Tempo, porém, maldoso como sempre, gravará mais o fato de que, em seus testes psíquicos, o Doutor Carvalhaes teria desaconselhado a entrada dos dois reservas alçados à equipe titular na terceira partida: Garrincha e Pelé. E de fato, saibam, ele assim os definiu: o primeiro excessivamente descompromissado; o segundo, infantil. O professor Feola, nosso treinador, ouviu o seu auxiliar técnico de jaleco e mandou algo assim: “Captei a vossa mensagem, enigmático, guru!”. Nascia assim o ‘futebol moleque’. Não ontem. Mas naquela noite do último dia 19, no início dos 3 x 0 aplicados sobre o País de Gales, que será eternamente apontado como os “melhores 3 minutos já jogados na História do Futebol”. A Bola – dos ‘cara’ – explica.

Por essas e outras pensei que precisava ter uma conversa com este Doutor, trazido aos refletores ano passado ao integrar a Comissão Técnica do vitorioso time do São Paulo. Ainda mais depois de atestar, in loco, a veracidade da frase de Didi após os suecos abrirem o placar em Raasunda: “Vamos lá, acabou a moleza, vamos encher esses gringos de gols!” Eu estava lá e ouvi! Como será importante se viermos a ter alguém para reagir desta forma após o tento que nos eliminará no Mundial de 1982 – pra “quando’ ainda hoje voltarei. Explico: estou na futura Copa da Espanha tentando alertar nosso Time sobre o que nos aguarda nas quartas-de-final – e mais detalhes não posso dar, sob pena de perder minha geringonça do Tempo. Minha questão é: o que poderei fazer em 1982 para que algum jogador brasileiro, após o terceiro gol do adversário, um atacante italiano, ponha a bola debaixo do braço e caminhe em direção ao centro do campo, liderando a virada? Como repetir o que Didi fez ontem?

Que Karl Yung não me leia, mas, aprendi no divã, há muito de aleatório no que acontece com a gente. Não fosse assim, como explicar que a mesma organizada e preparadíssima Comissão Técnica brasileira, liderada pelo Chefe da Delegação Paulo Machado de Carvalho, tenha esquecido de enviar a numeração de nossos jogadores aos organizadores do campeonato, da Fifa? Por muito pouco, saibam, não fomos previamente eliminados da disputa. Não apenas a Seleção mas também a História do Futebol foram salvos por um uruguaio, Lorenzo Vilizzio, do comitê organizador, que para evitar o corte saiu distribuindo a numeração ‘ao Deus dará’. Por isso, amigos, nosso ‘goal keaper’ Gilmar jogou com um 3 nas costas. E, também graças ao tal Vilizzio, Pelé vestiu a 10 – o que eternizará e consagrará esta camisa no esporte. Freud?

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Pelé chora amparado por Gylmar dos Santos Neves -
Pelé chora amparado por Gylmar dos Santos Neves –

Tivemos ainda este ano o gol número 500 da história das Copas – marcado pelo escocês Robert Collins aos 29min do 2º tempo do jogo contra o Paraguai (3 x 2 para os paraguaios). E como todos poderão comprovar assim que aqui chegarem os filmes, disputamos e vencemos a final trajados de uniforme azul, e não com o ‘amarelo canarinho’ que vinha nos dando tanta sorte. Adianto que trata-se de mais uma cochilada da preparadíssima Delegação Brasileira. No futuro saberemos que um sorteio na véspera da partida definiu que seriam os suecos a vestir camisa amarela, farda principal de ambos os selecionados. Só então ‘caiu a ficha’ (expressão do futuro) de que precisávamos ter uma segunda opção de vestimentas. Como tudo na vida, ter um ‘plano B’.

Improvisou-se então, saibam, uma bonita jaqueta azul-marinho, que de ontem em diante será assumida oficialmente como uniforme número 2 do Brasil – embora, até 2022, não venhamos a conquistar e a sequer disputar Copas usando o traje mais escuro no jogo final. Até na troca de roupa para o momento decisivo, a Psicologia foi utilizada. Para evitar qualquer impacto negativo com a troca das ‘amarelinhas’, Paulo Machado de Carvalho anunciou assim a novidade: “A cor azul vai dar sorte, pois é a mesma do manto de Nossa Senhora da Aparecida, a padroeira do Brasil”. Sim, Nossa Senhora, a mesma que, a maioria católica sabe, em 19 de abril teve sua Arquidiocese, em Aparecida (SP), criada pelo Papa Pio XII. Teria sido aleatório tudo isso também? Viria daí uma outra expressão do futuro, ‘manto sagrado’?

Antes de retornar a 1982 e – depois – 2022, gostaria de deixar para vocês mais alguns ‘spoilers’ (notícias do futuro):

  • Este arqueiro sueco Svensonn, que só tinha levado 2 golzinhos no torneio e ontem catou cinco bolas no fundo das redes, chegará a 2022 sendo ainda a maior vítima do Brasil em Copas: 12 ao total, com a soma dos 7 que já emplacamos nele na Copa de 1950 (Brasil 7 x 1 Suécia). Por conta do ataque brasileiro, em 2022 Svensonn será ainda o segundo goleiro mais vazado em Mundiais: 22 vezes.
  • No futuro, outro sueco, anotem, Thomas Ravelli, se tornará o goleiro a enfrentar pelo maior número de vezes o Brasil em Copas: três partidas (duas na mesma disputa, nos EUA). Mas sofrerá ‘apenas’ 4 gols.
  • Ao erguer a taça com as duas mãos sobre a cabeça, nosso capitão Bellini inventou um gesto que muitos repetirão no futuro. Mas foi sem querer. Atendia apenas aos gritos dos fotógrafos: “Levanta ela!” “Mostra ela!”
  • Saberemos que, ao apito final, diante do Rei Gustav Adolf, que desceu para cumprimentar nosso time, o dentista (outro de jaleco) da Delegação Nacional, Mário Trigo, ‘relaxou no divã’ e soltou, ignorando protocolos: ‘Oi King! Tudo bem?”

Relaxar… Talvez seja este o ensinamento que deva levar de hoje, 1958, para 1982 – ‘onde’ tento cumprir com sucesso minha missão de salvar o Futebol-Arte. Pensava nisso olhando o já esvaziado estádio Raasunda, que, sinto informar, virá abaixo em 2013, abrindo espaço para prédios aqui em Solna, região metropolitana de Estocolmo – não sem antes, claro, acontecer um confronto de despedida, em 2012, com nova vitória brasileira (3 x 0). Preciso então ter autocontrole e, no ‘psicologês’ que se propagará nos times de todo o mundo, ‘inteligência sócioemocional’ na minha volta à Espanha. Curtir o momento, tipo o Garrincha, que perguntado sobre qual foi o mais difícil adversário do Brasil, hoje ou amanhã responde assim: “Aquele com a camisa do São Cristóvão!”. Estará falando da Inglaterra, claro.

Teve mesmo muita coisa boa nesta Copa de 1958. “Treino é treino; jogo é jogo” é outra frase do craque Didi – eleito o melhor jogador do Mundial – que ganha a eternidade este ano. Foi sua resposta ao ser acusado de não estar se dedicando suficientemente à preparação do time. Na minha Copa particular, garanto que cheguei à Suécia com tudo, pra ‘dia de jogo’, mas minha gana não foi suficiente para conseguir me aproximar do Doutor Carvalhaes – e nem a tempo de presenciar uma de suas sessões com os atletas, em que, entre outras tarefas cognitivas, pedia que desenhassem qualquer coisa que viesse à cabeça numa folha em branco. Outra frase do certame que merece registro foi proferida pelo presidente da AFA (Associação de Futebol Argentino), Raul Colombo, ao justificar a escolha dos convocados no retorno do país após 24 anos sem jogar Copas: “O futebol argentino não precisa dos que estão no exterior.” E, como se sabe, nossos vizinhos de continente (que no futuro substituirão os uruguaios como nossos principais rivais) voltaram pra casa após o que chamaremos de ‘Desastre da Suécia’: desclassificados no terceiro jogo após serem goleados de 6 x 1 pela Tchecoslováquia. Definitivamente, teve mesmo muita coisa boa nesta Copa de 1958…

PRA VER BRASIL 5 X 2 SUÉCIA (JOGO COMPLETO)


FICHA TÉCNICA
BRASIL 5 x 2 SUÉCIA

Competição: Final da Copa de 1958
Data: 29 de junho de 1952
Local: Estádio Raasunda, em Solna, na Suécia
Horário: 15h
Público: 49.737 torcedores
Árbitro: Maurice Guigue (França)

ALEMANHA: Gilmar; Djalma Santos, Bellini, Orlando e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Vavá, Pelé e Zagalo. Técnico: Vicente Feola

SUÉCIA: Svensson; Bergmark, Axbom; Borjesson, Gustavsson, Parling; Hamrin, Gren, Simonsson, Liedholm, Skoglund. Técnico: Georges Raynor

Gols: Primeiro Tempo: Liedholm, aos 4’; Vavá aos 8’ e 32’; Segundo Tempo: Pelé, aos 11’; Zagalo, aos 23’; Simonsson, aos 35’; e Pelé, aos 44’

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