Wimbledon: uma geração de ouro
Nunca houve uma rivalidade como esta. Novak Djokovic pode alcançar o recorde de Roger Federer e Rafael Nadal e consagrar de vez o Big Three do tênis
No próximo dia 28, começa na grama sagrada do All England Lawn Tennis and Croquet Club, em Londres, aquela que promete ser uma edição épica de Wimbledon, o mais antigo torneio do circuito de tênis. A competição criada em 1877 teve de ser cancelada no ano passado — foi a primeira vez desde a II Guerra — em razão da pandemia de Covid-19. O retorno pode marcar uma façanha: o sérvio Novak Djokovic, de 34 anos, está a um título de igualar o recorde masculino de vinte troféus de Grand Slams, como são chamados os quatro torneios mais importantes da modalidade — o Aberto da Austrália, Roland Garros, US Open e Wimbledon. Os líderes nessa contagem são o suíço Roger Federer, 39 anos, e o espanhol Rafael Nadal, 35. O feito ganha especial relevância pelo fato de os três serem contemporâneos e estarem em atividade. Trata-se de um caso raro, se não inédito, de rivalidade em dose tripla pelo topo de um esporte.
A competição estará desfalcada. Nadal abriu mão de disputar o torneio britânico e também a Olimpíada de Tóquio por questões físicas. “Tive de ouvir o corpo”, justificou o ídolo ibérico, que recentemente desperdiçou a chance de conquistar o pentacampeonato consecutivo de Roland Garros diante do próprio Djokovic. Federer, por sua vez, abriu mão da disputa em Paris justamente visando a seu Grand Slam favorito. A história do grupo batizado de Big Three (os três grandes) teve início em 2003, quando o suíço conquistou seu primeiro Wimbledon. Dos setenta Grand Slams disputados desde então, apenas doze (17,1%) não tiveram Djokovic, Federer ou Nadal como campeões. Quem mais se aproximou foram o britânico Andy Murray e o suíço Stan Wawrinka, ambos com três taças.
Djokovic, portanto, fez o que até pouco tempo atrás parecia impossível. Colou nas marcas dos mais badalados tenistas do século XXI e tem chances reais de superá-los, por ser o mais jovem e em forma. É o recorde que lhe falta na disputa particular. Em março, ultrapassou Federer e tornou-se o atleta com mais semanas seguidas na liderança do ranking mundial (atualmente, a marca está em 326). É também o único jogador a ganhar todos os chamados “grandes títulos” (Grand Slams, Masters 1000 e ATP Finals) e leva vantagem nos confrontos diretos (trinta a 28 sobre Nadal e 27 a 23 sobre Federer). Está, portanto, no centro do debate interminável — e sempre saboroso — sobre o maior de todos os tempos (ou GOAT, na sigla em inglês). “Os critérios e gostos podem variar, é difícil comparar gerações, mas não há mais como excluir Djokovic dessa discussão”, disse a VEJA o ex-tenista brasileiro Fernando Meligeni. “São três estilos distintos. Federer é mais habilidoso e agressivo. Nadal é intenso e aguerrido no fundo da quadra, enquanto Djokovic é um meio-termo dos dois.”
A rivalidade das raquetes difere de outras que fizeram história no esporte, como Senna contra Prost na Fórmula 1 ou Jimmy Connors versus John McEnroe no tênis, mercuriais e plenas de animosidade. Há, agora, enorme camaradagem entre o trio. Nenhum deles chama para si o rótulo de melhor da história e, ao menos diante das câmeras, costumam trocar rasgados elogios e sorrisos nos eventos que promovem juntos. Isso não se deve apenas à personalidade afável, mas, sobretudo, à adequação a uma era de enorme profissionalismo e zelo com a própria imagem. Daí vem outra explicação para a longevidade do trio: o avanço da medicina esportiva e dos cuidados com a alimentação, segredo que mantém outras estrelas veteranas como Tom Brady e Cristiano Ronaldo no topo. O Big Three não durará muito mais tempo e outros talentos como Stefanos Tsitsipas e Alexander Zverev tentarão suprir essa lacuna. Até lá, desfrutemos desta mágica geração.
Publicado em VEJA de 30 de junho de 2021, edição nº 2744