Universo paralelo
Treinadores são, acima de tudo, atores. Não falam exatamente o que sentem, o que pensam. Não podem ser sinceros quando indagados sobre o desempenho do frangueiro e do artilheiro que perdeu o gol feito. Nas entrevistas, dissimulam, passam mensagens tortas para ludibriar os adversários. São atores, todos. Uns mais, outros menos. Sabemos e aceitamos isso. […]
Treinadores são, acima de tudo, atores. Não falam exatamente o que sentem, o que pensam. Não podem ser sinceros quando indagados sobre o desempenho do frangueiro e do artilheiro que perdeu o gol feito. Nas entrevistas, dissimulam, passam mensagens tortas para ludibriar os adversários. São atores, todos. Uns mais, outros menos. Sabemos e aceitamos isso. Mas a entrevista coletiva de Luiz Felipe Scolari após o 0 a 3 de ontem passou dos limites. Na Granja Comary se vive em outra dimensão, num universo paralelo. A julgar pelas palavras do professor, o Brasil jogou bem. “A equipe foi muito legal, muito boa.” Perdeu porque tomou um gol logo no começo e, claro, provocado por um erro de arbitragem. Quanto ao jogo anterior, continuamos na tese do apagão.
Felipão tem toda a razão quando diz que seu “trabalho não pode ser julgado por uma única partida”. De acordo. Acidentes acontecem, ainda que uma derrota como anfitrião em Copa do Mundo perdendo por 7 seja um acidente e tanto.
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Sem esconder abatimento com mais uma derrota, o zagueiro Thiago Silva pediu desculpas aos torcedores, disse entender as vaias no Estádio Nacional Mané Garrincha, em Brasília, e considerou que o Brasil “não merecia” a forma como terminou sua campanha. “Acho que não mereciamos esse final, dessa forma. Infelizmente o futebol assim, temos de pedir desculpas ao povo que nos apoiou, nos 7 a 1 ou hoje nos 3 a 0. As vaias são normais, os torcedores têm sentimentos.”
É mais ou menos como retirar o rim de um paciente com fimose, planejar mal a ponte que caiu, defenestrar o dono da emissora sem saber que o áudio foi para o ar. Acontece, mas é bem chato. E costuma resultar em demissão do responsável pelo erro.
O problema é que não foi um desastre isolado, não foi só um jogo, como acreditam Felipão, Parreira e Dona Lúcia. E, no caso do comandante supremo das forças futebolísticas, o mais preocupante é que parece haver sinceridade na crença. Felipão aparenta acreditar na tese do apagão momentâneo nos 7 a 1 da Alemanha. Conversando a sério com seus comandados, o treinador comentou que o Brasil teve chance de marcar quatro gols contra a Alemanha no início do segundo tempo e “poderia, com os 5 a 4, ter endurecido o jogo”. Ele, talvez persuadido por algum telefonema de Dona Lúcia, acredita que o Brasil teve azar. Não percebeu que a Alemanha, respeitosamente, parou de jogar a partir dos 30 minutos do primeiro tempo, quando estava 5 a 0. Se os quatro gols em seis minutos foram, de fato, incomuns, a superioridade gritante dos alemães não teve nada de irreal.
A tendência do jogo era de uma vitória facílima, quem sabe com os gols sendo distribuídos de uma forma mais democrática ao longo dos 90 minutos. A seleção brasileira empacou no ponto em que parou há um ano, na Copa das Confederações.
Em junho passado, o Brasil subjugou a Espanha com uma ideia única e bem executada. O time avançava a marcação e partia em velocidade. Neymar era o jogador perfeito para isso. E havia a quase perfeição atrás. A melhor dupla de zaga do mundo, formada por Thiago Silva e David Luiz, garantia as pontas na defesa e ainda encontrava tempo para aparições ofensivas na bola aérea. Neymar, Thiago e David. Mas e os outros oito companheiros? Como eles podiam ajudar mais?
Um ano se passou e nada aconteceu. Seguimos na mesma. Sem outras opções. Com Neymar, Thiago e David em campo, quase não passamos. Neymar fez gols e resolveu a parada contra Camarões e Croácia. David e Thiago marcaram e resolveram contra Chile e Colômbia. No dia em que dois desses três faltaram, deu no que deu. Nem precisamos entrar na discussão tática sobre as alternativas trabalhadas e testadas por Felipão. Elas não existiram. A seleção de 2014 não tinha alternativas. A de 2018 tem, desde que se comece a pensar nisso a partir de agora com novas cabeças e novas ideias.
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