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Os jovens lobos do mar

Dos seis concorrentes ao título mundial de surfe, três são brasileiros. VEJA acompanhou de perto a temporada de 2015 da modalidade candidata a uma vaga olímpica nos Jogos de Tóquio, em 2020, e revela as razões para o protagonismo recente dos atletas nacionais

Onde segundos antes havia apenas uma parede de água gigantesca e um terrificante troar está um homem, ereto, em toda a sua altura; e ele não se debate naquela situação selvagem, não é sepultado e esmagado pelo monstro poderoso, mas, sim, se mantém em pé em cima dele, calmo, soberbo, firme sobre o vertiginoso ápice (….) voando rápido como a onda que o transporta. Ele é um Mercúrio – um Mercúrio moreno.” Ao pôr em palavras, em tom entre o místico e o heroico, as ondas do Havaí e os surfistas que nelas deslizavam, em 1911, o escritor americano Jack London (1876-1916) fez o continente olhar para o arquipélago, incentivou o desembarque das pranchas na Califórnia e inaugurou a era moderna da modalidade. Lê-lo, hoje, ilustra o esporte, no avesso daquela exclamação jocosa, em tom de piada, usada para descrever o minguado repertório de seus praticantes – “ó o auê aí!”, como quem alerta para uma confusão qualquer -, e ainda por cima serve de louvação para o palco mais celebrado de cristas que arrebentam na areia, com ondas de até 12 metros que um dia dançaram ao ritmo de Elvis Presley e agora aturam Jack Johnson (quem não tem London vai de Johnson). O Havaí, enfim, é mais do que um lugar, é um jeito de ser.

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Todo adepto do surfe sonha com uma peregrinação ao Havaí durante a temporada de boas ondas, que começa em outubro e vai até o fim de março. Não há, enfim, canto mais adequado para escolher o melhor surfista do mundo. A partir da terça-feira 8, a lendária praia havaiana de Pipeline receberá a decisão do título do circuito organizado pela Liga Mundial de Surfe (WSL, na sigla em inglês), entidade que comanda o surfe profissional. Entre os seis concorrentes ao troféu de melhor de 2015, há três brasileiros: Gabriel Medina, paulista de 21 anos que em 2014 se tornou o primeiro surfista do país campeão mundial; Adriano de Souza, o Mineirinho, do Guarujá, 28 anos, o mais experiente, e também o mais autossuficiente, entre os brasileiros do circuito; e Filipe Toledo, de Ubatuba, 20 anos, o mais jovem de todo o campeonato. A atual temporada é a consolidação desse novo grupo de devotos do surfe, jovens lobos do mar batizados pela imprensa especializada de Brazilian Storm (Tempestade Brasileira) e cuja lufada de ousadia e obstinação alterou a ordem natural dos mares encrespados, tradicionalmente dominados por americanos, australianos e, mais especificamente, havaianos.

Apesar de a liderança do campeonato estar momentaneamente – e por uma diferença ínfima, ressalte-se – nas mãos do australiano Mick Fanning, três vezes campeão mundial, o atual protagonismo do surfe brasileiro é incontestável. Das dez etapas já disputadas em 2015, em cinco o Brasil esteve no posto mais alto do pódio: três vezes com Filipe, uma com Mineirinho e uma com Medina. O prêmio de “novato do ano”, dado ao surfista estreante com a melhor colocação no ranking, é do potiguar Ítalo Ferreira, 21 anos, o sexto do mundo até o momento. Os outros três brasileiros (Wiggolly Dantas, 25 anos; Jadson André, 25 anos; e Miguel Pupo, 24 anos) já carimbaram o passaporte na primeira divisão em 2016. Eles terão a companhia de mais três conterrâneos no próximo ano, alçados de divisões inferiores. Ou seja, basta dizer que quase um terço (dez de 34) dos melhores surfistas do mundo vem do Brasil. De 1990 a 2010 – vinte anos! -, os brasileiros venceram apenas treze etapas do circuito, mesmo tendo representantes em todos os anos. Em apenas cinco temporadas que se seguiram, foram as mesmas treze vitórias e um título mundial. A boa pergunta: por que os brasileiros vencem tanto?

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Não vale como resposta louvar nosso extenso litoral, que sempre esteve onde está e nunca foi tratado como vantagem. Pelo contrário, ele representava uma dificuldade extra quando os surfistas competiam no exterior. No Brasil, há predominância de beach break (mar com fundo de areia, em vez de corais ou pedras, como nas praias do Pacífico). Essa característica geológica é a principal razão para as ondas baixinhas, de no máximo 1,5 metro, do litoral atlântico. A tímida ondulação favorece a prática dos chamados “aéreos” – manobras em que o surfista decola verticalmente e, depois de alçar voo, aterrissa ainda de pé sobre a onda. Embora não sejam uma invenção brasileira, as manobras aéreas surpreendem como um drible. Entraram para o surfe de competição na primeira década dos anos 2000 e somente em 2009, com a mais recente mudança de critérios de julgamento da WSL, se tornaram parte essencial – se não a principal – do espetáculo. Enquanto na década de 80 se premiava o surfista que permanecia por mais tempo em pé sobre a onda, hoje são as manobras mais inovadoras que arrancam pontos dos juízes e aplausos da torcida. Ou seja: Gabriel Medina, criado na Praia de Maresias, no litoral de São Paulo, cresceu em um campo perfeito para a prática do que é considerado o surfe moderno. “Os brasileiros são hoje os que fazem aéreos com maior excelência e maior porcentual de aterrissagem. Eles são jovens, então já chegaram ao circuito influenciados pela evolução do julgamento”, explica Luli Pereira, o único juiz brasileiro presente em todas as etapas do torneio.

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