Ginasta americana Simone Biles será o principal nome dos Jogos de Tóquio
Na ausência de Michael Phelps e Usain Bolt, a atleta desponta nas competições no Japão
A Olimpíada de Tóquio foi obrigada a enfrentar uma rara combinação de circunstâncias negativas. Como se não bastasse a pandemia, que ameaçou as disputas até o último instante, afastou o público das arenas e trouxe o medo do contágio pela Covid-19, o evento deparou com uma situação inglória: a ausência de dois dos maiores atletas de todos os tempos. Usain Bolt, o único homem a vencer por três vezes consecutivas os 100 e 200 metros rasos, e Michael Phelps, dono de inacreditáveis 28 medalhas olímpicas (23 de ouro), deixaram as competições para entrar na história. Será a primeira vez desde 2004, quando Phelps estreou nas piscinas de Atenas, que ao menos um deles não subirá ao pódio. Por mais que os Jogos simbolizem o congraçamento entre povos — algo que se perderá nesta edição de Tóquio, já que não haverá torcedores estrangeiros —, o que interessa mesmo são os feitos na arena esportiva. Nesse campo, o adeus dos gênios é uma lástima, mas felizmente nem tudo está perdido.
A boa notícia: no esporte, a fila sempre anda. Não costuma ser fácil cravar o nome do atleta de hoje que se tornará o mito de amanhã, mas é inevitável que surjam talentos extraordinários a cada ciclo olímpico. Um deles não é exatamente novo, mas possui os atributos para que um candidato ingresse no time dos fenômenos. Trata-se da ginasta americana Simone Biles, gigante de 1,42 metro de altura que detém quatro títulos olímpicos e dezenove mundias. Biles está a cinco ouros de igualar sua marca à da ex-ginasta soviética Larisa Latynina, que conquistou nove títulos olímpicos também em Tóquio, há 57 anos. Para especialistas, a americana já é a maior atleta da história da modalidade, à frente até da romena Nadia Comaneci. E isso mesmo se não brilhar na atual edição dos Jogos.
O que Biles tem de especial? Para começo de conversa, a fantástica coleção de títulos, mas não é apenas isso. Se fosse uma cientista, ela estaria ao lado das grandes inventoras. Em maio passado, Biles criou um movimento no salto jamais executado por outra ginasta — o Yurchenko duplo carpado. Para realizar a perigosa manobra, a atleta se apoia sobre as mãos na mesa de salto e depois se lança a uma altura suficiente para permitir dois giros completos em posição carpada (corpo dobrado, pernas estendidas). Antes disso, só homens eram capazes de concluir a ação, e até agora nenhuma outra ginasta sequer pensou em fazer o mesmo. Biles é também gigante fora dos tablados. Ela foi uma das atletas que denunciaram abusos sexuais do médico Larry Nassar, condenado mais tarde à prisão. Sua infância foi duríssima. A mãe era dependente de álcool e drogas e pouco se interessava pela filha. Biles acabou sendo enviada a um orfanato, onde viveu durante um bom tempo antes de ser adotada pela avó materna. A ginástica abriu o caminho que a vida parecia ter negado para uma criança naquelas condições.
Os Jogos de Tóquio certamente produzirão novas estrelas olímpicas. Na natação, não faltam concorrentes. O mais cotado é o americano — sim, a maior parte das lendas do esporte nasceu nos Estados Unidos — Caeleb Dressel, apontado por muitos como o sucessor de Phelps (leia no quadro), mas que dificilmente irá tão longe. No atletismo, a jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce é quase a versão feminina de Bolt. Como ele, Shelly subiu três vezes ao pódio dos 100 metros, mas ela ganhou dois ouros e um bronze, enquanto seu conterrâneo chegou ao topo nas três ocasiões. A magia da Olimpíada é exatamente esta: os gênios podem ser eternos, mas outros sempre surgirão para iluminar os Jogos com o seu brilho próprio. Biles que o diga.
Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição nº 2748