Fundo saudita desiste de comprar o Newcastle e culpa clubes rivais
Oferta de mais de 2 bilhões de reais enfrentou denúncias de pirataria e violações de direitos humanos por parte do governo da Arábia Saudita
O Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita, administrado pelo príncipe Mohammed bin Salman, retirou na última quinta-feira 30, sua oferta para comprar o Newcastle United, clube da primeira divisão da Inglaterra, pela vultuosa quantia de 300 milhões de libras (mais de 2 bilhões de reais, na cotação atual). O processo foi interrompido diante de um cenário de denúncias sobre pirataria da transmissão dos jogos do Campeonato Inglês e violações aos direitos humanos no país árabe.
Em entrevista ao jornal britânico The Times nesta sexta-feira, 31, uma empresária envolvida na negociação acusou a Premier League, organizadora do campeonato, e alguns de seus clubes de ter dificultado as negociações. A liga passou quatro meses avaliando a proposta, sem dar indicações se e quando iria tomar uma decisão.
“Estamos com o coração partido, obviamente. Claro (que a culpa é da Premier League), eles tiveram a chance e disseram que não respondemos a todas as perguntas, mas o fizemos. Os outros clubes da Premier League não queriam que isso acontecesse. Estamos comovidos pelos fãs do Newcastle. O investimento que iria para o clube, especialmente com tudo o que aconteceu com Brexit e Covid, teria sido muito importante. Isso é catastrófico para eles”, afirmou a empresária inglesa Amanda Staveley, que planejava comprar 10% do clube, mesma fatia dos irmãos David e Simon Reuben, ligados ao ramo imobiliário no Reino Unido – os outros 80% sairiam diretamente do fundo saudita.
Segundo o Times, pessoas próximas à aquisição afirmaram que o Liverpool e o Tottenham Hotspur estão entre os clubes que se opuseram à oferta saudita, enquanto os clubes de Manchester, City e United, se mantiveram neutros. O jornal diz ainda que a questão da pirataria foi o obstáculo crítico para a Premier League.
A rede beIN Sports, de propriedade do Catar e proibida de operar na Arábia Saudita, detém os direitos de transmissão dos jogos da liga no Oriente Médio e acusa o governo da Arábia Saudita de facilitar o pirataria no país por meio da emissora beoutQ. “A questão da pirataria não era uma questão, mas tentamos resolvê-la de qualquer maneira”, insistiu Staveley.
Na quinta, o consórcio anunciou o fim das tratativas. “Fazemos isso com pesar, pois estávamos entusiasmados e totalmente comprometidos em investir na cidade de Newcastle e acredito que poderíamos ter devolvido o clube ao nível de sua história, tradição e torcedores”, anunciou, em nota. “Por fim, durante o processo imprevisivelmente prolongado, o contrato comercial entre o Grupo de Investimento e os proprietários do clube expirou e nossa oferta de investimento não pôde ser sustentada, particularmente sem clareza quanto às circunstâncias em que a próxima temporada começará e as novas normas que surgirão para partidas, treinamentos e outras atividades.”
Além da questão da pirataria, os debates sobre violação aos direitos humanos por parte do governo saudita também foram decisivos. A Anistia Internacional havia pedido à liga que rejeitasse a oferta porque o fundo é supervisionado pelo príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman, acusado de envolvimento direto no assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, crítico do governo de seu país, no consulado da Arábia em Istambul, na Turquia, em 2018.
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As notícias da negociação começaram em janeiro, quando a pedida do magnata inglês Mike Ashley, dono do Newcastle, era de 350 milhões de libras. O cartola já havia exposto o desejo de vender o Newcastle em 2018, após 10 anos de administração e relações conturbadas com os fervorosos torcedores do time, que protestaram inúmeras vezes contra a falta de investimento de seu proprietário. O clube foi fundado em 1892 e é um dos mais tradicionais da Inglaterra, mas após o tetracampeonato inglês, em 1927, e o hexacampeonato da Copa da Inglaterra, em 1955, decaiu. Sob a direção de Ashley, o Newcastle foi rebaixado duas vezes, em 2009 e 2016.
Os defensores do acordo citavam exemplos dos vizinhos. Em 2008, o Manchester City foi vendido pelo ex-primeiro-ministro da Tailândia, Thaksin Shinawatra, a um grupo de investidores ligados ao xeique Mansour bin Zayed Al Nahyan, de Abu Dhabi, por150 milhões de libras. Desde então, o clube teve ascensão meteórica no futebol inglês, levantando a taça da Premier League em quatro oportunidades, com um time repleto de estrelas e que, desde 2016, está sob o comando do técnico espanhol Pep Guardiola.