Como Neymar entrará para a história da Copa de 2018? Cai-cai ou caçado?
Possivelmente, os dois, porque é impossível negar ao camisa 10 a leveza de um gênio a quem só é possível parar com falta
Qual Neymar entrará para a história das Copas, depois da derrota contra a Bélgica? O Neymar cai-cai, o ator, o fingidor, aquele que finge completamente, que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente, ou o Neymar ereto, levemente apartado do jogo, no canto esquerdo, rápido como um azougue, objetivo, genial, sem firulas? Possivelmente, os dois, porque é impossível negar ao camisa 10 a leveza de um gênio a quem só é possível parar com falta. Mas muita água há de passar, quem sabe no Catar, em 2022 (quando ele terá 30 anos), para que do menino que nasceu para ser herdeiro de Pelé suma a marca que nele foi colada na Rússia, em 2018. Na entrada do estádio de Kazan, minutos antes do início das quartas-de-final, um grupo de torcedores brasileiros entoava “Neymar, Neymar”! Três belgas, claramente identificados pelas camisas que vestiam, se jogaram no chão, imitando o movimento que – diz a vox populi, vox dei – representaria o atacante. Uma reportagem do The New York Times chegou a convidar treinadores de dublês, profissionais especializados em treinar atores de teatro e cinema, para que falassem das qualidades dramatúrgicas de Neymar. Nem é preciso lembrar da profusão de memes que, de 17 de junho, dia da estreia contra a Suíça, até a triste sexta-feira, 6 de julho, fizeram troça com a chata mania do ex-santista de ir ao gramado por qualquer coisa, em permanente postura de exagero – embora, ressalve-se, e a ressalva aqui é imensa, que Neymar é caçado o tempo todo.
Mas não há saída para ele, ao menos momentaneamente, e o tribunal internacional que levou Neymar a julgamento permanece vivo – vivíssimo, com a ajuda dos recursos do VAR que pelo menos uma vez, contra a Suíça, deixou de dar um pênalti vergonhosamente cavado. Mas há advogados de defesa, e em nome do benefício da dúvida, convém ouvi-los. O jornalista e escritor Franklin Foer, autor de um pequeno clássico, “Como o futebol explica o mundo”, foi ao site da revista The Atlantic com argumentos lúcidos e incontestáveis. Para Foer, “quando Neymar recebe a bola, ele costuma fazer uma pausa antes de começar seu movimento; ele quer congelar o defensor em seu lugar; para quem o observa, esse momento é como um ponto de interrogação cinético, porque quando ele toca a bola, tudo é possível”. E então vem a falta. Com a observação de que para absolver Neymar é preciso esquecer um pouquinho o escandaloso, o teatral, Foer salienta que o olhar crítico é um dedo apontado para “o tipo de ser humano que os especialistas ingleses e americanos em futebol, educados no culto do estoicismo masculino e propensos à defesa hipócrita do fair play, nasceram para desdenhar”. Ele vai ainda um pouquinho mais longe: “o truque de Neymar merece absolvição porque é a própria fonte de sua grandeza; uma mente que está sempre pensando em como enganar um defensor, também está sempre pensando em como enganar um árbitro”.
Ok, enganar árbitro é sempre coisa feia, inaceitável, mas pedir um recurso ao Supremo, para que Neymar não seja sumariamente condenado, talvez seja um bom gesto depois da eliminação contra a Bélgica de Hazard, De Bruyne e Lukaku. Fiquemos com Foer. “Neymar é como o adolescente que encontra uma desculpa engenhosa e improvável. Ele é Ferris Bueller correndo para casa. Mas, ao contrário de seus oponentes, que desejam infligir dor, seus pecados não têm vítimas – especialmente agora, que a Copa introduziu o árbitro de vídeo, e as travessuras não passam pelo crivo dos vídeos”.
Conclusão possível: Neymar, duas Copas e nenhum título, retirado de 2014 depois de falta violenta do colombiano Zuniga e agora pelo belo futebol belga, já não pode curtir a vida adoidado, como Ferris Bueller. Ele tem ainda muito tempo de carreira, tem o PSG, se para o PSG voltar, tem história para frente e belo retrospecto para trás – mas antes de entrar no rol dos gigantes eternos, precisará ter um pouco mais de cuidado com sua postura cai-cai, a malandragem desnecessária, talvez seja necessário um título mundial pelo Brasil – mas não cabe absolvição, não mesmo, para os zagueiros que o caçam como a uma presa.