Agora é pra valer: o que esperar de Dorival Júnior na seleção brasileira
Aos 61 anos, técnico chega ao ápice da carreira num momento nada tranquilo. Sua primeira convocação não passou ilesa a contestações e os amistosos deste mês serão verdadeiras pedreiras
(Texto publicado na edição 1509, de março de 2024, com adaptações em razão de cortes na convocação)
A era Dorival Júnior na seleção brasileira está prestes a começar, cercada de tensão e desconfiança. Seus antecessores, os interinos Ramon Menezes e Fernando Diniz, somaram três vitórias, um empate e cinco derrotas da última Copa do Mundo para cá. O cenário está longe do ideal para o time que precisa recuperar o título da Copa América e se permitir sonhar com o hexa no Mundial. A primeira competição foi perdida para a rival Argentina, em pleno Maracanã, no Rio, em 2021. A segunda é a esperança da torcida de “apenas” repetir o jejum de 24 anos sem título, vivido entre 1970 e 1994, já que a última conquista foi no longínquo 2002.
Para chegar com moral à Copa de 2026, Dorival terá desafios mais complicados que Marrocos, Senegal, Uruguai, Colômbia e Argentina, times para quem o Brasil perdeu nesses últimos nove jogos — sob o comando da dupla Ramon-Diniz, conseguimos um empate com a Venezuela e vitórias sobre Guiné, Bolívia e Peru. O calendário dos próximos meses é uma pedreira. Para começar, Inglaterra, em Wembley, Londres, no dia 23. Três dias de – pois, Espanha, no Santiago Bernabéu, em Madri. Em 8 de junho, os compromissos serão mais “leves”, mas ainda traiçoeiros, contra México, em local a definir; e Estados Unidos, no Camping World Stadium, em Orlando, quatro dias depois. Até lá o time precisa estar pronto para a Copa América, marcada para 20 de junho a 14 de julho, também em solo norte-americano.
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“Tenho consciência do histórico, da responsabilidade do momento, mas, acima de tudo, tenho a tranquilidade para encontrarmos um novo caminho. O futebol brasileiro se reinventa rapidamente, tem jogadores de altíssimo nível, com capacidade e qualidade para voltar a acreditar. Não vejo [a partida contra a Inglaterra] como o jogo da vida, ainda que seja um importantíssimo”, disse Dorival em entrevista coletiva na sede da CBF logo após a primeira convocação. Vale lembrar que o Brasil foi eliminado por seleções europeias (França, Holanda, Alemanha, Bélgica e Croácia) nas últimas cinco Copas.
O técnico de 61 anos se notabilizou por apagar incêndios ao longo da carreira e, para espantar a crise nacional, optou por manter parte da base de convocações passadas, acrescentando alguns nomes de seu interesse e/ou confiança. No primeiro grupo estão Ederson, Marquinhos, Casemiro e Vi – ni Jr., que seguem como a espinha-dorsal. No segundo, aparecem oito caras novas: o goleiro Rafael, o zagueiro Beraldo e o volante Pablo Maia, todos colegas da época de São Paulo, o goleiro Léo Jardim (Vasco), mais os zagueiros Murilo (Palmeiras) e Fabrício Bruno (Flamengo) e os atacantes Savinho (Girona) e Galeno (Porto). “Nenhuma reformulação pode ser feita de maneira radical. A mudança contínua deve ser pautada no reconhecimento ao que esses atletas vêm fazendo para merecer estar na seleção”, argumentou.
Dorival não era o preferido da CBF para guiar o time canarinho rumo ao Mundial que será disputado nos Estados Unidos, no Canadá e no México, mas foi a solução viável diante do caos institucional em que a própria confederação se meteu. Logo após retornar à presidência, desmoralizado e sem poder se escorar no sonho de trazer o técnico italiano Carlo Ancelotti, que recém havia renovado contrato com o Real Madrid, Ednaldo Rodrigues viu em Dorival um bom escudo. Respaldado pelo bicampeonato da Copa do Brasil (2022 e 2023) com Flamengo e São Paulo, mais o título da Libertadores (2022) com o rubro-negro, e benquisto por torcida e opinião pública por sua postura serena, ele aceitou de bate-pronto o convite, uma espécie de consagração da carreira. Ficou bom para todo mundo, menos para Fernando Diniz, que esperava ser efetivado, e para o São Paulo, que ainda perdeu mais quatro profissionais de comissão técnica.
Ao anunciar sua primeira lista, o treinador pediu um voto de confiança ao torcedor e não economizou em suas ambições. “Não podemos deixar que esses resultados perdurem. Penso na Copa do Mundo daqui a dois anos e meio. Podem ter certeza de que nós teremos resultados que, de repente, possam surpreender. Acreditem, confiem no trabalho. Não tenho dúvida de que estaremos presentes numa decisão de Copa. Nosso trabalho será voltado para isso”, disse.
Ao contrário de Diniz, que trabalhou sem qualquer tipo de respaldo – e ainda se dividia no trabalho com o Fluminense –, Dorival está devidamente blindado na CBF após as contratações do coordenador técnico Juan, ex-zagueiro que disputou as Copas de 2006 e 2010, e especialmente do coordenador executivo, Rodrigo Caetano. O ex-dirigente do Atlético-MG pediu a palavra para responder às questões mais espinhosas na coletiva e prometeu organizar a bagunça na entidade. Ainda assim, a única certeza no momento é que Dorival não terá vida fácil.
Dorival conta com Neymar
Gostem seus críticos ou não, Neymar segue como o principal nome da seleção brasileira. Dorival Júnior sabe disso e nem tenta esconder. Mas isso é preocupação para depois. Aos 32 anos, o camisa 10 vive mais um calvário, recuperando-se de uma cirurgia para reconstrução do ligamento cruzado anterior e do menisco – e rebatendo os haters que caçoam de seus quilos a mais nas redes sociais. A grave lesão no joelho esquerdo sofrida na derrota para o Uruguai, em outubro passado, o manterá fora de ação por quase um ano, frustrando os planos do Al-Hilal. A equipe saudita desembolsou 90 milhões de euros (483,5 milhões de reais no valor da época) para tirá-lo do PSG – ao todo, serão 320 milhões de euros (1,7 bilhão de reais) entre salários, luvas, patrocínios, por dois anos de contrato – e só assistiu a um gol e duas assistências do brasileiro em cinco jogos. Menos mal que a equipe de Jorge Jesus lidera com certa folga a liga local.
Só um milagre da medicina poderia levar Neymar à Copa América em junho. A previsão do médico da seleção, Rodrigo Lasmar, é que ele esteja de volta em agosto, depois de trabalhos diuturnos de fisioterapia e sessões extras na academia para fortalecimento da região operada. Dorival é cauteloso, mas faz questão de manter sua estrela motivada. “O Ney também está sendo monitorado. Podem ter certeza disso. Ele está tentando acelerar esse processo e temos que respeitar os protocolos de uma lesão bem complicada, mas sabemos de sua importância”, reiterou o treinador após a convocação. Antes, em entrevista à TNT Sports, havia dito que Neymar precisaria estar “seguro, tranquilo, equilibrado e principalmente focado”, para voltar a vestir a amarelinha. Os dois trabalharam juntos no início de carreira do atacante no Santos. Curiosamente, o treinador acabou demitido do Peixe por um desentendimento com o então prodígio. Eles garantem que o tema já foi resolvido há muito tempo, sem ressentimentos. A julgar pelas recentes declarações, ambos aguardam ansiosos pelo reencontro.
Acertos e polêmicas segundo especialistas
“Dorival fez o que todo o treinador que chega para um ciclo novo deveria fazer: mudar em peças periféricas e manter uma base. Causa um impacto ao chamar o Rafael, que está atrás de Bento e Ederson, e Pablo Maia, que também deve ser preparado para a Copa do Mundo. A volta do Paquetá é fundamental para o setor criativo e o Richarlison, mesmo com essa questão da lesão, é importante. Foi uma convocação muito inteligente.” (André Hernan, Cazé TV)
“Não tem como ser unanimidade, mas, de maneira geral, gostei. Torço o nariz para apenas quatro convocados: Rafael, Casemiro, Raphinha e Richarlison. Gostei de Beraldo, Ayrton Lucas, Pablo Maia e principalmente do João Gomes, mas acho que faltaram Erick (Athletico) e Zé Raphael (Palmeiras). Minha expectativa é das melhores, pois Dorival privilegia o futebol ofensivo e sabe compactar suas equipes. Além disso, não é sacana, joga aberto com os jogadores e não privilegia fulano, sicrano ou beltrano.” (Fábio Sormani, PLACAR TV)
“Gostei da convocação, principalmente das novidades. Acho que se iniciou um processo de mudança de verdade com Pablo Maia, Wendell, Murilo, Andreas Pereira e com o Rafael também. Mas esperava que Murillo, ex-Corinthians, e Vitor Roque também estivessem na lista. Acho que em breve Marquinhos e Casemiro também deveriam deixar a seleção. Mas, de modo geral, gostei muito.” (Walter Casagrande, TV Record e UOL)
“A lista é boa e coerente, abre leques interessantes, mas tem alguns nomes questionáveis, como Rafael e o Ayrton Lucas, que é bom atacando, mas frágil defensivamente. Via Carlos Augusto, Samuel Lino e Piton à frente. Senti falta de Murillo e Vitor Roque. Não levaria o Casemiro, pois o Brasil precisa olhar mais à frente. Destaco a volta do Paquetá, que era obrigatória pela temporada que faz, e o reconhecimento a quem está voando, casos de Douglas Luiz, Andreas Pereira, Savinho, Wendell.” (Vitor Sergio Rodrigues, TNT Sports)
“Achei de razoável para boa, sem nada de extraordinário, dou nota 7. Não vejo Rafael como um goleiro de seleção. Tem muito volante para pouco meia de criação, talvez tenha faltado um Raphael Veiga ou um Alan Patrick, e também o Pedro no ataque. Mas não vejo nenhuma ausência que cause grande clamor. Não sei se dá para vencer os amistosos com tão pouco tempo de trabalho, mas espero atuações melhores do que foi com o Diniz.” (Leandro Quesada, PLACAR TV e Rádio Bandeirantes)
“A primeira convocação não me surpreendeu em nada. Tem a tentativa de renovação, como o nome do Savinho, mas também a presença marcante de nomes da era Tite: Marquinhos, Casemiro, que sinceramente poderiam tranquilamente ficar fora nesse processo. Por fim, não me surpreende também que Dorival pense a seleção nesse primeiro momento como um ambiente onde ele precise de jogadores que confie como Rafael e Pablo Maia, a questão é pensar porque um treinador com nível de seleção brasileira precisa ainda dessa leitura de ambiente. Achei uma lista com a cara do atual momento da seleção brasileira masculina.” (Ana Thaís Matos, comentarista Globo e Sportv)
“De cara, achei a lista mais são-paulina do que eu esperava. Rafael e Pablo Maia, por exemplo, não passavam pela minha cabeça. Mas é algo normal: técnicos geralmente confiam em jogadores com quem eles já trabalharam mais recentemente, principalmente nas primeiras convocações. Pro meu gosto, só faltou o Vítor Roque. Pra mim, ele é o futuro, ao lado de Vinicius Junior, Rodrygo e Endrick, já tem que estar em qualquer convocação.” (Celso Unzelte, jornalista e pesquisador esportivo)
As caras novas na seleção brasileira
Rafael
Goleiro | São Paulo | 34 anos | 1,92 m | canhoto
A convocação de Rafael foi facilitada por dois fatores: o ótimo trabalho desenvolvido com Dorival no São Paulo e a lesão de Alisson (Liverpool), titular nas duas últimas Copas. O já experiente goleiro começou a carreira no Cruzeiro e também passou pelo rival Atlético-MG. No Tricolor, mostrou segurança com a bola nos pés ou embaixo das traves, não foi vazado em 32 de 66 partidas disputadas e terminou como campeão da Copa do Brasil.
Léo Jardim
Goleiro | Vasco | 28 anos | 1,84 m | destro
Natural de Ribeirão Preto (SP) e formado nas divisões de base do Olé Brasil e do Grêmio, o hoje goleiro do Vasco iniciou a carreira profissional em Porto Alegre e de lá seguiu para Portugal antes de rodar a Europa. Léo Jardim tem passagem pela seleção brasileira sub-20.
Beraldo
Zagueiro | PSG | 20 anos | 1,86 m | canhoto
Conhecido de Dorival ainda dos tempos de São Paulo, Beraldo foi o ponto alto da defesa que terminou com o título da Copa do Brasil. Conhecido pela habilidade digna de um meio-campista para sair jogando, transferiu-se para o PSG no início do ano e, de cara, foi campeão da Supercopa da França. O entrosamento crescente com Marquinhos, titular no clube e na seleção, pesa em favor do jogador para uma revitalização do setor defensivo.
Murilo
Zagueiro | Palmeiras | 26 anos | 1,88 m | destro
Conhecido das seleções brasileiras de base, chegou à adulta com títulos no currículo. Revelado pelas categorias de base do Cruzeiro, fez boas temporadas pela Raposa e foi vendido ao Lokomotiv Moscou. De volta ao país, mais forte e consciente taticamente, firmou-se como titular da defesa do Palmeiras, ao lado de Gustavo Gómez. No Verdão, conquistou o bi paulista e brasileiro (2022 e 2023). Venceu a concorrência do quase xará, Murillo, do Nottingham Forest.
Fabrício Bruno
Zagueiro | Flamengo | 28 anos | 1,92 m | destro
Fabrício Bruno chegou ao Flamengo em 2022 e não demorou muito para virar titular do time. Antes, o zagueiro revelado pelo Cruzeiro, havia defendido a Chapecoense e o Red Bull Bragantino também em duas temporadas.
Pablo Maia
Volante | São Paulo | 22 anos | 1,78 m | destro
Não seria exagero dizer que Pablo Maia chega como um dos queridinhos de Dorival. Cria de Cotia, aonde chegou com 11 anos, o volante do São Paulo logo virou o dono do meio-campo da equipe campeã da Copa do Brasil 2023. A solidez defensiva, aliada ao passe preciso na saída de bola, despertou a atenção de clubes europeus. A liderança dentro de campo – não raro exerceu a função de capitão – também é um dos elementos que o aproximam do titular Casemiro.
Savinho
Atacante | Girona | 19 anos | 1,76 m | canhoto
O habilidoso atacante é um dos protagonistas da sensação da La Liga, o modesto Girona, que briga por vaga direta na próxima Champions. Cria do Atlético-MG, Savinho passou pelo PSV, da Holanda, antes de mostrar seu melhor futebol na Espanha. Com imensa capacidade de gerar passes para gol, é observado por gigantes do continente. Com convocações por seleções de base, chegou à equipe adulta em posição bastante concorrida.
Galeno
Atacante | Porto | 26 anos | 1,79 m | destro
Antes mesmo de ser convocado, Galeno foi alvo de uma polêmica. O jogador estaria na mira da seleção portuguesa, mas preferiu atuar pela brasileira. Atualmente, é um dos destaques do Porto na Champions League.
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