Herói da Inter, Acerbi venceu câncer, depressão e alcoolismo
Aos 37 anos, zagueiro responsável por manter os italianos vivos na semifinal da Champions tem história de superação

O placar era de 3 a 2 para o Barcelona. Faltava pouco para o árbitro Szymon Marciniak apitar o final de jogo, até que Francesco Acerbi largou a defesa, disputou um lançamento no alto e se posicionou como um centroavante, para aproveitar cruzamento de Denzel Dumfries e empatar para a Inter de Milão.
O gol do zagueiro deixou tudo igual e levou a decisão da semifinal da Champions League para a prorrogação. E após abrir 2 a 0, sofrer a virada no segundo tempo e se manter vivo nos acréscimos, os Nerazzurri retomaram a frente no tempo extra, com David Frattesi, para conquistarem a vaga na final.
O roteiro dramático poderia muito bem ser interpretado pelo tenor Andrea Bocelli, no Teatro alla Scala, uma das mais famosas casas de ópera do mundo. Mas teve seu ato final protagonizado em um San Siro enlouquecido, a cerca de 6 quilômetros do tradicional ponto turístico milanês.

Heróis, claro, foram muitos. Todavia, um bom holofote pode ser reservado para Acerbi, que, aos 37 anos, alcançou o momento de maior glória de uma carreira marcada por superação.
O início de Acerbi
Natural de Vizzolo Predabissi, pequena comuna na Lombardia, a 20 quilômetros de Milão, o zagueiro não teve um início em grandes centros. Foi formado e estreou profissionalmente pelo Pavia, clube da região, que estava na terceira divisão nacional.
Francesco, porém, demorou a engrenar na carreira e viveu sua primeira grande fase apenas na temporada 2011/12. Defendendo o Chievo, estreou na Série A da Itália e, aos 24 anos, foi convocado pela primeira vez para a seleção italiana.
As atuações chamaram a atenção do Milan, que contratou o atleta em junho de 2012. A passagem foi curta, mas deu início ao momento mais conturbado da vida e da carreira do defensor.
Alcoolismo e depressão
Enquanto atuava pelo lado vermelho e preto de Milão, Acerbi conviveu com a dor da morte de seu pai. Conforme relatou em entrevista ao La Repubblica, em 2019, esse foi o seu pior momento.
“Depois que meu pai morreu, quando eu jogava pelo Milan, cheguei ao fundo do poço. Era como se eu tivesse esquecido como jogar, ou o porquê de estar jogando. Comecei a beber e, acredite, eu bebia qualquer coisa”, relatou.
O zagueiro, enquanto lidava com problemas psicológicos, seguiu atuando, mas sem se firmar. Em uma dessas mudanças de clube, quando chegou ao Sassuolo, na metade de 2013, descobriu um câncer no testículo durante os exames de pré-temporada.
Câncer de testículo

Acerbi fez uma cirurgia para a remoção e voltou aos gramados. Porém, em dezembro daquele ano, um exame antidoping detectou o hormônio Gonadotrofina no atleta, o que culminou em punição preventiva do Comitê Olímpico Nacional Italiano (Coni).
No entanto, após novos exames, foi descoberto que o que produzia a substância era um novo tumor. Enfrentando a mesma doença no mesmo lugar do corpo, ele precisou passar por tratamento intensivo até a erradicação do câncer.
Em 2019, na entrevista ao jornal italiano, contou sobre o drama: “Fiz quimioterapia de 7 de janeiro de 2014 a 14 de março. Foi como entrar em um mundo paralelo, cuja entrada é mais próxima do que você imagina, então você nunca mais sai dele. Mas parei de ter medo, porque se a doença voltasse ia enfrentar de novo.”
E concluiu, traçando o período como essencial para sua recuperação do alcoolismo e depressão, que o acometeram após morte de seu pai. “Pode parecer um paradoxo terrível, mas o câncer me salvou (dos vícios). Eu tinha algo novo para lutar, um limite para superar. Era como se eu pudesse recomeçar e enxergar o mundo de forma que havia me esquecido. Também continuo a trabalhar com o psicanalista que acompanho há anos.”
Consolidação na carreira
Recuperado das doenças, se firmou com a camisa do Sassuolo. Em 2018, foi contratado pela Lazio, onde deu um salto na carreira e passou a receber chances frequentes na seleção italiana, com direito a convocação e três jogos na campanha do título da Eurocopa de 2021.
Em 2022, após uma temporada conturbada na equipe da capital e problemas com Maurizio Sarri, chegou à Inter de Milão. A ida ao gigante italiano também marcou o reencontro entre o zagueiro e Simone Inzaghi, treinador com quem brilhou em títulos importantes na Lazio.

Nesta temporada, ficou impossibilitado de atuar em 18 partidas por problemas físicos. Porém, aos 37, com confiança do técnico, assumiu a titularidade dos Nerazzurri na reta final de temporada.
Agora, após superar muitos desafios durante a carreira, Francesco Acerbi tem a chance de conquistar a Europa também no futebol de clubes. E se em 2023, contra o Manchester City, ele e a Inter ficaram no quase, a ideia é derrotar mais um fantasma.
Acusação de racismo
Em março de 2024, o defensor foi acusado de racismo por Juan Jesus, do Napoli. O incidente teria ocorrido em confronto pelo Campeonato Italiano e foi denunciado pelo zagueiro brasileiro ao árbitro da partida.
Após o jogo, Juan Jesus se posicionou nas redes sociais, relatando sua versão e contestando defesa do italiano: “Não vai ficar assim. O racismo está sendo combatido aqui e agora. Acerbi disse-me ‘vai embora negro, você é apenas um negro’. Após o meu protesto com o árbitro, admitiu que estava errado e pediu desculpas e depois acrescentou: ‘para mim o negro é um insulto como qualquer outro’. Hoje ele mudou sua versão e afirma que não houve insulto racista. Não tenho nada a acrescentar”
Acerbi foi desconvocado da seleção italiana pelo treinador Luciano Spaletti. No entanto, uma semana depois, a Federação Italiana de Futebol (FIGC) absolveu o jogador da Inter, alegando falta de provas.