Publicidade
Publicidade

Na era do carro flex, país sofre descompasso energético

Falta de refinarias faz com que Brasil importe cada vez mais combustíveis

A Petrobras, que detém a maioria das refinarias no Brasil, anunciou investimentos de 236,5 bilhões de dólares para os próximos cinco anos. Cerca de 60% deles destinam-se à exploração e produção de petróleo. O refino receberá 27%

Álcool ou gasolina? A frase que você ouve ao abastecer o carro embute muito mais do que a decisão de optar por um combustível. A pergunta sintetiza uma situação que se inicia com a falta de planejamento – público e privado -, passa por poucos investimentos em infraestrutura e políticas públicas conflitantes, e desemboca em prejuízos para a maior estatal brasileira, a Petrobras, além de descontentamento do setor sucroalcooleiro. Faltam refinarias. Com isso, o Brasil vive um descompasso energético. Projeta um aumento na exploração petrolífera para os próximos anos (veja quadro abaixo), mas não há sinais de que terá condições de transformá-lo em combustíveis. “A última grande refinaria que a Petrobras fez no Brasil foi na década de 1970, em Paulínia, em São Paulo. A capacidade instalada de refino no Brasil não foi suficiente para atender a atual explosão de consumo”, diz Adriano Pires, diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE). A estatal admite a falta de refinarias, mas diz que a última construção no país ocorreu na década de 1980, a Revap, em São José dos Campos. A consequência é o aumento crescente das importações de diesel, gasolina e, desde 2010, também de etanol, para atender uma frota automotiva em expansão. Em janeiro deste ano, foram fabricados 46.200 carros. Em julho, saíram das montadoras 2,45 milhões de unidades, segundo o Departamento Nacional de Trânsito.

Publicidade

Leia também:

Por que os carros são tão caros no Brasil?

Segurança nos carros: o Brasil ainda está na rabeira

Celular, o campeão da distração ao volante

Toyota Prius: bom para o ar, melhor ainda para a imagem

Continua após a publicidade

Infraestrutura insuficiente e mais carros na rua obrigam o país a importar combustíveis em números cada vez maiores. Em 2000, ingressaram aqui 36,4 bilhões de litros de diesel e 382 milhões de litros de gasolina tipo A (sem adição de álcool). No ano passado, o Brasil comprou respectivamente 58,7 bilhões de litros e 13,7 bilhões, respectivamente. No primeiro semestre deste ano, já importamos 30 bilhões de litros de diesel e 13,4 bilhões de litros de gasolina. Importações elevadas, gastos crescentes. Em 2000, a compra de diesel somou 1,25 bilhão de dólares. Com gasolina, outros 12 milhões de dólares. No ano passado, ficaram respectivamente em 7,4 bilhões e 1,6 bilhão de dólares. De janeiro a julho deste ano, as compras já batem os 4 bilhões de litros de diesel e 1,7 bilhão de gasolina. Com o aumento das importações, a Petrobras registrou prejuízo de 1,35 bilhão no segundo trimestre deste ano, pior resultado desde 1999. “Outro fator que explica o aumento das importações é que, a partir do final de 2011, o governo federal manda reduzir a mistura de etanol anidro na gasolina. Até aquela data, a mistura de álcool na gasolina era de 25%. Atualmente, é de 20%. Ou seja, estamos utilizando mais gasolina para uma demanda que não para de crescer”, conta Pires. Justamente para tentar vencer esse gargalo, a Petrobras, que detém a maioria das refinarias no Brasil, anunciou investimentos de 236,5 bilhões de dólares para os próximos cinco anos. Cerca de 60% deles destinam-se à exploração e produção de petróleo. O refino receberá 27%. O restante ficará com o setor de gás e energia.

O setor sucroalcooleiro também passa por dificuldades. O presidente interino da União da Indústria da Cana-de-Açúcar, Antonio de Padua Rodrigues, admite que houve queda na oferta de álcool hidratado no país por falta de cana-de-açúcar. “Isso aconteceu por conta da crise financeira mundial de 2008, problemas climáticos e falta de crédito para renovar o canavial. A produtividade agrícola caiu a níveis inferiores aos de vinte anos atrás. Existe hoje uma capacidade instalada muito maior do que a oferta de cana”. Segundo ele, entre 2004 e 2008, houve a implantação de 120 usinas de cana-de-açúcar no Brasil. Em 2009, mais trinta. “Neste ano serão duas ou três.” Enquanto o setor tenta se reorganizar, vê a importação de etanol crescer. Passou de 75 milhões de litros em 2010 para 1,1 bilhão de litros no ano passado. Padua diz que falta clareza por parte do governo federal de qual é o papel do etanol na matriz energética nacional. “Tem de haver uma política de longo prazo que defina essa regra do jogo, que defina a participação do etanol na matriz de combustível e que assegure a rentabilidade para o produtor, independente da política de preço que o governo queira fazer para gasolina. O governo tem todo o direito de fazer a política, mas isso não pode interferir na rentabilidade de quem vai produzir o etanol, que é o produto substituto da gasolina.” Questionado a respeito, oo Ministério de Minas e Energia não respondeu.

Publicidade

Leia também:

Leia também: Todas as novidades do Salão do Automóvel de São Paulo

A pedido de VEJA, o CBIE desenvolveu um estudo para projetar o cenário energético até 2020. Os números são desanimadores (leia mais abaixo). A produção de petróleo crescerá, mas a capacidade nacional de refino de gasolina ficará estagnada já este ano. No caso do diesel, o limite será atingido em 2016. O consumo de ambos manterá a tendência de alta. Ainda segundo o levantamento, os gastos com importação desses dois produtos crescerão até 2015, sofrerão queda em 2016 – justamente pela entrada em funcionamento das refinarias construídas com os novos investimentos – mas retomam o ritmo de alta, chegando a 42,6 bilhões de dólares em 2020. No caso da gasolina, uma das saídas para diminuir as importações é aumentar o porcentual de adição de álcool anidro dos atuais 20% para 25%. O MME não esclareceu se o governo estuda mudanças na adição de álcool na gasolina. O levantamento mostra que, caso a atual percentagem se mantenha até 2020, o déficit médio anual será de 2 bilhões de dólares.

Eletricidade, a estrela do futuro

Preste bem atenção na tomada da sua casa. Ali está a fonte necessária para o combustível alternativo do futuro. É o que aponta o relatório Global Energy Assessment (Avaliação Global de Energia) lançado em outubro pelo International Institute for Applied Systems Analysis (IIAI), entidade austríaca que reúne cientistas do mundo todo na busca de soluções para as alterações climáticas. O estudo, que durou três anos, é uma espécie de Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, mas voltado à energia. Trata-se de um desdobramento da Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável realizada na capital fluminense em junho desde ano. “A tendência é a eletrificação no setor automotivo, sobretudo particular. É a tendência mais racional. O motor de combustão interna é extremamente deficiente porque há muita perda de calor, logo, muita perda de energia”, explica Suzana Kahn, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro e coordenadora do capítulo sobre transporte do relatório. “Já existem carros movidos somente à energia elétrica no Japão, Europa e nos EUA”.

Aqui no Brasil essa realidade ainda está distante. Mas existem empresas que buscam novas formas de combustíveis. Uma delas é a norte-americana Amyres, que produz o diesel de cana-de-açúcar. “Ele tem rendimento igual ou um pouco superior ao diesel de petróleo”, garante o Joel Velasco, vice-presidente de relações exteriores da empresa. “A marinha do EUA faz uso do nosso produto.” A tecnologia está sendo testada em duas capitais brasileiras. Em São Paulo, 300 ônibus urbanos circulam com adição de 10% de diesel “verde”. No Rio, utilizam 30%. “O consumo é idêntico ao do diesel convencional. Houve redução entre 10% e 30% de emissão de material particulado”, explica Adilson Liesbsch, diretor de combustíveis da Amyres. A empresa promove a construção de uma usina produtora de diesel de cana-de-açúcar no interior de São Paulo, cuja previsão para funcionamento é o início de 2013. “A capacidade máxima dela será de 50 milhões de litros por ano.”

Publicidade
Continua após a publicidade

Publicidade