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Mil dias após tragédia da Chapecoense, sobrevivente ainda luta por justiça

Leia o depoimento de Hélio Zampier Neto

Mais de 1 000 dias se passaram desde aquele 28 de novembro de 2016, em que uma sucessão de irresponsabilidades levou o avião da LaMia a chocar-se contra um morro próximo a Medellín, na Colômbia. Morreram na tragédia 71 pessoas, entre elas 43 colegas da Chapecoense, além de jornalistas, convidados do time de Santa Catarina e tripulantes da aeronave. Fui uma das seis pessoas que, milagrosamente, escaparam da queda com vida. De lá para cá, minha carreira continua interrompida e quase nada mudou em termos jurídicos. Recebi apenas 11% do valor do seguro ao qual tenho direito. Renovei meu contrato com o clube nos mesmos termos anteriores, pois entendi que, diante da situação dramática do meu empregador, não poderia exigir mais. Sigo realizando perícias para atestar os danos sofridos e, assim, poder lutar pelo que é meu de direito. Um mês atrás participei em Londres de uma manifestação, juntamente com viúvas de ex-colegas de Chape, em frente à sede da seguradora Tokio Marine Kiln e da corretora de seguros AON, as responsáveis por emitir a apólice de seguro que permitia a operação da LaMia. A companhia aérea quebrou — o piloto Miguel Quiroga, que morreu no acidente, era um dos sócios da empresa —, e não existe patrimônio para arcar com as indenizações. A verdade é que as seguradoras estão se lixando. Nosso intuito foi chamar a atenção da imprensa internacional, pois a maioria das pessoas só conhece o ocorrido de forma superficial. Atualmente há ações em curso em Chapecó, em Brasília, na Colômbia e nos Estados Unidos. São de natureza coletiva, mas respeitam as individualidades de cada pleito. Os cálculos de reparação são complexos e levam em consideração diversos fatores: a idade da vítima, o salário que recebia à época, a projeção dos ganhos futuros na carreira, a idade dos filhos. Pelas nossas contas, as indenizações deveriam estar entre 8 milhões e 16 milhões de reais para cada família. A seguradora ofereceu menos de 1 milhão, numa armadilha disfarçada de doação, algo sujo e desumano.

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Se o afeto do povo em todo o planeta, sobretudo na Colômbia, me tocou muito, a injustiça também me deixou marcas profundas. Dói no corpo e na alma. Não temos ajuda de nenhuma entidade do futebol. Nem da Fifa nem da CBF. A Chapecoense nos auxilia como pode e assumiu sua responsabilidade, tanto que fechou um acordo com 92% das famílias. O clube cresceu em visibilidade, porém é inegável que houve, ainda que sem má intenção, uma certa “empolgação”. Nos últimos três anos, foram várias as mudanças de elenco, de treinadores e mesmo de dirigentes. Mais cedo ou mais tarde, a conta chega. O clube foi longe, firmou-se na Série A do Campeonato Brasileiro, bateu de frente com grandes do continente, com uma mentalidade mais “pé no chão”. As atuais dificuldades estão estourando dentro de campo. Mas o grupo é qualificado, e vai lutar até o fim para escapar do rebaixamento.

Aos 34 anos, mantenho alguma esperança de voltar a jogar. No entanto, tenho consciência de que jamais serei o mesmo zagueiro. O máximo que consegui atuar desde o acidente foram trinta minutos em um jogo-treino. Para ser sincero, penso em retornar para, em seguida, encerrar minha carreira. Depois disso, buscarei algo novo. Não me vejo trabalhando no futebol no futuro, pois, embora ele seja muito gostoso para quem torce ou para quem joga, não concordo com muito do que acontece nos bastidores. Estou estudando teologia para, talvez um dia, me tornar pastor evangélico. Quero falar sobre Deus com simplicidade e humildade. E não desistirei da luta por justiça. Em nome dos meus colegas que se foram, nos quais penso constantemente, seguirei firme.

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Depoimento dado a Luiz Felipe Castro

Publicado em VEJA de 30 de outubro de 2019, edição nº 2658

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