Corinthians adota causa certa, mas erra no tom e no timing
A transformação da Libertadores numa competição mais segura e organizada é indispensável. Mas isso não vai acontecer apenas com as bravatas dos cartolas
“Não existe aeroporto a menos de 200 quilômetros do centro de Oruro. Tivemos que pegar um avião fretado até um aeroporto com palafita, esgoto a céu aberto, cachorro atravessando a pista. Paciência, todos viram o que aconteceu”, disse Roberto de Andrade, que não explicou qual é a relação entre o aeroporto ruim e a morte de Kevin Estrada
Na noite de terça-feira, antes mesmo que a tragédia de Oruro completasse uma semana, a Copa Libertadores de 2013 quase registrou mais um desastre. Torcedores do Peñarol, do Uruguai, e do Vélez, da Argentina, travaram uma verdadeira batalha nas arquibancadas do Estádio Centenário, em Montevidéu. O local, de enorme importância histórica para o futebol (foi palco da final da primeira Copa do Mundo, em 1930), ficou bastante danificado. Pedras e garrafas foram arremessadas, cadeiras foram quebradas, vidros dos camarotes foram destruídos. Sete pessoas ficaram feridas e duas foram presas por envolvimento na briga. Horas antes, em São Paulo, a diretoria do Corinthians, atual campeão da competição e segundo clube mais popular do país, anunciava uma mudança de postura em relação à sua participação no torneio. De acordo com os cartolas, a instituição pretende combater os problemas do torneio, principalmente no que se refere à segurança. “Vamos ficar de olho”, avisou Roberto de Andrade, diretor de futebol corintiano, prometendo denunciar qualquer irregularidade observada pela delegação do clube nas partidas da competição – e ameaçando até abandonar as partidas em que ocorrer alguma falha de segurança. “A partir de agora o Corinthians trará tudo que estiver errado à tona. Se for preciso parar o jogo porque algo está descumprindo o regulamento, vamos parar.”
Leia também:
Na Bolívia, a confissão do menor corintiano não convence
‘Minha vida acabou’, diz menor que assumirá disparo na Bolívia
Corinthians contesta punição e aposta em Pacaembu cheio
Responsabilidade – De acordo com Roberto de Andrade, a pena imposta ao Corinthians pela morte do torcedor boliviano Kevin Espada é injusta porque o clube não pode ser responsabilizado pelo ocorrido. O cartola lembrou, com razão, que o San José também deveria ser punido com a interdição do estádio em Oruro, já que o uso de sinalizadores não foi coibido no local e a revista feita pela polícia nos portões foi falha. O regulamento deixa claro, porém, que o clube está sujeito a ser punido caso sua torcida provoque alguma tragédia – e não existe dúvida alguma de que o sinalizador foi disparado por um brasileiro (seja ele o menor que confessou, seja um dos doze detidos na Bolívia). Ainda assim, os integrantes da cúpula corintiana decidiram partir para o ataque, voltando suas baterias tanto para a Conmebol como para os outros clubes. “Quem faz o evento tem que assumir a responsabilidade por ele. Não adianta sair punindo os outros”, discursou Andrade, atacando a confederação. “Ela era a responsável pelo evento. O Corinthians era visitante. Onde você joga na América do Sul que tem segurança? Não existe”, completou, prometendo encaminhar à entidade imagens de várias partidas em que foram usados sinalizadores no torneio. Um dos jogos citados por Andrade foi Atlético-MG x São Paulo, em Belo Horizonte (que transcorreu sem problemas). Foi outro tropeço dos cartolas: ao invés de angariar o apoio dos outros dirigentes brasileiros, algo indispensável para que a iniciativa do clube tenha sucesso, o Corinthians exibiu um vídeo para mostrar que os torcedores de outros times do país também acenderam sinalizadores.
Acompanhe VEJA Esporte no Facebook
“Não estou peitando ninguém nem desafiando ninguém. Só estou cobrando que o regulamento seja cumprido. Se existe para um, existe para todos”, insistiu Andrade. No pior momento de seu pronunciamento, o cartola causou espanto entre os jornalistas ao deixar de lado a discussão sobre a violência para se queixar da pobreza da cidade boliviana onde aconteceu a tragédia. “Se levar o regulamento ao pé da letra, não teríamos nem jogado em Oruro. Não existe aeroporto a menos de 200 quilômetros do centro da cidade”, disse, em referência a um item exigido dos times participantes. “Tivemos que pegar um avião fretado até um aeroporto com palafita, esgoto a céu aberto, cachorro atravessando a pista. Paciência, todos viram o que aconteceu.” O cartola não explicou qual é a relação entre o que aconteceu no estádio e o fato de Oruro ter um aeroporto ruim. Roberto de Andrade reconheceu que “talvez se o Corinthians não tivesse sido punido, não estaria ali” reclamando dos problemas da Libertadores. Ele negou, porém, que as perdas financeiras com o fechamento dos portões nos jogos em São Paulo sejam o motivo da revolta. “Estamos preocupados com o problema da segurança de todos os clubes, não só do nosso. As pessoas têm que parar de se esconder. Cada um que assuma sua responsabilidade.” De novo, uma posição correta – desde que a instituição fizesse sua parte e parasse de auxiliar torcedores que têm envolvimento comprovado em casos graves de violência.
(Com Estadão Conteúdo e agência Gazeta Press)