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Pelé e Garrincha: o reencontro da dupla imbatível em 1982

Há 41 anos, PLACAR reunia no Rio de Janeiro o Rei e o gênio das pernas tortas; papo de duas horas teve direito a música e lembranças emocionadas

PLACAR celebra neste mês, em sua histórica edição 1500, a arte dos reencontros. Na capa, duas lendas do Palmeiras: Ademir da Guia, de 81 anos, o maior dos ídolos alviverdes, e Dudu, 31, o craque da chamada “Terceira Academia”. Impossível seria, portanto, esquecermos do genial reencontro da dupla Pelé e Garrincha, ou dos senhores Edson Arantes do Nascimento e Manoel Francisco dos Santos, na edição 652, publicada em 19 de novembro de 1982.

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Quatro meses após a Tragédia do Sarriá, como ficou eternizada a derrota do time de Zico, Falcão, Sócrates e cia. para a Itália na Copa da Espanha, era preciso o remédio, uma espécie de antibiótico: um bate-papo inesquecível entre as lendas.

A reportagem é assinada por Lemyr Martins e Hideki Takizawa. Por mais de duas horas, como nos bons tempos quando encatavam nos gramados, a dupla trocou abraços apertados, vestiu camisas históricas, cantou e exalou admiração mútua. Escaldados pelo sol de Copacabana, no Rio de Janeiro, não faltaram lembranças emocionadas.

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Confira a reportagem na íntegra:

A NOSSA DUPLA IMBATÍVEL

No início dos anos 1980, PLACAR levou Pelé ao encontro de um de seus maiores ídolos no futebol, o ponta Garrincha, seu parceiro nas Copas de 1958, 1962 e 1966. A papo de duas horas teve direito a música e lembranças emocionadas

Lemyr Martins e Hideki Takizawa

Foi um reencontro histórico. Frente a frente, ninguém menos que Pelé e Mané Garrincha – os dois maiores craques do futebol brasileiro em todos os tempos. Foi um reencontro comovente. Quando se viu diante de Mané, Pelé abriu um sorriso largo, estendeu os braços musculosos e enlaçou seu velho ídolo num abraço apertado, longo e emocionado.

Com a palavra, os senhores Edson Arantes do Nascimento e Manoel Francisco dos Santos. Ou o histórico e comovente reencontro de Pelé e Mané Garrincha.

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Pelé – E a bola de hoje, Mané? Tá pequenininha, né? Cada vez mais sinto saudades de você, daqueles dribles, do povo nos estádios que vibrava com tuas entortadas nos “Joões”.

Garrincha – Olha, crioulo, eu sou instrutor da Legião Brasileira de Assistência e trabalho com 500 garotos, mas não aparece nenhum “tortinho” dispostos a brincar na ponta.

Pelé – Cada vez vejo menos habilidade no jogador brasileiro.

Capa da revista Placar, edição 652, 19 de novembro de 1982
Capa da revista Placar, edição 652, de 19 de novembro de 1982

Garrincha – A pelada está perdendo espaço, só tem garotos jogando em campos cercados. Cadê o moleque de pé no chão batendo bola em terra dura? O pior é que todo mundo põe a culpa na retranca, mas continua bolando esquemas cada vez mais fechados. Parece saudosismo, mas na Copa de 1958 também éramos muito marcados.

Pelé – Pois é, eu era um garoto de 17 anos, mas tinha gente boa fazendo a minha cabeça. Aliás, você lembra por que o Paulo Amaral (preparador físico) acabou com as corridas depois dos treinos?

Garrincha – Claro, o pessoal corria até o lago não para melhorar o preparo físico, mas para ver as garotas tomando banho nuas. Daí o Paulo Amaral proibiu a corrida e o remédio foi aturar você tocando violão.

Pelé – Tocar não é bem a palavra: eu batucava no violão.

Pelé tocando violão com Garrincha.
Pelé tocando violão com Garrincha

Garrincha – E já aprendeu? Lembro que o teu apelido era Nega Elisa, porque a gente te achava parecido com a torcedora símbolo do Corinthians.

Pelé – Tocar eu ainda não toco, mas componho mais ou menos.

Garrincha – Já ouvi o Jair Rodrigues cantando uma música tua. Pega o violão e mostra aí, que eu te acompanho no cavaquinho (e simula dedilhando um instrumento de brinquedo).

Pelé – Bons tempos…

Garrincha – Na Copa de 1962 foi uma pena você ter se machucado. Eu dei sorte, fiz gols… Mas jamais vou esquecer da partida contra os russos em 1958.

Pelé – Foi a primeira partida que disputamos juntos. Era a estreia de nós dois na Copa e vencemos por 2 a 0, dois gols do Vavá. Você enlouqueceu os russos. Logo na primeira bola, entortou três. Dali em diante, só deu você.

Garrincha, com camisa do Botafogo, e Pelé, com camisa do Santos
Garrincha, com camisa do Botafogo, e Pelé, com a do Santos

Garrincha – Nunca te perguntaram se hoje conseguiríamos jogar da mesma maneira que jogávamos há dez, quinze anos?

Pelé – Me perguntam a toda hora.

Garrincha – Acho que não teria nenhuma diferença.

Pelé – Concordo. Você continuaria a entortar, deixando “Joões” pelo caminho e indo à linha de fundo para cruzar as bolas na cara do gol. Nosso futebol está precisando de um novo Garrincha, de outro “Alegria do Povo”.

Garrincha – (suspira, desvia o olhar, passa a mão no rosto e acende mais um dos 40 cigarros que fuma diariamente).

Pelé – E quantos filhos você tem, no total?

Garrincha – Estou com 13: dez meninas e três meninos. Mas estou partindo para o décimo-quarto.

Pelé – Você continua o mesmo…

Pelé e Garrincha: admiração mútua e saudade
Pelé e Garrincha: admiração mútua e saudade

Garrincha – Com 14 eu fecho a fábrica. Também já tenho sete netos. E você, ficou nos três?

Pelé – Sim: a Kelly Cristina, o Edinho e a Jennifer.

Garrincha – É, crioulo, nessa eu te dei de goleada.

Depois de duas horas emocionadas, o encontro chega ao fim. Garrincha levanta-se, bate no peito nu de Pelé, ajeita a calça em suas famosas pernas tornas e apaga o cigarro.

Pelé se emociona, abraça Garrincha, olha fixamente nos olhos daquele homem de 49 anos (28/10/1933) e acaricia seu rosto gordo, num gesto de sincera admiração. Subitamente, o Rei do Futebol, o tricampeão do mundo, o Atleta do Século é de novo uma criança magnetizada pela presença do velho ídolo. É apenas a Nega Elisa, o crioulinho que Garrincha mandara para o ataque aos berros.

E, sob o céu iluminado de Copacabana, fez-se então um momento de profundo silêncio, respeito e saudade.

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