Isabel, do vôlei, brilhou entre ídolos nacionais reunidos por PLACAR
Ícone das quadras e praias, que morreu nesta quarta aos 62 anos, posou ao lado de Hortência, William e Sócrates em edição especial de 1984
O esporte brasileiro perdeu nesta quarta-feira, 16, uma de suas maiores lendas: a ex-jogadora Maria Isabel Barroso Salgado, mais conhecida como “Isabel do vôlei“, morreu aos 62 anos, vítima de parada cardíaca, em decorrência da síndrome aguda respiratória do adulto, uma doença rara, após ter sido internada no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Por esta razão excepcional, o blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 52 anos de arquivos, decidiu antecipar em um dia a sua publicação, para prestar uma homenagem a Isabel.
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Em janeiro de 1984, ela estampou uma histórica capa da revista que reuniu os grandes ídolos do esporte daquela época. Ao lado dela, estavam William, também do vôlei, Hortência, do basquete, e Sócrates, meia do Corinthians e da seleção brasileira. “Nossos ídolos apostam em 1984”, era a chamada da reportagem especial, que tratava mais especificamente da aproximação dos Jogos Olímpicos de Los Angeles.
Na entrevista, Isabel, então atleta do Flamengo, já falava de seu objetivo de atuar fora do Brasil – ela se tornaria a primeira jogadora do país a ir para a Europa, pouco depois. Em sua carreira no esporte, a carioca fez história nas quadras e na areia. Participou das Olimpíadas de Moscou-1980 e Los Angeles-1984. Já em 1994, conquistou o título mundial de vôlei de praia, ao lado de Roseli Timm.
Isabel foi uma firme defensora da modalidade e também dos direitos das mulheres, e estava escalada pelo presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para integrar o governo de transição na pasta do esporte. Ela deixa cinco filhos, dentre eles, Maria Clara Salgado, Pedro Solberg e Carol Solberg, todos atletas bem-sucedidos no vôlei de praia.
Leia abaixo, na íntegra, a reportagem com texto de João Carlos Rodríguez e foto de Pedro Martinelli:
O FUTURO DOS NOSSOS ÍDOLOS
Tempos difíceis incentivam criatividade e o ano de 1984 promete exigir mais ainda do povo brasileiro. No esporte, com certeza, as possi- bilidades de novas conquistas vão depender muito da atuação e do esforço de nossos grandes ídolos. As cortadas certeiras e indefensáveis que fazem de Isabel, uma das maiores jogadoras do mundo e o refinado toque de bola de William, que divide com o soviético Zaitsev a condição de melhor levantador do planeta, por certo serão decisivos para nossas pretensões de uma medalha olímpica no vôlei. A primeira estrela do basquete, Hortência, também terá de treinar muito sua já santa mão, que garante uma média de 40 pontos por partida. Assim, nosso time feminino poderá conseguir uma das quatro vagas que restam, entre as 21 Seleções que disputarão o pré-olímpico — e chegar, em julho, a Los Angeles.
Sócrates, por sua vez, completará 30 anos em fevereiro. Estará, portanto, em sua plena maturidade de craque. Sua influência no futebol já mostra que o toque de calcanhar é apenas um detalhe de uma genialidade que, por sinal, extrapola os limites do campo. Seleção Brasileira e Corinthians poderão tê-lo durante todo o ano, pois Sócrates já se manifestou quanto aos convites que recebeu do exterior: “Não saio do Brasil e nem do Corinthians”, garante o Magrão, melhor jogador do país desde que seus diretos concorrentes, Falcão e Zico, foram digladiar-se no futebol italiano.
As conquistas passadas, em todo caso, foram postas de lado. À ânsia de viver o momento presente faz com que os desafios futuros tenham sempre o sabor de uma mova emoção.
“Quero conquistar uma medalha olímpica”, confessa, determinado, William Carvalho da Silva. Aos 29 anos — (611/1954), — William completará — agora sua 12.º temporada na Seleção. Apesar de ter vivido intensamente a conquista do título nos Jogos Pan-Americanos, no ano passado, a imagem da qual ele tem mais saudades é a de brasileiros e soviéticos, — juntos, enxugando a quadra armada no Maracanã, em julho último, para que as Seleções dos dois países pudessem jogar. “Vencemos, mas o que ficou foi a sensação de como o esporte é maravilhoso”, dimensiona o capitão William.
Mas ele também revela que, em seu projeto para 1984, figuram o nascimento do primeiro filho e talvez uma transferência para o exterior. “Não é que
não esteja contente em meu clube, a Pirelli, mas a transferência poderia me trazer inúmeros benefícios”, raciocina. “Mas só vou depois das Olimpíadas”, garante. “Eu, não. Se der, vou antes e volto para representar o Brasil”, pretende Hortência de Fátima Marcari, cestinha brasileira de ilimitados recursos técnicos. Convites de diversos países não lhe faltam e só a muito custo os dirigentes de seu clube, a Prudentina, da cidade paulista de Presidente Prudente, conseguiram que ela permanecesse em São Paulo. Natural de uma cidade do noroeste de São Paulo, a pequena Potirendaba, Hortência é antes de tudo uma mulher sincera. Com a voz carregada de sotaque interiorano, não vacila em denunciar os maus dirigentes do basquete. “Precisávamos de um Nuzman”’, não se cansa de repetir, convencida de que o basquete necessita de alguém com a competência e a criatividade do presidente da Confederação Brasileira de Vôlei.
Solteira, namorando atualmente o jogador de vôlei Jaú, da Pirelli, Hortência alimenta o sonho do casamento. Enquanto espera, vai curtindo sua moto CB-400 e seu Voyage Plus. “Só tenho 24 anos (23/9/1959) e gosto de uma folia”, confidencia a jogadora, cuja energia é surpreendente — para quem não sabe, tem apenas 1,74 m e pesa 61 kg, medidas modestas para uma jogadora de basquete. Entretanto, sempre resta a esperança de que ela fique no país, desde que alguma empresa, ou clube, se interesse em formar um grande time.
“Eu também posso sair decFlamengo”’, avisa a atacantecIsabel, “e não excluo a possibilidade de jogar em São Paulo.” Legítimo produto de Ipanema, 23 anos (2/8/1960), Maria Isabel Barroso Salgado quer, em 1984, como Hortência, uma definição profissional. “No Flamengo treino apenas 2 horas por dia, o que é um ritmo fraco”, reclama. “Na Supergasbrás o treinamento é muito mais forte.” A animação desaparece quando se pergunta a respeito da
possibilidade de medalhas em Los Angeles. Aí, a normalmente expansiva Isabel fica reticente: ““Nosso trabalho ainda está em evolução””.
Dividindo seu tempo com o vôlei, marido e duas filhas de dois casamentos, Isabel se define como uma mulher caseira: “Não costumo ir em badalações”. Esquiva-se de falar de sua intimidade: “Sou uma mulher como qualquer outra””. E, discreta, prefere não antecipar seus próximos contratos de publicidade — no ano passado, seu charme foi usado num anúncio de televisão para que os brasileiros passassem a consumir mais laranja.
O mesmo procedimento não é seguido por Sócrates Brasileiro Sampaio de Sousa Vieira de Oliveira. “Vou fazer um monte de comerciais”, informa. “Dois deles, um de aparelhos de som e outro de relógios, também vão ser veiculados nos Esta- dos Unidos.” E quanto irá ganhar? Ah, isso o Doutor não conta: “Meus assessores é que cuidam destes detalhes, eu tenho muito constrangimento em discutir dinheiro”. Embora em proporções menores, William e Hortência têm lá os seus negócios, sendo que a jogadora até conta com uma empresa encarregada de zelar por sua imagem.
Expansivos, reservados ou simplesmente alheios aos problemas que os cercam no dia-a-dia, os ídolos do esporte brasileiro reúnem hoje uma característica comum: a seriedade com que encaram a opinião do público que os assiste. E, se em algum momento parece curioso que Sócrates planeje montar mais uma peça de teatro, desta vez a respeito do futebol, ou que Hortência continue a comprar peças para seu variadíssimo guarda roupa — o que, nestes tempos de recessão, parece uma atitude um tanto desligada da realidade do país —, é necessário entender que esses ídolos de carne e osso, fora a genialidade que possuem naquilo que fazem, são idênticos aos cidadãos normais.
Isabel, por exemplo, morre de medo de assaltantes, como a maioria da população carioca, mas as páginas policiais são as primeiras que ela vai ler nos jornais da manhã. William, assim como tantos jovens, é um roqueiro, curte sua moto e ainda adora os Beatles.
Na verdade, a grande mudança de seus comportamentos só se dá quando ouvem os gritos apaixonados da torcida, o aplauso da galera. “Nin- guém pode ficar insensível aos gritos dos corintianos”, diz Sócrates. “Vestir a camisa da Seleção Brasileira é à glória, a sensação é inexplicável”, descreve Hortência. Como eles, William e Isabel mostram nas quadras a força transmitida pelo seu público. É a união de técnica, raça e amor para enfrentar os dias difíceis em que vivemos. Para eles, o futuro já começou — e 1984 será um ano melhor do que o que passou.
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