Em 1997, Chilavert detonou Taffarel e Dida… e elogiou Ronaldo Giovanelli
Polêmico goleiro paraguaio rasgou o verbo à PLACAR e revelou o desejo de defender o Flamengo, "o maior time do mundo"
José Luís Chilavert foi um dos goleiros mais icônicos da década de 1990, seja por sua qualidade para defender e ainda marcar gols, seja por sua personalidade forte. O capitão paraguaio jamais fugia de uma boa briga e sua língua ferina não poupava nem mesmo outros grandes campeões. Em junho de 1997, o então ídolo do Vélez Sarsfield, da Argentina, concedeu uma entrevista à PLACAR na qual fez críticas a Taffarel, Dida, Rogério Ceni e até Diego Armando Maradona. Houve, no entanto, espaço para surpreendentes elogios: Ronaldo Giovanelli e o Flamengo foram exaltados pelo arqueiro.
Considerado um dos melhores goleiros daquela época, “Chila” disse que o Brasil tinha um problema crônico na posição. “Sempre formou grandes times, mas faltavam arqueiros para dar segurança. O Brasil não foi campeão em 1982 porque o Valdir Peres não era um bom goleiro.”
Na sequência, sobrou para o campeão mundial da época e seu provável sucessor. “Continua ruim. Acho o Taffarel muito frio. Ele precisa ter mais ação dentro de campo, falar mais. O Dida é muito grande, me parece descoordenado e lento para a posição.”
No papo com o repórter Amauri Segalla, Chilavert surpreendeu ao apontar seu goleiro brasileiro favorito. “Gosto do Ronaldo, do Corinthians. O Ronaldo também fala muito, organiza a defesa. Eu sou assim. Falo, grito, às vezes xingo.”
Em 1997, Rogério Ceni começava a marcar seus primeiros gols pelo São Paulo. Chilavert estava ciente da concorrência e rebateu uma crítica do novato, de que o paraguaio batia faltas apenas para aparecer. “Sim, conheço [o Rogério], mas ele está errado. Não quero popularidade batendo faltas. Sou o batedor porque tenho o respaldo do resto do time. Tenho a confiança de todo o grupo. Inclusive na Seleção, com o técnico Carpegiani. Além disso, faço gols.”
Na entrevista, Chilavert foi claro sobre qual time brasileiro gostaria de defender, alho que nunca ocorreu. “Gosto do Flamengo, que é o maior time do mundo. Me encantaria jogar no futebol brasileiro, mas tem que ser num time grande, com chances de disputar títulos. Já tive proposta de Flamengo, Palmeiras, Corinthians e Atlético Paranaense, mas não cheguei a um acordo financeiro. O futebol brasileiro é incrível. Vocês têm o Ronaldinho e o Romário, os dois melhores do mundo.”
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera algum tesouro de nossos arquivos, reproduz abaixo a entrevista na íntegra:
Chilavert, o goleiro matador
Desbocado e polêmico, o arqueiro da Seleção do Paraguai detona Dida e Taffarel e mostra por que é tão odiado pelos Argentinos
Por Amauri Barnabé Segalla, de Assunção Fotos Alexandre Battibugli
José Luis Félix Chilavert é um homem corajoso. Ele pode ter um estádio inteiro contra, mas jamais deixará de provocar a torcida adversária. Nem que isso custe alguns ovos arremessados contra sua cabeça, como a torcida do Boca Juniors costuma fazer. Goleiro do Vélez Sarsfield e da Seleção do Paraguai, Chilavert é hoje o principal jogador do futebol argentino e um dos maiores salários do país ” 1 milhão de dólares/ano. Também é o goleiro com o maior número de gols marcados na história do futebol ” fez 33 até maio passado. “Chila”, como os paraguaios costumam chamá-lo, não fala com jornalistas argentinos. Às vezes, se alguém o procura com maior insistência, ele distribui sopapos para encerrar logo a conversa. Nesta entrevista, Chilavert exibe seu estilo provocativo, mas felizmente agüentou as perguntas até o fim sem distribuir uma bolacha sequer.
PLACAR. Quem é o melhor goleiro do mundo?
CHILAVERT. Os prêmios dizem tudo. Em 1995, fui eleito o melhor goleiro do mundo por jornalistas da Alemanha e da Inglaterra. Ganhei por três anos seguidos o prêmio de melhor goleiro da América oferecido pela Confederação Sul-Americana de Futebol. Sim, sou o melhor.
.P Você é o melhor do mundo por fazer gols de falta?
C. Já marquei 33 gols na carreira. Muitos de pênalti, é verdade. Eu queria mesmo era ser centroavante, mas não tinha futebol para isso. Fui para o gol e o meu pai, Félix, me disse que eu deveria bater falta porque pegava forte na bola. Já em 1981 eu era o batedor oficial do Luqueño, time onde comecei a jogar.
P. Em qual posição você se colocaria num ranking dos melhores goleiros de todos os tempos?
C. Estaria entre os três melhores. Os outros dois seriam o italiano Dino Zoff, que transformava bolas difíceis em bolas fáceis, e o alemão Harald Schummacher, pela agressividade e personalidade.
P. Não há nenhum goleiro brasileiro na sua lista?
C. Não. O Brasil sempre teve problemas nessa posição. Sempre formou grandes times, mas faltavam arqueiros para dar segurança. O Brasil não foi campeão em 1982 porque o Valdir Peres não era um bom goleiro. Vocês tinham a melhor equipe, mas o Valdir não combinava com o time.
P. A situação atual não melhorou?
C. Continua ruim. Acho o Taffarel muito frio. Ele precisa ter mais ação dentro de campo, falar mais. O Dida é muito grande, me parece descoordenado e lento para a posição.
P. Mas o reserva do Zagallo deve ser o Carlos Germano…
C. Esse eu não conheço.
P. Não sobra nenhum goleiro que preste no Brasil?
C. Gosto do Ronaldo, do Corinthians. O Ronaldo também fala muito, organiza a defesa. Eu sou assim. Falo, grito, às vezes xingo. O goleiro enxerga o jogo de frente e precisa ajudar a arrumar a zaga.
P. Você conhece o Rogério, do São Paulo, que também bate faltas? Ele já declarou que você só bate faltas para se promover.
C. Sim, conheço, mas ele está errado. Não quero popularidade batendo faltas. Sou o batedor porque tenho o respaldo do resto do time. Tenho a confiança de todo o grupo. Inclusive na Seleção, com o técnico Carpegiani. Além disso, faço gols.
P. Pelo visto, você acompanha o futebol brasileiro. Jogaria no Brasil?
C. Gosto do Flamengo, que é o maior time do mundo. Me encantaria jogar no futebol brasileiro, mas tem que ser num time grande, com chances de disputar títulos. Já tive proposta de Flamengo, Palmeiras, Corinthians e Atlético Paranaense, mas não cheguei a um acordo financeiro. O futebol brasileiro é incrível. Vocês têm o Ronaldinho e o Romário, os dois melhores do mundo.
P. Quais são os grandes goleiros da atualidade?
C. O Schmeichel, do Manchester United e da Seleção da Dinamarca, é excelente. Gosto muito também do Preud”Homme, da Bélgica, e do Van der Sar, da Holanda. Não gosto do português Vítor Baia. É um goleiro absolutamente normal que vive tomando gols bobos.
P. Há algum ponto em comum entre você e o colombiano Higuita, que também bate falta?
C. Meu estilo é diferente. Ele arrisca muito, sai driblando. Eu jamais faria uma defesa como a do escorpião (um salto mortal para rebater a bola, de costas, com os calcanhares), em Wembley. Não mataria meu treinador de enfarte.
P. A Argentina, que já teve grandes goleiros como Fillol e Gatti, também vive uma crise nesta posição?
C. Fillol? Não, não. Ele só era bom debaixo das traves. O Gatti era mais ou menos. Os argentinos pensam que uma boa equipe se forma somente com bons atacantes. Eles acham que qualquer um pode ocupar a posição de goleiro.
P. Você está se referindo ao goleiro Burgos, em quem você marcou dois gols? (Um contra a Seleção Argentina em Buenos Aires e o outro de uma distância de 60 metros contra o River Plate.)
C. Não sou amigo do Burgos. Ele me odeia. Não tenho pena do que fiz com ele porque se fosse o contrário ele não teria pena de mim. Em futebol não há espaço para sentimentalismo. Na Final da Recopa, no mês passado, no Japão, ele defendeu um pênalti que bati. Quando errei, o sujeito gritou “Fdp, peguei o pênalti”. Depois, defendi dois outros pênaltis e nós levamos o título.
P. O que aconteceu naquela partida contra a Argentina pelas Eliminatórias, em setembro passado, quando você marcou um gol de falta e o jogo terminou empatado 1 x 1?
C. Antes do jogo, os jornalistas argentinos disseram que eu não iria fazer nenhum gol. Quando o Batistuta fez 1 x 0, todo o estádio me xingou. Eles não estavam jogando contra o Paraguai, mas contra o Chilavert. Logo que levamos o gol, olhei para cima e pedi uma falta para a Virgem de Ypacaraí, uma santa do Paraguai. Dois minutos depois, veio a falta. Corri para bater. Nesse momento tive a maior sensação da minha vida. Cheguei na bola e o estádio inteiro ficou mudo. Era o silêncio dos inocentes.
P. Você fez o gol e provocou a torcida?
C. A torcida gritava “Chilavert, cuidado com as tuas bolas”. Gritei para eles que eu já tinha as bolas bem postas.
P. Você foi agredido nesse jogo?
C. Um fotógrafo queria tirar uma foto antes da partida. Eu disse que não. Então ele respondeu que eu estava roubando o dinheiro da Argentina. Aí eu o empurrei.
P. É por isso que você não dá entrevista a jornalistas argentinos?
C. Os jornalistas argentinos são todos uns provocadores. Alguns são racistas. Prefiro ficar calado. Não preciso deles, mas eles precisam de mim. Às vezes os caras provocam tanto que o único jeito é ter uma reação mais forte. Se dou porrada num jornalista, tomo antes o cuidado de ver se ninguém está fotografando. Quando me insultam, dou um sopapo e a coisa fica certa.
P. Esse jogo não criou um clima desfavorável para você na Argentina?
C. Sou ídolo para a torcida do Vélez. As torcidas rivais também me adoram. Por exemplo: fui jogar contra o Boca no estádio da La Bombonera e a torcida em peso me chamando de paraguaio morto de fome. Jogaram uns 500 ovos cozidos em cima de mim. Agarrei um montão de ovos e coloquei na frente dos bagos. Vencemos por 2 x 1. Esses torcedores são loucos.
P. E você não é louco também?
C. Fico encantado com a provocação da torcida. Quando jogamos contra o São Paulo na Final da Libertadores de 1994, havia 100 000 pessoas no estádio. Todos estavam p… comigo porque eu disse que iria vencer esse jogo. Foi lindo.
P. Aquele time do São Paulo tinha muitos Atletas de Cristo. O que você pensa deles?
C. Eu acredito em Deus, mas não preciso pertencer a um grupo para rezar. Os Atletas de Cristo são os piores, os mais violentos. O Silas (meia brasileiro que jogou no São Paulo e hoje no San Lorenzo) é impressionante. Sempre fico de olho nele. Em campo ele só dá porrada.
P. Sincero e com essa personalidade forte, você deve ter muitos inimigos no futebol, não é?
C. As pessoas me provocam. O Navarro Montoya, ex-goleiro do Boca e hoje na Espanha, é um sacana. O diretor do Boca queria trocá-lo por mim. Ele declarou que não se pode trocar um Mercedes-Benz por um Fiat. Eu sou o Fiat e ele é o Mercedes-Benz. Respondi que é melhor ser um Fiat com motor de Fórmula 1 e ganhar tudo. Ele é um Mercedes-Benz velho e sem motor.
P. O Asprilla também não gosta muito de você, certo?
C. Ele cuspiu em mim na partida contra a Colômbia pelas Eliminatórias. Trocamos empurrões dentro de campo e fomos expulsos. No túnel, quando a imprensa não estava vendo, dei um soco na cabeça dele.
P. O Maradona é outro que você não topa muito?
C. Grande jogador, mas fisicamente acho que precisa melhorar muito para jogar. Não gosto de falar muito sobre ele porque os argentinos são muito suscetíveis. Nós somos diferentes. Eu gosto de jaquetas de couro e ele de casacos de pele.
P. Houve armação para tirá-lo da Copa de 1994?
C. Claro que não. Ele cometeu um erro e foi punido.
P. Aquele buldogue estampado na sua camisa de goleiro representa a personalidade que você tem?
C. O buldogue não tinha nada a ver. Essa marca só patrocina boxeadores. Cancelei meu contrato de nove anos.
P. Qual seria a imagem verdadeira de Chilavert?
C. Criei o projeto Chilavert, uma fundação que vai arrecadar fundos para tirar as crianças das ruas do Paraguai. É horroroso que garotos fiquem nas ruas sem educação para se tornarem delinqüentes no futuro. Ajudo as pessoas em silêncio. Mas não fico preocupado em passar uma imagem de homem do bem.
P. Você declarou que gostaria de ser presidente do Paraguai. Esse já é o discurso de candidato?
C. As pessoas no Paraguai gostam de mim, mas a política é muito suja. Vou ajudar os pobres através da minha fundação. Mas na vida a gente nunca sabe o que pode acontecer. Tenho dez anos de futebol profissional. Talvez daqui a dez anos você possa me entrevistar como presidente do Paraguai. A vida dá muitas voltas.
P. Você está rico?
C. Tenho um dos melhores salários da Argentina. Mas não gosto de me exibir. Até 1987, eu andava de ônibus e todos me chamavam de miserável. Jamais compraria uma Ferrari vermelha de 400 000 dólares. Com esse dinheiro, passo a vida toda. Há jogador que anda de Ferrari para se mostrar para a sociedade. Não preciso disso.
P. É verdade que você costuma passar as férias no Nordeste brasileiro?
C. Sim. Conheço Natal, Maceió, Salvador. Uso as fitinhas do Senhor do Bonfim. Elas me dão muita sorte. Em Maceió há piscinas naturais perto da praia, mas fiquei com medo de ir naquelas canoazinhas. Não sei nadar.
P. E as pessoas reconhecem você no Brasil?
C. Posso andar na praia tranqüilo. Alguns me reconhecem e pedem autógrafo. De vez em quando aparecem uns argentinos para me xingar. Tenho amigos brasileiros. Um deles é o Palhinha. No jogo contra o Cruzeiro pela Final da Supercopa, mandei para escanteio uma bola que ele havia chutado. Depois, ele me disse baixinho: “Chila, deixar passar um gol, nós estamos mortos”. Para variar, meu time foi campeão.
Chilavert brasilguaio
Casado com a argentina Marcela, que morou cinco anos no Rio de Janeiro, o goleiro tem muitas ligações com o Brasil
O empresário
Assessor de Fernando Collor de Mello na campanha presidencial de 1989, o empresário curitibano Roberto Bertoldo conheceu Chilavert no ano passado. Bertoldo coordenava a candidatura de Martin Burt à Prefeitura de Assunção, capital paraguaia. Calejado, o empresário sugeriu o nome de Chilavert para apoiar a campanha de Burt, que, com o apoio do goleiro, acabou eleito. Ficaram amigos e hoje Bertoldo cuida dos negócios do arqueiro.
O treinador
Paulo César Carpegiani, técnico do Paraguai, divide com Chilavert a liderança da equipe. “Só gostaria que ele falasse em português. O portunhol dele é horrível. Às vezes, o Carpegiani grita para um jogador ´fica, fica`. O cara entende ´pica, pica` e sai correndo.”
Os jogadores
De tanto encontrar Palhinha, hoje no Cruzeiro, em decisões de campeonato, Chilavert ficou amigo do brasileiro. Os dois sempre conversam por telefone sobre os campeonatos da Argentina e do Brasil. Já com Müller, atacante do Santos, a situação é bem diferente. Chilavert conta ter provocado o jogador na decisão da Libertadores de 1994, chamando-o de “maricón”. O Vélez saiu de São Paulo com o título, roubando do Tricolor a possibilidade de ser tricampeão da competição.