Corinthians x Palmeiras: o ápice da rivalidade em 1999
PLACAR destacou a "Guerra das Estrelas" no ano do título do Verdão na Libertadores e das embaixadinhas de Edílson na final do Paulistão

Corinthians e Palmeiras protagonizam nesta quinta-feira, 27, um dérbi que já nasce histórico. A final do Paulistão 2025 na Neo Química Arena vale, do lado alvinegro, o fim de um jejum de seis anos sem títulos, e do alviverde a chance de um tetracampeonato estadual que não ocorre há mais de 100 anos, desde a conquista do Paulistano em 1919.
O Dérbi Paulista é reconhecido como um dos grandes clássicos do futebol mundial e talvez tenha chegado ao ápice de sua rivalidade na memorável temporada de 1999. Na virada do milênio, ambos tinham verdadeiros esquadrões, que rivalizaram pelos grandes títulos da época. Se o Timão ergueu os brasileiros de 1998 e 1999, e o Mundial de 2000, o Verdão levou a melhor contra o rival justamente nas Libertadores de 1999, em que foi campeão, e 2000, quando terminou com o vice diante do Boca Juniors.
Em julho de 1999, a rivalidade mereceu uma capa especial de PLACAR. Com os irreverentes Paulo Nunes e Edílson na capa, a revista destacou a Guerra das Estrelas naquele ano. Dias antes, os dois atacantes trocaram pontapés depois que o “Capetinha” fez embaixadas no título paulista do Timão. Naquela decisão, diversos atletas do Palmeiras, incluindo o “Diabo Loiro”, atuaram com os cabelos pintados de verde, para celebrar a conquista da Libertadores de 1999, dias antes.
O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras recupera um tesouro de nossos 55 anos de acervo, reproduz na íntegra o texto da época.
Guerra das estrelas
Eles não são da paz. Duelos pessoais entre craques de Palmeiras e Corinthians, Flamengo e Vasco se misturam à rivalidade tradicional dos times e impõem um tom bélico às decisões mais recentes. Prepare-se: o Brasileirão será o “Episódio 2″ dos duelos
O futebol é um ótimo substituto para a guerra ” escreveu o britânico Anthony Burgess (A Laranja Mecânica), em um artigo sobre a Copa do Mundo de 1974. A adaptação de Stanley Kubrick para sua obra mais famosa fazia tanto sucesso nos cinemas nesse ano que a Seleção Holandesa, sensação do Mundial, foi apelidada de “laranja mecânica”. Àquela altura, ele não poderia imaginar que um país caracterizado por poucas guerras e muito futebol fosse inverter sua equação. Os campeonatos Paulista e Carioca mostraram que em algumas situações, no Brasil, a guerra substitui o futebol. No Carioca, as maiores estrelas dos dois finalistas, Edmundo e Romário, travaram uma verdadeira guerra fria nos dias que antecederam à Final.
Provocações de todos os lados, atitudes, aliás, típicas de quem está disposto a entrar em combate, transformaram a decisão numa luta de vida ou morte: aos vencedores, a glória; aos derrotados, o esquecimento. Em São Paulo, palmeirenses e corintianos, que somam 85 anos de contendas, chegaram às vias de fato. Depois das embaixadas de Edílson, o que se viu foi uma batalha estelar. O Capetinha, como é chamado, e Paulo Nunes, principal estrela do Palmeiras, deram e levaram pontapés.
Vascaínos e flamenguistas se odeiam como soldados rivais, substituindo o carisma antes ocupado pelo Fla-Flu. Estava em jogo na Final, além da supremacia no futebol carioca, a coroa de melhor jogador do Brasil. Romário, dono de artilharia pesada, mandou pintar no banheiro de sua casa noturna uma caricatura de Edmundo. O Animal, também ótimo combatente, avisou que chegava para ser o novo “Rei do Rio”. Futebol é guerra, de fato. Não é à toa que os grandes atacantes, aqueles capazes de acertar o gol com mais precisão do que os mísseis da Otan, são chamados de matadores. Eles detonam.
Em São Paulo, a rivalidade entre os dois times vem do berço, quando alguns imigrantes italianos deixaram o Corinthians para se juntar aos fundadores do Palestra Itália. Nunca foram perdoados e, desde então, a rivalidade só aumentou. E a disputa aparentemente só faz bem: os dois são os maiores ganhadores de títulos no Estado. Quando os corintianos diziam que torciam contra o Palmeiras na disputa da Libertadores, ele venceu. Os palmeirenses mandaram o rival “disputar o Paulistinha”, e ele ganhou. Chegou aos gramados a guerra das estrelas (o filme de George Lucas estreou em todo o Brasil dia 25 de junho, quando torcedores dos dois ainda comemoravam seus títulos mais recentes).
Luta campal
A rivalidade é histórica, quase atávica. Mas poucas vezes no passado Palmeiras e Corinthians viveram períodos tão briguentos quanto o atual
Por: Amauri Barnabé Segalla
Edílson acabou com o Campeonato Paulista. Em todos os sentidos. Endiabrado, despachou o São Paulo nas Semifinais, atazanou a defesa do Palmeiras na primeira partida da Final e, no jogo decisivo, fez uma diabrura histórica. Três minutos depois de marcar o gol de empate de 2 x 2, que daria o título ao Timão, Edílson resolveu brincar. Em vez de partir para o ataque, começou a fazer malabarismos, mostrando sua habilidade com as embaixadas. Ergueu a bola cinco vezes, matou-a na coxa e na nuca. Os palmeirenses não acharam graça. O marcador mais próximo, Júnior, correu e jogou-se contra seu corpo. Depois foi a vez do maior rival, Paulo Nunes, que o acertou com um chute para, em seguida, receber o revide. Outros jogadores lutaram e ainda mal se continham quando o juiz deixou o campo, encerrando a partida aos 32 minutos do segundo tempo. O Corinthians ganhava assim o seu 23º título paulista. Edílson tinha acabado com o Campeonato.
Dois atacantes experientes em decisões, eles pareciam querer animar e divertir suas torcidas ao polemizar nos dias que antecederam a Final. Na própria manhã do jogo, o jornal Folha de S. Paulo estampou em sua primeira página fotos de ambos fazendo caretas engraçadas um para o outro. Também os malabarismos de Edílson poderiam apenas acender a festa de sua torcida. Mas puseram fogo no estopim de uma batalha campal como há muito não se via nos gramados paulistas.

Mexer com o ânimo de palmeirenses e corintianos é mexer com os espíritos nem sempre adormecidos de mais de 30 mil dias de agonia, êxtase, raiva, paixões explosivas. Trata-se de uma rivalidade que começou no momento mesmo em que nascia o Palmeiras, há 85 anos. Naquele 1914, quando o Corinthians tinha apenas quatro anos, mas anotava seu primeiro título paulista, um grupo de imigrantes italianos deixou o time para participar da fundação de uma agremiação própria e exclusiva da colônia. Nascia o Palestra Itália já sob a ira dos antigos companheiros, que não perdoaram a dissidência.
Após oito décadas de disputa intensa entre os dois times, dentro e fora do campo, na última década do século e do milênio, Palmeiras e Corinthians brilham mais do que nunca. E por isso, um cruza o caminho do outro com mais freqüência do que é desejável, com mais ganas do que poderiam desejar os deuses do futebol. E, para ambos, não basta o sucesso, é preciso fruir a dor do adversário ” é por isso que jogadores do Corinthians disseram ter torcido para o Deportivo Cali. E não é por outra razão que o time do Palmeiras, quatro dias depois de vencer a Libertadores, entrou no gramado para a final do Paulista como se disputasse ali, e não no jogo anterior, o título mais importante de sua história. Apesar de Paulo Nunes desdenhar a importância do Campeonato Paulista, os dois times guerrearam como se fosse a partida de suas vidas. O drama supera os atores: mesmo que seja um jogo amistoso, com outros jogadores em campo, se uns vestem a camisa verde e outros a preto e branca, todo cuidado é pouco, a combinação química pode explodir.
Nesse clima, os malabarismos de Edílson passaram por irresponsabilidade, comportamento antiético etc. Impressionado, no próprio domingo à noite, logo após a partida, o técnico Wanderley Luxemburgo anunciou seu corte da Seleção “pelo mau exemplo” (Veja reportagem na página 62). Pressionado pela diretoria corintiana e, principalmente, pelo técnico Oswaldo de Oliveira, Edílson admitiu o erro, mas negou-se a pedir desculpas. Nos dias seguintes a maré de críticas pareceu inverter-se e a violenta reação dos palmeirenses passou a ser o xis da questão. Quando a Federação Paulista de Futebol anunciou as punições, a multa de Edílson (20 mil reais) já foi menor do que a de Paulo Nunes (30 mil reais).
O Capetinha, como é chamado, não é de esconder sentimentos. É sincero, não dissimula, fala sempre o que pensa e não posa de santo, o que tem lhe custado a fama de indisciplinado e malandro. Ele procurou circunscrever sua atitude no âmbito da brincadeira. “Eu estava de sangue quente, foi uma provocação, sim, mas não acho certo me condenarem desse jeito”. Aos 27 anos, com três títulos brasileiros no currículo (dois pelo Palmeiras e um pelo Corinthians) e três paulistas (também dois pelo Palmeiras e um pelo Corinthians), vive o melhor momento da carreira. “Fiz isso porque estava engasgado com o Palmeiras, principalmente com o Paulo Nunes”, disse, assumindo o duelo com a estrela palmeirense.
O Palmeiras estava engasgado na garganta de todo o elenco corintiano ” e vice-versa. Depois da eliminação do Corinthians, nos pênaltis, nas Quartas-de-Final da Libertadores, Paulo Nunes saiu gritando para quem vestisse preto-e-branco à sua frente: “Vai disputar o Paulistinha”, iniciando a cruzada bélica entre os dois times. Sem a Copa do Brasil (havia sido eliminado pelo Juventude), só restava o Paulista para o Timão. Edílson ficou noites sem dormir contando os dias que faltavam para o choque derradeiro com o rival. Gamarra pensou em pedir dispensa para esquecer a derrota descansando no Paraguai. Marcelinho Carioca, que também estava enfrentando o trauma da separação da mulher, chorava toda hora.
Do outro lado, vivendo uma rotina maluca de até quatro jogos por semana, o Palmeiras via os rivais dizerem que torciam para seus adversários. Para muitos palmeirenses, esse torcida dos corintianos foi decisiva para garantir ânimo apesar do cansaço. Já no Corinhians, há quem diga que o time começou a ganhar o Paulista com a provocação de Paulo Nunes. “Aquela desfeita serviu de combustível, queríamos provar que nossa equipe era forte e merecia respeito”, conta Oswaldo de Oliveira. Era o Corinthians preparando sua máquina de guerra.
A equipe, cheia de vaidades, ganhou a união que não tinha. Edílson, que não engolia Marcelinho Carioca e que já havia saído no braço com Rincón, tratou de resolver os problemas. Numa reunião após a tragédia contra o Palmeiras, foi claro e direto: “Sei que tem gente aqui que não gosta de mim e eu também não sou amigo de todos os presentes”, começou. “Agora, só temos que esquecer isso e pensar numa única coisa: ganhar o Paulista e mostrar que somos melhores que o Palmeiras.” Desde esse dia, o Corinthians, que vinha de uma campanha medíocre no Paulistão, não perdeu mais. “Quando está confiante este time do Corinthians é um dos melhores do Brasil”, diz o técnico Oswaldo de Oliveira. O Timão estava pronto para a batalha.
Muito do sucesso se deve ao autocontrole e à tranqüilidade de Oswaldo de Oliveira, qualidades, aliás, indispensáveis para quem lidera uma frente de combate. Após seguidos vexames no Torneio Rio-São Paulo, no início do ano, Oswaldinho (era assim que ele era chamado na época), foi rebaixado a auxiliar-técnico de Evaristo de Macedo. Apesar de não demonstrar empatia com Macedo, não reclamou. Macedo caiu e a diretoria resolveu manter Oswaldinho para ver no que dava. E ele correspondeu. Por um triz, o Corinthians não passou pelo Palmeiras na Libertadores
Oswaldinho virou Oswaldão. Confirmado como treinador do Corinthians no Campeonato Brasileiro, Oswaldo agora terá um desafio muito maior. Sem o gigante Gamarra, vendido ao Atlético de Madrid, terá a responsabilidade de corresponder ao investimento do grupo americano Hicks & Muse, que deve injetar muitos milhões de dólares no time nos próximos anos. Também não será fácil liderar um grupo que tem estrelas rebeldes como Marcelinho, Rincón e Edílson ” se este último não acabar deixando o time em busca de um salário maior.
Mas a julgar pelas últimas semanas, Oswaldinho terá sempre uma grande arma para motivar seu batalhão: Corinthians e Palmeiras estréiam no Brasileiro no próximo dia 25, diante do Gama, em Brasília, e do Juventude, em São Paulo, respectivamente. No dia 12 de setembro, cruzam-se novamente, no Pacaembu. Embora tenha admitido o erro por provocar os palmeirenses, Edilson furtou-se a prometer que não repetiria os malabarismos no futuro. Anote na agenda: a guerra das estrelas pode ter seu “Episódio 2”.