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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Qual o país ‘pentacampeão e 1/2’?

Cronista vai ao Brasil 1 x 0 Portugal, final da Minicopa de 1972, e conta que 50 anos depois ninguém lembrará da taça, mas a política ainda usará o futebol

“Ninguém segura este país!” O ‘slogan’ do governo militar, criado há dois anos para as comemorações do 7 de Setembro após a conquista do Tri no México, voltou à batucar com tudo na cabeça dos brasileiros ontem à noite, em especial nos quase 100 mil torcedores que desciam as rampas do Maracanã após o Brasil derrotar Portugal (1 x 0) e erguer a Taça da Independência. Foram quase 90 minutos gritando, mesmo que subliminarmente, outro mantra da propaganda governista – “Pra frente, Brasil!” – até o gol redentor do ‘Furacão’ Jairzinho, no apagar das luzes, a um minuto do apito final. Diria que, no mínimo, já podemos dizer e nos gabar: “Somos tricampeões e 1/2!” E daí que Inglaterra, Alemanha e Itália não vieram? Estavam os patrícios, liderados pelo craque Eusébio, os argentinos, os franceses, os bicampeões uruguaios, os russos, para citar apenas alguns dos 20 selecionados na disputa. Merecemos contabilizar um ‘1/2 título mundial’ porque mais uma vez ficou demonstrada a superioridade do Escrete Canarinho, mesmo sem o ‘Rei’, que deu adeus à ‘amarelinha’ ano passado, e a potência desta imensa nação, que andam alardeando na economia, com o Milagre Econômico, na educação… Enfim, em todo o progresso promovido pelos nossos generais, certo? E se você, querido leitor e querida leitora de 1972, discorda, sou obrigado a recorrer a outro bordão ufanista do governo: “Brasil, ame-o ou deixe-o!”.

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A esta altura da resenha, imagino que alguns que me leem – da minoria consciente e bem informada – já estão supondo que o parágrafo acima foi escrito sob a tutela de olhares repressores, tendo sobre meus ombros um censor – sim, eles existem e estão por aí, nas redações de jornais, rádios, TVs e revistas. Mas foi apenas um pouco de ironia e sarcasmo para quebrar o gelo sobre o assunto, tão proibido e abafado pela ditadura – sim, pra quem ainda não sabe, ela também existe e está aí, contra nós! Ontem os adversários eram em outro campo, o gramado, e com mais uma diferença fundamental: não eram violentos, não batem em ninguém, nem matam – só a bola, no peito ou no bico da chuteira. Mas teve ‘tortura’, sim, para a torcida brasileira, pois a pelota teimava em não entrar. Até surgir aquela falta pela direita da área, depois o cruzamento primoroso do Riva e ‘pimba’! … A cabeçada certeira do Jair! Para a felicidade de todos – muito em Brasília, mas não apenas nos quartéis.

A vitória no torneio pelos 150 anos da Independência da pátria fez com que o capitão Gerson, desta vez, não conseguisse ‘levar vantagem em tudo’ (outro ‘slogan’, este de cigarros) e nem sobre ninguém. Não deve ser nada agradável e vantajoso posar numa foto histórica tendo que erguer a Taça ao lado de um torturador, o presidente Emílio Garrastazu Médici – e falo sem medo porque, quando estiverem lendo este texto eu já estarei de volta ao futuro. Sim, sou um viajante do tempo, vindo de 2022, e por isso posso garantir a vocês que o ‘Canhotinha de Ouro’ fez ontem sua última partida pela Seleção. E ainda mais: que jogador como ele, com esta capacidade de fazer lançamentos quilométricos e milimétricos, o futebol brasileiro, ao menos nos próximos 50 anos, nunca mais terá. Ao contrário do ‘carro à álcool’, que, como se sabe, “você ainda vai ter um!”.

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Seleção brasileira em 1972 -
Seleção brasileira em 1972 –

O zagueiro Brito e Tostão, revelo a todos, ainda sequer pensaram nisso mas ontem também deram adeus à Seleção Brasileira, que não mais voltarão a defender por motivos diferentes: um por queda natural de rendimento; outro por conta de uma aposentadoria precoce (façam suas apostas!). Félix e Carlos Alberto, ausentes na Minicopa por contusão, seguem com Zagallo, mas, sinto informar, não chegam à Copa de 1974 entre os convocados. Dessa turma de jovens com que o treinador está contando para renovar o Escrete, Leivinha (Palmeiras) e Marinho Peres (Portuguesa – SP) são os que mais vão se firmar e seguirem titulares pra Alemanha. Podem me cobrar! Rodrigues Neto (Flamengo), Vantuir (Atlético-MG), os pontas Rogério (Flamengo) e Lula (Fluminense) e o zagueiro Luís Carlos (Corinthians) não vão muito longe. Dirceu Lopes? Infelizmente acabará de fora. Aliás, o craque será sempre no máximo ‘banco’ na Seleção, e não me perguntem o porquê. No futuro, ao falar sobre nunca ter se firmado com a ‘amarelinha’, ele vai justificar com isso e aquilo, esse e aquele problema… Mas aqui cabe outro mote criado, no lançamento do Mobral, em 1968, pelo governo golpista: Dirceu, “você também é responsável!”.

Além dos ‘milicos’ no comando, quem sorriu à toa com a vitória de ontem foi João Havelange, o ‘eterno’ presidente da CBD, que armou todo este grandioso evento – 44 jogos em 14 estádios de 12 cidades brasileiras – para reforçar a crença no sucesso dos militares no poder, bajular o generalato e, principalmente, encaminhar sua eleição como Presidente da Fifa – e, só de sacanagem, não revelarei aqui se ele vai ou não assumir a cadeira. Corre atrás, Havelange! Não darei também detalhes, mas o tempo vai trazer à tona muitas falcatruas de sua administração à frente do futebol nacional. Por enquanto, a sorte ainda está do seu lado, tanto que, na final do torneio que celebra os 150 anos da Independência, o destino quis que estivessem em campo justamente o liberto Brasil e Portugal, seu antigo colonizador.

Foram de 4 milhões de dólares (Cr$ 21 milhões, em nossa moeda) os investimentos declarados pela CBD na organização da Minicopa, que ao menos deixará legados, como a nova iluminação do Maracanã, a ampliação do Couto Pereira, em Curitiba, e da Fonte Nova, em Salvador, e ainda os dois novos estádios do país, erguidos especialmente para o evento: o Arruda, em Recife, e o Castelão, de Natal. Tudo assistido do Oiapoque ao Chuí (onde tem televisor, claro!), pelo ‘pool’ de emissoras (Globo, Tupi e a Rede de Emissoras Independentes (REI), de São Paulo). E com imagens a cores, essa novidade futurística que está quatro meses entre nós, brasileiros. Afinal, “este é um país que vai pra frente!” E segue o coro: “Ho-Ho-Ho, Ho-Ho!”. A risada está na letra da música, vocês sabem, não é deboche!

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A vitória do Brasil vai, obviamente, ser alvo novas de campanhas e bravatas do Governo Militar. Mas assim como outros exageros e balelas enaltecidas pela Ditadura, o tempo vai destruir os mitos e o brilho dessa conquista. Acreditem ou não, em 2022, de ‘quando’ venho, o título da Minicopa sequer será lembrado ou citado entre os grandes momentos da história da nossa Seleção. Já a utilização do patriotismo e do futebol verde-e-amarelo na Política estará tão ou mais viva que agora. Em especial porque, em outubro de 2022, quando embarquei na Máquina do Tempo, estaremos às vésperas de uma eleição presidencial e também de uma Copa do Mundo. O triste é que com parte da população brasileira acreditando num discurso pela volta do Governo Militar, como se vivêssemos hoje, durante o regime autoritário, num país mais próspero e feliz. Pois saibam vocês que o presidente Médici, esse mesmo que em 1979 exigiu a convocação de Dario, ainda terá uns meses para se vangloriar do crescimento econômico (entre 75 e 13% ao ano) durante seu mandato, mas ano que vem, com as mudanças no cenário internacional e a falência das políticas de concentração de renda, já começa a viver o desfalecimento do chamado ‘Milagre Econômico’. E ao fim deste período negro de nossa história, anotem aí, os militares deixarão uma dívida externa de mais de 100 bilhões de dólares. E outra, moral, pelas atrocidades cometidas nos porões da Ditadura. A boa notícia é que a primeira um dia vai ser paga, mas este ‘gol’ será da Democracia.

A interferência e o uso político do futebol no Brasil tem feito mal ao próprio esporte. Criado ano passado, o Campeonato Nacional de Clubes (que em breve será rebatizado como Campeonato Brasileiro de Futebol), viverá anos sob a pressão de políticos para a inclusão de mais e mais times na disputa. Daqui a 7 anos, anotem, chegaremos aos inacreditáveis 94 clubes se enfrentando. A influência do partido do governo no Mundo da Bola fará o brasileiro, sempre bem-humorado, criar, nas ruas, uma modinha oportuna e maliciosa: “Onde a ARENA vai mal, mais um time no Nacional. Onde vai bem, outro time também”. Mas depois, com mais participação e debate, vamos melhorar, fixando em 20 o número de equipe no principal torneio nacional. Coisas da Democracia…

Eusébio, craque de Portugal, antes de jogo com a seleção brasileira -
Eusébio, craque de Portugal, antes de jogo com a seleção brasileira –

Voltando ao jogo, registre-se que é mesmo muito bom este time de Portugal, e sua qualidade vai além do craque Eusébio, com outros nomes do Benfica, como Jaime Graça e Humberto Coelho, além de Dinis e o insinuante Peres. Todos marcados com eficiência pela defesa brasileira, que saiu-se bem com Piazza no banco. O Brasil esteve melhor o tempo todo, mas não conseguia marcar o gol. Tostão, com a camisa 10 do ‘Rei’, foi o nome do jogo, mas saiu dos pés de Rivellino, que jogou com o 9 nas costas, o passe, em cobrança da falta, que originou o gol brasileiro – ainda bem, porque Jairzinho foi derrubado nitidamente dentro da área, em erro ‘gritante’ do árbitro israelense Abraham Klein. Era muita gente mandando vibrações positiva aos jogadores. Afinal, passados dois anos do Tri, hoje já somos mais de ’90 milhões em ação’. Precisamente 99,86 milhões! Quase 100!

Não sei se por praga dos gaúchos, ainda inconformados com a ausência do lateral-esquerdo gremista Everaldo na Seleção, mas pouco depois da primeira hora de partida o novo titular da camisa 6, Marco Antônio (Fluminense), contundiu-se, abrindo a primeira oportunidade para o rubro-negro Rodrigues Neto. Mas em 1974, já adianto, o dono da posição será um jogador de Natal, no Rio Grande do Norte, com cabelos alourados e que vai estrear no Botafogo daqui a exatos dois meses, dia 9 de setembro, marcando, inclusive, o único gol da futura vitória do alvinegro carioca. Vocês hão de lembrar de mim quando acontecer…

A entrada de Dario na segunda etapa, no lugar de Leivinha, aumentou o poderio ofensivo de nosso escrete. Mas também abriu brechas para os portugueses, que chegaram a acertar o travessão num dos perigosos contra-ataques. Mas era mesmo dia de festa, que começara no jogo da Preliminar, em que decidiu-se o terceiro lugar do torneio e, para delírio da torcida brasileira, os argentinos levaram um ‘sacode’ de 4 x 4 da Iugoslávia, em jogo que por pouco não acabou aos 23 minutos da etapa final, quando uma troca de socos entre dois atletas detonou uma pancadaria geral em campo, por sete ‘animados’ minutos.

Derrota dos rivais, vitória sobre o time de Eusébio, Brasil campeão… Os torcedores mais empolgados deixaram o Maraca, já de noite, olhando pro céu e cantarolando aquela canção: “O céu do meu Brasil tem mais estrelas… Lalaiá-la!” … E depois, em coro: “Eu te amo, meu Brasil, eu te amo! / Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil / Eu te amo, meu Brasil, eu te amo!” Quando chegar de volta ao futuro, vou lembrar desses versos não apenas ao torcer pela Seleção na Copa de 2022 mas também ao entrar na cabina para escolher o nosso Presidente. O Brasil é o país do amor!

PRA VER O GOL DE JAIRZINHO NO JOGO

PRA VER LANCES DE TOSTÃO NA PARTIDA

PRA VER LANCES DE PERES, DE PORTUGAL, NA PARTIDA

PRA VER O JOGO INTEIRO

PRA VER A ESTREIA DE MARINHO CHAGAS NO BOTAFOGO

FICHA TÉCNICA
BRASIL 1 x 0 PORTUGAL

Competição: Final da Taça Independência (ou ‘Minicopa’), torneio realizado pelos 150 anos da independência do Brasil
Data: 09 de julho de 1972
Local: Estádio Mario Filho (Maracanã)
Horário: 18h
Público: 99.138 pagantes
Renda: Cr$ 2.528.885,00
Árbitro: Abraham Klein (ISR)
Auxiliares: Keith Walker (ING) e Guillermo Velásquez (COL)

BRASIL: Leão, Zé Maria, Brito, Vantuir e Marco Antônio (Rodrigues Neto); Clodoaldo, Gérson e Tostão; Jairzinho, Leivinha (Dario) e Rivellino. Técnico: Zagallo

PORTUGAL: José Henrique, Artur Correia, Humberto Coelho, Messias e Adolfo Calisto; Jaime Graça, Toni e Fernando Peres; Rui Jordão (Arthur Jorge), Eusébio e Joaquim Dinis. Técnico: José Augusto

Gol: Jairzinho, aos 44′ do 2º tempo

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