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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

O gol de ‘pé-de-coelho’

Já que Galo e América jogam na Libertadores, Comentarista vai a 1948 ver guarda desviar bola do título e revelar o futuro da Sorte e dos mascotes no futebol

Albert Einstein e Mark Twain são só alguns dos grandes pensadores da Humanidade que chegarão ao Século 21 disputando a autoria desta frase: “O único lugar onde Sucesso vem antes do Trabalho é no dicionário”. Em 2022, de ‘quando’ venho, Einstein estará ganhando a disputa nas estampas de camisetas, mesmo o idioma alemão invertendo a lógica entre “Arbeit” (trabalho) e “Erfolg” (sucesso). Pois aproveito minha viagem no Tempo para deixar com vocês, queridos leitores e leitoras de 1948, minha contribuição à Filosofia: “O único lugar onde Sucesso vem antes do Trabalho é no dicionário. Mas na frente dos dois está a Sorte”. E que registre-se o autor! Só mesmo os bons ventos do destino explicam o lance que ontem deu ao América o título do Campeonato Mineiro, na tumultuada vitória de 3 x 1 sobre o rival Atlético. No melhor dialeto de Minas, a bola de fato ‘relou’ no pé de um guardinha, que deveria estar patrulhando mas decidiu ficar torcendo à beira do gramado – ele e seu ‘dedão sorrateiro’. Mas nada proposital! Deu pra ver que o cidadão estava tão compenetrado na partida que nem percebeu que seu ‘corpitcho’ ultrapassara os limites do campo. O episódio faz crer que a Taça foi decidida há três anos, quando os dois clubes escolheram seus mascotes. O América assumiu como talismã um fofíssimo leporídeo, que, como se sabe, tem na pata poderoso amuleto – responsável pelo surgimento providencial do tal guarda, o ‘pé-de-coelho’ da conquista. 

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A Sorte sempre sofreu e sofrerá tentativas de bani-la do futebol – em parte pela aquela mania de acharem que o esporte é um mundo à parte da vida normal. Tropece na primeira pedra aquele que tenha uma profissão em que Ela – a Sorte – não exerça influência no rumo das coisas. Nos gramados, é a bola que bate caprichosamente nas duas traves, o jogador que se lesiona e é cortado na véspera da estreia na Copa ou o guarda municipal que calça uma botina ‘43 bico-largo’ e não 37… Não existe time campeão sem Sorte! No Rio, o Botafogo vai viver dias gloriosos nos anos 50 e 60 mas chegará aos ‘anos dois mil’ marcado por uma frase: “Há coisas que só acontecem com o Botafogo…” Na Europa, uma fortíssima equipe – omitirei o nome – perderá, daqui a seis meses, todos os seus craques num acidente aéreo, caindo numa crise que vai perdurar por mais de 10 anos. As vitórias só voltarão com o surgimento de um craque, de apelido Gigi, mas por pouco tempo, pois o jogador vai morrer precocemente, atropelado por um motorista que, depois saberemos, será torcedor fanático do clube. Por conta das duas tragédias, este time sempre figurará no topo das listas – no futuro, teremos fixação por listas – que apontem os times mais azarados do mundo. Por mais macabro que soe, a verdade é: Sorte dos adversários!

Ontem, até cara-ou-coroa o América ganhou. E foi depois do polêmico e improvável tento, e não antes, que deu-se o maior bafafá na área, com os inconformados atleticanos trocando sopapos com jogadores e torcedores do time da casa. Reiniciado o jogo, o Atlético não esmoreceu na busca pelo empate que lhe daria o inédito tricampeonato. Veio até um segundo gol, que manteria vivas suas esperanças, mas foi anulado, gota d’água para nova pancadaria em campo e a ida mais cedo para o vestiário, encerrando a partida antes da hora. Após 15 minutos de espera, ouviu-se o apito final. E a decisão ficou entregue à própria Sorte…

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Os mascotes dos clubes mineiros
As mascotes originais dos clubes mineiros

ALERTA DE SPOILER: a torcida americana pode comemorar tranquila, pois o triunfo será confirmado pela justiça esportiva daqui a seis meses. O jogo – que ganhará a História como ‘Gol do Guarda’ – encerra o jejum de 23 anos do time, iniciado após o deca-campeonato (1916/1925). Assim, Coelho e Galo (mascote escolhido pelo Atlético) igualam-se no número de conquistas estaduais, com 11 para cada lado. Sinto informar, porém, que nos próximos 74 anos o amuleto americano vai imitar o guardinha municipal e não cumprir com suas obrigações. Serão apenas mais cinco títulos mineiros até 2022, fazendo com que, creiam-me, a principal rivalidade em Minas passe a ser entre Atlético e Cruzeiro, outro que adotou um animal como mascote, a Raposa. Espertinhos… 

Calma, americanos! Não precisa demitir o simpático láparo esverdeado e empossar no cargo uma ‘Comissão de Mascotes’, chamando a Figa, o Trevo-de Quatro-Folhas, a Ferradura e o Dente-de-Alho. Também trago boas novas de 2022, quando o Coelhão estará retomando sua trajetória de vitórias e conquistas, disputando inclusive, e pela primeira vez, uma Libertadores da América, no mesmo grupo do Galo, e sua relevância no futebol mineiro, ajudado por uma fase braba do Cruzeiro. Terá estádio próprio, finanças sanadas e ótimas perspectivas numa espécie de ‘nova ordem’ que veremos se instalando no futebol brasileiro. Tudo graças a muito trabalho, planejamento e, claro, pitadas daquele ingrediente essencial…

O América mineiro flerta com a Sorte desde sua criação, em 30 de abril de 1912, quando a pequena Alda Meira, irmã de um dos fundadores – todos de famílias da elite, moradores dos arredores das ruas Bahia e Timbiras –, meteu a mãozinha numa cumbuca e sacou os dois papeizinhos que decidiram o nome, América Foot-Ball Club – vencendo ‘Arlequim’, ‘Guarany’ e ‘Tymbiras’ –, e as cores oficiais, o verde-branco, no ano seguinte acrescidas pelo preto. Mas nesta decisão não ficou parado, esperando a Sorte chegar. Como se sabe, o presidente do clube, Alair Couto, conclamou as demais torcidas do Estado a se juntarem para torcer contra o alvinegro e o tri. Deu certo. Tanto que de hoje em diante o confronto será chamado de “Clássico das Multidões’. 

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Era tanta gente nas arquibancadas, que o alambrado cedeu, provocando, por Sorte, apenas ferimentos em torcedores e a primeira paralisação do jogo, ainda no primeiro tempo. Até mesmo as interrupções ajudaram, isto é, deram sorte ao América. Assim como o veto da Federação à escalação do juiz Alcebíades de Magalhães Dias, notório torcedor atleticano, também conhecido pela alcunha de ‘Cidinho Bola Nossa”, desde o dia em que apressou um jogador do Atlético a bater um lateral dizendo: “Vai, Vai, que a bola é nossa!’. Ainda bem que os protestos do América não impediram o fim do amadorismo no esporte (este jogo será considerado o primeiro da nova era, de profissionalismo, em Minas). Sorte do futebol!

Os americanos são tinhosos. Além de terem passado 10 anos (1933/1942) jogando de uniforme vermelho para marcar sua posição pelo futebol amador, jamais farão alterações em seus principais símbolos. Torcedores ilustres, como o atual alcaide de ‘Beagá’, Juscelino Kubitschek, o ‘Prefeito Furacão”, é mais um exemplo: não vai sossegar até levar suas ideias de modernização pra todo país, mas antes disso, anotem, ainda passa uma temporada por aqui como Governador. Foi também a determinação que fez o clube ampliar este ano as instalações do imponente Alameda, aumentando de 5 mil para 15 mil a capacidade de público. Além do título que quebra o jejum, o novo Alameda foi palco de outro triunfo americano, na badalada ‘Taça dos Campeões’, competição interestadual que reuniu as melhores equipes do Brasil. Estádio pé-quente! 

Mas o charmoso ‘Alameda’, que só perde em tamanho para Pacaembu e São Januário e é do América desde 1929, está com seus dias de glórias contados. A notícia boa é que a realização da próxima Copa do Mundo em terras brasileiras vai deixar como legado à cidade um novo templo do futebol, que chamaremos ‘Independência’ e também terá o Coelhão como ‘dono da casa’, após doações e trocas com o poder público. Sorte?

Já aquela outra palavra, o antônimo, sabe? Aquela que a gente não deve falar nem escrever… Era o que o destino reservava ao goleiro Kafunga na tarde com nuvens carregadas de ontem. Nos primeiros instantes após o chute de Murilinho e o terceiro gol americano, aos 3’ do 2º Tempo, pairava nos ares do Alameda a certeza de que fora um ‘frango’, mas somente até os zagueiros americanos começarem a bradar ao juiz pelo desvio ilegal na botina do policial. Pobre Mr. Barrick, juiz inglês trazido para ‘Belzonte’ por intermédio da Federação Carioca. Se o sujeito não fala uma palavra de português, como ia compreender alguma coisa, ainda mais a rocambolesca história de que a pelota mudou de direção após desviar no guardinha? Deu pena assistir aos jogadores do Atlético tentando se fazer entender:

_ Ból ‘no’ pulice! Mister, plisi, ból ‘no’ fut ‘do’ pulice!

Alguns, desesperados, pareciam apelar para a mímica, rodando os indicadores no ar e fazendo grunhidos de sirene…

_ Uam! Uam! Uammmm.. Pulice! Ból ‘no’ police!

Não deu. Juiz inglês… Novo golpe de Sorte do América. Mas aos atleticanos que me leem não faltam alentos. No confronto direto, chegarão a 2022 com 205 vitórias, contra 115 do rival. Em número de títulos estaduais, a diferença chegará a 47 conquistas alvinegras contra apenas 16 do Coelho (Cruzeiro, 38). O clube terá então um time fortíssimo, atual Campeão Brasileiro (2021), mas isso após amargar fila de 50 anos (seu primeiro título nacional será em 1971), sinal de que o mascote Galo também vai tirar seus dias de férias, para desgosto de seu criador, Fernando Pieruccetti, o ‘Mangabeira’, do jornal ‘Folha de Minas’. O cultuado ilustrador e chargista também é ‘pai’ do Coelho (América) e da Raposa (Cruzeiro) e de outros bichinhos-talismã do futebol mineiro, como o Tigre do Sete de Setembro, a Tartaruga do Siderúrgica e o Leão do Villa Nova. Mas que ninguém ouse chamar o artista de ‘pé-frio’, pois será ele o primeiro a rabiscar, em 1954, um Canarinho como ícone da Seleção Brasileira – e nosso escrete, podem anotar, daqui a dez anos entrará numa rota de décadas com Sorte e Sucesso no futebol.

Mascotes ‘fofinhos’ e infantilizados serão apenas lembranças do passado em 2022. Inspirados talvez na postura truculenta de animais-símbolo de equipes esportivas dos EUA, os times de futebol no Brasil vão embarcar numa onda mais, digamos, ‘agressiva’, E o rebatizado ‘Galo Doido’, do Atlético, será um dos mais aparentemente afeitos a uma rinha, chegando ao cúmulo de, durante a comemoração de um gol, peitar os jogadores adversários, sendo punido por isso. Até o selecionado nacional vai lançar, em 2016, um Canarinho ‘repaginado’, com cara de mau, enfezado, e que ganhará apelido nada amigável, ‘Canarinho Pistola’, levando aos campos mau-humor e não Sorte.

O ‘pé-de-coelho’ ontem funcionou e afortunados os americanos que, há poucos anos, rechaçaram o primeiro mascote criado por ‘Mangabeira’ para o clube, o ‘Pato Donald’ – seria americanismo demais! É teimosia acreditar que ela _ a Sorte _ não tem protagonismo no futebol. “Pênalti é loteria!”, alguém já disse ou dirá. Pois saibam que no próximo século seremos tomados por uma mania de numeralhas e estatísticas dos jogos, surgindo até pesquisadores sérios, com rocambolescas fórmulas e teorias, garantindo ter provas matemáticas sobre o êxito ou não na cobrança de penalidades máximas. Poupem-me! Futebol é como a Sorte: não se explica.

 

PARA CONHECER A HISTÓRIA DO ITALIANO GIGI

https://www.youtube.com/watch?time_continue=47&v=Fnr4HjGl8C4&feature=emb_logo&ab_channel=famila76

FICHA TÉCNICA

AMÉRICA (MG)  3 X 1 ATLÉTICO (MG)

Competição: Campeonato Mineiro de 1948

Local: Estádio Otacílio Negrão de Lima (Alameda), em Belo Horizonte

Data: 28 de novembro de 1948

Horário: 16hs

Público: 15.075

Renda: Cr$ 200.620,00

Árbitro: Cyril John Barrick (Inglaterra)

Assistentes: Alcebíades de Magalhães Dias (o outro é desconhecido)

AMÉRICA: Tonho; Didi, Lusitano; Jorge, Lazarotti e Negrinhão; Hélio, Elgen, Petrônio, Valsechi e Murilinho

Técnico: Yustrich

ATLÉTICO (MG): Kafunga; Murilo Silva e Ramos; Mexicano, Monte e Afonso; Lucas, Lauro, Carlyle, Alvinho e Nívio Técnico: Campeão

Gols: Primeiro Tempo: Murilinho (aos 3’) e Hélio (42’), para o América; Nívio (aos 43’) para o Atlético; Segundo Tempo: Murilinho, aos 3’, para o América

Obs.: Jogo encerrado aos 68’ do 2º T

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