Maior jogo da história do Brasileirão… Ou não?
Comentarista vai à final de 1986, entre Guarani e São Paulo, e dá ‘spoilers’ sobre as futuras listas apontando melhores e piores partidas de todos os tempos
Nick Hornby é um ainda desconhecido mas promissor jornalista e escritor inglês que vai estrear nas prateleiras, daqui a seis anos, com um livro (quase autobiográfico) sobre a paixão pelo Futebol. A segunda investida na Literatura, três anos depois, será sua maior contribuição à cultura pop, ao registrar e consolidar um comportamento que, já a partir da derradeira década deste Século, se tornará mania mundial: fazer listas sobre os melhores e piores em qualquer dos ramos do conhecimento humano, frívolos ou não. Coisas de passagens de Século, imagino, embora ninguém tenha tido ideia ou impulso semelhantes nas dezoito que já ocorreram em quase 2.000 anos. Os melhores jogos deste ou daquele campeonato de Futebol, obviamente, não escaparão da tecla Tab, provocando deliciosas e acaloradas resenhas. Revelo a vocês, queridos leitores e leitoras de 1987, que em 2022, de ‘quando’ venho, formar listas ainda nos trará prazer especial – como um tempero gostoso na chamada vã existência – e, no escaninho da Bola, a partida que vimos ontem, entre Guarani e São Paulo, final do Brasileiro do ano passado, vai figurar sempre como o melhor ou ao menos entre ‘Os cinco melhores jogos de todos os tempos no Campeonato Brasileiro’. Alguém aí já vai começar a discordar?
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Sugiro que façam, todos vocês, um exercício de vanguarda experimentando o que digo: arrolar os cinco (ou 10) confrontos mais épicos do nosso Futebol até aqui. Claro, pois em se tratando de listas é fundamental definir de que período exatamente estamos selecionando. Dentro de 35 anos, serão tantas as listagens que teremos ‘Os melhores jogos do Século 20’, ‘Os melhores do Século 21’, e outros recortes, como ‘Os maiores jogos do Brasileiro pós-pontos coloridos’ – sim, assumiremos a forma de disputa a partir de 2003, fazendo com que finalíssimas como esta que deu o título ao tricolor paulista entrem também em outras pautas tabuladas, tipo: ‘As cinco coisas de que mais temos saudade no Futebol’ …
Que jogo, meus caros, que jogo! Não é todo dia que dois times disputam uma taça com 1 x 1 no tempo normal, 2 x 2 na prorrogação (com gol aos 14 minutos da segunda metade) e placar somado de 3 x 3 que os levem a pênaltis… O São Paulo, todos sabemos, não era o favorito (a equipe campineira tinha a melhor campanha da competição e decidiria em casa), mas alcançou o tão sonhado Bi, oito anos após seu primeiro triunfo nacional – calando a torcida brugrina, maioria entre os 37.370 mil torcedores presentes. Minto: 37 mil, trezentos e setenta e um! Já ia esquecendo de mim mesmo… E afirmo que vivi ontem uma das cinco mais emocionantes viagens ao passado desde que comecei a singrar pelas décadas em busca dos grandes momentos do Futebol. Com dois minutos de jogo, o Guarani saltou à frente com o gol-contra do lateral Nelsinho. Mas foram necessários apenas mais 7 para o volante Bernardo, de cabeça, empatar. E assim ficamos até o final, obrigando mais 30 minutos, já que também dera empate no primeiro confronto da decisão (há três dias, no 1 x 1 com gols de Evair e Careca). Resultado: veio aquela que podemos relacionar entre ‘As maiores prorrogações de todos os tempos’.
De tirar o fôlego. Pita virou para o São Paulo, mas cinco minutos depois Boiadeiro empatou. Troca de lado. Mal sai a bola e pimba! Nova virada, João Paulo, Guarani 3 x 2. Parecia que o caneco ficaria por ali mesmo, em Campinas, mas no último lance do jogo, chutão desesperado de Wagner Basílio (certamente um dos ‘cinco chutões mais eficientes da história’), resvalada de Pita com a cabeça (igualmente listável) e o arremate canhoto de Careca: 3 x 3, que viessem as penalidades! A tensão no estádio silenciou a torcida do Bugre e desestabilizou os dois primeiros cobradores: Boiadeiro perdeu e, em seguida, foi a vez do artilheiro do campeonato (25 gols), Careca, desperdiçar. Os Deuses do Futebol pareciam pedir pra que a partida não findasse jamais.
Tosin e Darío Pereyra converteram: 1 x 1. Veio o habilidoso João Paulo e, surpresa geral, mandou a bola pro Morumbi, a quilômetros de distância. E em seguida o são-paulino Rômulo: 2 x 1 pro tricolor paulista. Waldir Carioca e Fonseca: 3 x 2. Evair empatou, deixando a pelota quente nos pés do Wagner Basílio. A cobrança foi fraca, Sergio Néri ainda tocou na bola antes dela entrar, caprichosamente, quicando, na meta. 4 x 3! São Paulo Campeão Brasileiro de 1986. Como Careca teve protagonismo tanto na campanha como na final, no futuro hão de dizer: ‘Uma das 10 maiores finais decididas com gol de ‘Lei do Ex’’. Explico: chamaremos assim os tentos assinalados por um jogador contra seu ex-clube. E Careca, isso não é novidade, foi criado e apresentado ao mundo do Futebol pelo Guarani. O atacante marcou em cinco dos seis jogos de mata-mata que levaram os são-paulinos à final. Boto ele no meu elenco dos ‘cinco maiores centroavantes da história do futebol nacional’.
O inesquecível Flamengo 3 x 2 Atlético-MG, a final de 1980, é um dos jogos que sempre rivalizarão pela cabeça da lista dos melhores de todos os tempos. Assim como a final de 1975, Internacional 1 x 0 Cruzeiro, e o Fluminense 1 x 1 Corinthians pela semifinal de 1976. Entre os jogos que vocês ainda vão testemunhar, sempre será destacado um futuro Santos 4 x 5 Flamengo, que se dará em 2011, com o Santos chegando a estar vencendo por 3 x 0. Os cinco maiores jogos da história das Copas? Pensem aí, mas garanto que no próximo Século será impossível não incluir na lista a final que acontecerá em 2002, com Brasil em campo. Mas teremos vaga cativa também em outra seleção, mesmo feliz: ‘As mais vexatórias goleadas sofridas em Copas do Mundo’: 7 x 1, aguardem…
Posso revelar outros itens da lista de “maiores surpresas que o futuro reserva ao nosso futebol’. Um dos mais apagadinhos na peleja de ontem, atleta bugrino, creiam-me, será técnico da Seleção Brasileira nas Copas de 2018 e, pelo previsto, 2022. Também no Século 21, o Guarani vai amargar uma das ‘cinco piores pindaíbas entre os grandes times brasileiros’, mofando na Série C, mas recuperando-se. O São Paulo, por sua vez, chegará a 2022 como um dos poucos (três) clubes de grande torcida a nunca caírem para a Segunda Divisão e ostentando a marca de ser o time com o maior número de vitórias no Brasileiro. No período considerado, entre 1951 e 1921, acumulará 676 triunfos em 1538 jogos disputados, seguido de perto por Palmeiras, Inter, Atlético… E neste caso não vai se tratar de lista aleatória, será estatística mesmo.
Como o mais gostoso é criar listas sem qualquer lastro ‘científico’, segura essa: ‘Os cinco fatos mais importantes de 1986’! Posso mandar? 1) a passagem do Cometa Halley, claro; 2) a explosão do Ônibus Espacial Challenger, matando os sete tripulantes; 3) O acidente nuclear de Chernobil, na Ucrânia; 4) O lançamento do Plano Cruzado; e… Com todo respeito à Copa do México e à estreia do ‘Xou da Xuxa’ na Globo, cravo: 5) a maior de todas as finais de Brasileiro, Guarani 3 (3) x 3 (4) São Paulo. Discorda? Cartas pra redação! Em menos de 40 anos, prometo ler e responder, anexando ‘As cinco mais longas resenhas da História’. Tá sentindo falta da lista dos piores jogos? Fica pra outra viagem …
PARA VER LANCES DO JOGÃO
https://www.youtube.com/watch?v=1Gv8_2CQ8PA&ab_channel=FUTN%C3%81TICO
https://www.youtube.com/watch?v=jOLsGwWYnlg&ab_channel=moraisjose
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FICHA TÉCNICA
GUARANI 3 x 3 SÃO PAULO
Tempo normal: 1 x 1; Prorrogação: 2 x 2; Pênaltis: 4 x 3 para o São Paulo
Competição: Campeonato Brasileiro de 1986 (Final)
Data: 25 de fevereiro de 1987
Local: Estádio Brinco de Ouro da Princesa, Campinas (SP)
Público: 37.370 pagantes
Renda: Cz$ 4.222.000,00
Árbitro: José de Assis Aragão
Assistentes: João Massonetto (SP) e Luiz Alfredo Bianchi (SP)
GUARANI: Sérgio Neri; Marco Antônio, Waldir Carioca, Ricardo e Zé Mário; Tite (Vagner), Tosin e Marco Antônio Boiadeiro; Catatau (Chiquinho Carioca), Evair e João Paulo
Técnico: Carlos Gainete
SÃO PAULO: Gilmar; Fonseca, Wagner Basílio, Darío Pereyra e Nelsinho; Bernardo, Silas (Manu) e Pita; Müller, Careca (capitão) e Sídnei (Rômulo)
Técnico: Pepe
Gols: Nelsinho (contra), aos 2′; Marco Antônio Boiadeiro, aos 9′ do 1ºT; PRORROGAÇÃO: Pita, 1′; Bernardo, aos 9′ do 1ºT (pro); João Paulo, aos 2′ e Careca aos 14′ do 2ºT
Penalidades, em lista:
- Boiadeiro – perdeu (Gilmar pegou) / Careca – perdeu (Sérgio Neri catando)
- Tosin – gol / Darío Pereyra – gol
- João Paulo – perdeu (chutou por cima) / Rômulo – gol
- Waldir Carioca – gol / Fonseca – gol
- Evair – gol / Wagner Basílio – gol
Cartão Vermelho: Vagner, aos 12′ da prorrogação.
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