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O Comentarista do Futuro ícone blog O Comentarista do Futuro Ele volta no tempo para dar aos torcedores (alerta de!) spoilers do que ainda vai acontecer

Fio Maravilha: a maior homenagem da MPB ao futebol

Cronista viaja 50 anos para testemunhar o gol contra o Benfica (POR) que inspirou Jorge Ben (Jor) e lista o ‘Top 5’ das canções sobre o esporte

Conselheiro Pena é um pacato porém decente município mineiro fundado há 34 anos no Vale do Rio Doce, a cerca de 400 quilômetros da capital Beagá. Foi lá que nasceu o nosso herói da semana, artilheiro solitário dessa noite quente de sábado no Maracanã: o sempre surpreendente e bem-humorado Fio, autor do tento da vitória do Flamengo (1 x 0) sobre o Benfica. Os quatro algarismos do ano que se inicia, queridos leitores e leitoras de ‘1972’, deveriam ganhar uma estátua na praça central da cidade mineira, pois serão dois os filhos da terra que, até 31 de dezembro, eternizarão seus nomes na história do nosso futebol e da música brasileira. O primeiro deles testemunhamos ontem, no lance de gol do atacante rubro-negro que, revelo a vocês, vai virar canção do jovem talento Jorge Ben, brilhar em festivais e nas discotecas de Paris, sendo em 2022 – de ‘quando’ venho – ainda popularmente conhecida e cantarolada, em especial pelo seu refrão. No segundo semestre, anotem, será a vez de surgir no cenário nacional o cantor e compositor Fernando Mendes, que brilhará por anos nas emissoras e paradas musicais e é mais uma cria talentosa da pouco conhecida Conselheiro Pena. Então fica a dica pra Prefeitura e à Secretaria de Turismo da cidade: vocês têm 50 anos para mudar este futuro e fazer do lugar um destino obrigatório para os fãs e amantes da bola e do nosso cancioneiro popular. E não cobrarei royalties por isso.

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Cobrar dinheiro e ‘prováveis’ direitos autorais será, curiosamente, o momento mais turvo e desagradável deste belo capítulo do futebol brasileiro que teve início ontem. Já adianto a todos que, por conta da tal música, o querido, inconfundível e folclórico Fio vai ganhar um epíteto que o acompanhará ‘ao infinito e além’ (Nota do cronista: atenção futuro, registrei a expressão!): ‘Maravilha’. Isso mesmo: por conta da letra do refrão, passaremos a chamar o atacante de ‘Fio Maravilha’. Posso garantir que até 2022 não existirá no cancioneiro nacional uma música que homenageie algum jogador e alcance tanta popularidade como esse futuro ‘hit’ de Jorge Ben. E diante deste sucesso e de olho numa possível participação nos rendimentos da canção, um advogado ‘mui amigo’ do atacante vai interpelar o cantor na Justiça, gerando mal-estar e um quiproquó danado, a ponto de o artista vir a trocar a letra e passar a cantar “Filho Maravilha!” no refrão. Mas só por um tempo. Uma reportagem de TV intermediará o cachimbo da paz e, esclarecidos os mal entendidos, seguirão todos as suas sinas de vida: Jorge Ben mudando de nome duas vezes (será Jorge ‘Benjor’ e depois ‘Ben Jor’) e gravando mais sucessos; Fio Maravilha voltando a ser João Batista de Sales e entregando pizza nos Estados Unidos, onde ainda estará em 2022, aposentado, feliz… E eterno.

À torcida do Flamengo, sinto informar que seu ídolo – foram os gritos da galera que fizeram o técnico Zagallo botar Fio em campo, já na reta final do segundo tempo – infelizmente vive mesmo seus últimos meses na Gávea. Quase trocado recentemente por Alcindo, do Grêmio, o goleador em dezembro lá não mais estará. De nada vai adiantar este gol memorável, e nem a prova de amor ao clube que deu, ao entrar em campo estando há 15 dias sem contrato assinado. A notícia boa que trago do futuro é que, ainda este ano, vai ajudar (mesmo com poucos jogos) o Flamengo a sagrar-se campeão carioca, interrompendo os sete anos de jejum. Ao partir, revelo, ainda salvará mais uma vez o clube, e desta vez não como fez nos últimos anos, marcando gols improváveis com suas jogadas desengonçadas e por vezes eficientes. Explico: no fim do ano um dirigente da Desportiva Ferroviária (ES) irá ao clube carioca fazer um acordo e, no momento de escolher um atleta para seguir para o Espírito Santo, apontará para um jovem franzino entre os reservas rubro-negros. E Zagallo vai interceder, oferecendo Fio para a transação. Ou seja: os flamenguistas terão que agradecer eternamente a Fio por não perderem aquele menino magro em início de carreira. Anotem o nome, pois em breve ele vai mostrar o seu valor: Zico.

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Esse mesmo talentoso rapaz – alerta de mais um ‘spoiler’ – também vai, daqui a quatro anos, ganhar uma canção-homenagem de Jorge Ben, mas, como já disse, sem o mesmo sucesso que a tal ‘Fio Maravilha’, que vocês ainda vão conhecer. Quem quiser ter prévia da música, passe a frequentar as noites na boate Number One, em Ipanema, no Rio, onde em setembro o próprio autor vai subir no pequeno palco para dar uma canja e mostrar pela primeira vez sua nova música, até ali inédita, claro. E a primeira demonstração da força da melodia será dada ainda este ano, no Festival da Canção, quando todo o Maracanãzinho cantará o refrão junto com a intérprete, uma novata, a também mineira (de Cataguazes) Maria Alcina, que não por acaso tem se apresentado na mesma casa noturna. Como se vê, o Universo conspirando a favor…

Sorte é algo que nunca faltou nem faltará ao extrovertido e brincalhão Fio Maravilha (é melhor irem se acostumando ao novo nome). Como muitos sabem, quem o trouxe, ainda menino, ao Flamengo foi seu irmão mais velho, o ponta-esquerda Germano – aquele mesmo que jogou no Milan, da Itália, casou com uma condessa, foi expulso pelo pai racista da noiva, veio pro Palmeiras… –, certo? Errado. No próximo século, o jogador vai contar que veio de Minas para Niterói com este intuito, mas como o mano famoso nunca vinha buscá-lo para apresentar ao rubro-negro, foi um amigo da família, outro legítimo ‘conselheiropenense’ com quem estava hospedado, que fez as vezes de padrinho. Já são quase 10 anos na Gávea e, desde que entrou no time titular (1965), caiu nas graças da torcida, seja pelo futebol imprevisível, abusado e proeminente (como sua arcada dentária) ou pelo jeitão simples e autêntico. Daí ser responsável pelo fato de muitas crianças se encantarem pelo Flamengo, como o garoto Claudio Besserman Vianna, 10 aninhos, que no futuro confessará ter escolhido o time de coração pelo fascínio por Fio Maravilha – isso quando já estiver famoso, adotando a alcunha de, anotem, Bussunda. Daí também ser Fio um dos campeões em número de cartas de fãs que chegam à portaria do clube, principalmente de mocinhas apaixonadas. Carisma não é beleza. Carisma é carisma.

Fio em edição de 1971 de PLACAR
Fio em edição de 1971 de PLACAR

A química com a massa rubro-negra rola desde que estreou, em 21 de abril de 1965, numa derrota de 3 x 0 para o Bahia, em amistoso no estádio da Fonte Nova. O primeiro gol? Foi em setembro daquele ano, num 2 x 2 contra o rival Fluminense, quem se lembra? Vai deixar o Flamengo com um total de 79 tentos assinalados em 289 partidas. Alguns até mais bonitos, mas nenhum imortal como o de ontem. Pra quem já bateu bola com Almir Pernambuquinho e outros craques não deve ser fácil ficar no banco vendo o Flamengo de Arílson e Cia Ltda. levar um calor do campeão português, mesmo sem a presença de Euzébio, lesionado. Fio já não tem vida fácil no clube faz tempo, principalmente depois da chegada do técnico Zagallo, em sua primeira vez comandando o time – aviso que serão três passagens dele como técnico na Gávea, totalizando 236 partidas (116 vitórias; 61 derrotas; 59 empates).  “Nunca me entendi profissionalmente com Zagallo. Ele queria que o time recuasse e eu só sabia e gostava de jogar indo ao ataque”, dirá um dia o artilheiro, mas sem esquecer de elogiar o treinador que comandou a conquista do Tri.

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“Sou o maior improvisador do futebol brasileiro”, será a frase mais célebre do atacante. De fato, é tamanha a força das improbabilidades quando no lance está Fio Maravilha (já se acostumaram?) que todo mundo quer dar uma ajudazinha ao ‘Inusitado’, até a bola e o gramado. Como esquecer aquele gol que fez contra o Vasco, certamente a mais espalhafatosa participação e coautoria em gol de um montinho artilheiro? Já viram, né? Mas nada tão icônico como a ‘jogadaça’ de ontem, queridos leitores e leitoras de 1972, um lance em que Fio Maravilha “tabelou, driblou dois zagueiros, deu um toque, driblou o goleiro” e “só não entrou com bola e tudo porque teve humildade em gol”… E ficam aqui minhas sugestões para os versos da música que está por vir. 

Personagem simples e autêntico, daí a identificação e o carinho do torcedor, tem o apelido ‘Fio’ por razões e raízes muito brasileiras: nasceu pela mania da mãe de chegar à beira do campo – fosse já na Gávea ou antes, nos campinhos de terra de Conselheiro Pena – gritando e chamando: “Ô, Fiiiiiiiooo!” Vai ser boa a festa na casa dos Sales, daqui a quatro dias, quando o atacante faz 27 anos. O ponta-esquerda Michila, vocês lembram, é o caçula dessa família mineira ‘que só, uai!’, mas desde sempre torcedora do Flamengo. A ligação de Fio com o clube é tão forte que em breve vamos ter a impressão de que é só com a camisa do Urubu que Fio consegue marcar gols. Ano que vem, por exemplo, vai entrar em campo pela Desportiva no Brasileirão em 14 jogos, sem marcar sequer um gol. Mas com o tempo irá relaxando e desencantando, sendo o ápice deste protagonismo justo numa futura partida (só não vou dizer o ano) em que o Flamengo será derrotado por 3 x 2 pelo São Cristóvão, após estar vencendo por 2 x 0, ambos os gols do menino Zico. Acreditem: a virada surpreendente terá Fio envolvido nos três tentos do ‘São-Cri-Cri’. Uma ‘maravilha’! Fio Maravilha!

Já revelo aos flamenguistas que, neste ano de adeus, Fio ganhará o carioca (como disse) e também este Torneio Internacional, vencendo o próximo confronto, contra o Vasco (1 x 0), e embora entrando também apenas no decorrer da partida (Ê, Zagallão teimoso!). Até pendurar as chuteiras, em 1985, Avaí, Payssandu, CEUB e Bangu serão outras camisas envergadas pelo atacante, antes de seguir para os Estados Unidos, um antigo sonho, onde defenderá o New York Eagles, o Monte Belo Panthers e San Francisco Mercury. Sim, é isso mesmo, existe futebol na América. E beisebol no Brasil também, aguardem… 

Mas só mesmo o bom e velho esporte bretão para nos propiciar emoções e cenas como as de ontem. Eram decorridos quase 30 minutos de jogo quando Arílson salta tentando escorar a bola para um companheiro, mas no choque com Malta vai ao chão, sentindo o corpão XXG do zagueiro do Benfica cair em cima do seu pobre e desavisado joelho. “Troca!”, gritou o médico, dedinhos girando acima da cabeça. Diante da lesão e sob os gritos da torcida pedindo o atacante, Zagallo manda Fio a campo – nas costas o premonitório 14, numeração que, daqui a dois anos, na Copa da Alemanha, anotem, ganhará os salões do Eterno com um habilidoso e inovador meia holandês, Cruijff, podem me cobrar. Aos 33’, veio a luz: Fio ‘tabelou’ (com Rogério), driblou dois zagueiros (o beque Messias e o lateral Artur), deu um toque e driblou o goleiro (‘Zé Gato’) e arrematou. Um ‘gol de classe em que ele mostrou toda sua malicia e sua raça’ – ôpa, mais uma sugestão de verso! Ontem mesmo já disse que preferiu não entrar com bola e tudo com medo de tropeçar. Figura, esse Fio!

Uma barbearia masculina e uma loja de linhas para a costura serão apenas dois dos negócios que em 2022 terão em seus nomes uma alusão ao mito que acaba de nascer: ‘Fio Maravilha’. Jogadores assim, que beiram o cômico mas surpreendem com repentinos lances geniais voltarão a encantar a torcida do Flamengo, em especial com dois nomes que antecipo aqui: Obina e Hernane, o ‘Brocador’, ambos no próximo século. Mas nenhum deles vai inspirar uma canção assinalando este que ‘foi mesmo um gol de anjo, um verdadeiro gol de placa’ – mais um verso pra ti, ‘Benja’! E já que, como contei em outras resenhas, nos ‘Anos Dois Mil‘  seremos todos acometidos pela mania de listas, finalizo deixando meu ‘Top 5’ de músicas brasileiras sobre futebol:

1 – ‘Fio Maravilha’ (Jorge Ben);

2 – ‘Um a Zero’ (Pixinguinha, clássico!)

3 – ‘É uma partida de futebol’ (canção que será sucesso a partir de 1996, com uma banda mineira cujo nome será referência a um tipo de maconha mais forte, novidade que ainda não chegou por aqui);  

4 – ‘Um a Um’ (de Jackson do Pandeiro, essas vocês conhecem, ou ao menos deveriam conhecer)

5 – ‘Camisa Dez’ (de Hélio Matheus e Luís Vagner, que será lançada daqui a dois anos, na voz de Luis Américo, aguardem…)

Não gostou? Discorda? Cartas para a redação. Mas informem aos Correios que a missiva precisa ser entregue em 2022. Até lá!

PARA VER O ‘GOL DE ANJO, GOL DE PLACA’

https://www.youtube.com/watch?v=qJHUWyoghvQ&ab_channel=LeandroZanotto

PRA VER LANCES DO FLAMENGO 1 X 0 BENFICA

https://www.youtube.com/watch?v=VmsjnMvTPSg&ab_channel=FabinhoCoelho

PRA VER LANCES DE FIO MARAVILHA 

https://www.youtube.com/watch?v=79xcfi_JPos&ab_channel=ViniciusFreitas1895

https://www.youtube.com/watch?v=zJqPMT6aAss&ab_channel=EsporteTotal

PRA OUVIR A NARRAÇÃO DO GOL PELA VOZ DE WALDIR AMARAL (RÁDIOGLOBO)

https://www.youtube.com/watch?v=b48hy1-NdIM&ab_channel=EduCesar

PRA OUVIR A GRAVAÇÃO ORIGINAL DE JORGE BEN (JOR)

https://www.youtube.com/watch?v=UKZKNPmJpd0&ab_channel=JorgeBenJor

PRA VER O ‘GENTE FINA’ FIO MARAVILHA DANDO ENTREVISTA JÁ APOSENTADO

https://www.youtube.com/watch?v=orvomMXjf0A&ab_channel=FLATV

PRA OUVIR AS OUTRAS CANÇÕES SOBRE FUTEBOL NO ‘TOP 5’ DO CRONISTA

‘Um a Zero’ (Pixinguinha)

https://www.youtube.com/watch?v=yLAh6-nxtk4&ab_channel=joaocarlosBarbosa

 ‘É uma partida de futebol’ (Skank)

https://www.youtube.com/watch?v=7Ie4oL17Nwc&ab_channel=SkankVEVO

 ‘Um a Um’ (Jackson do Pandeiro)

https://www.youtube.com/watch?v=ceygMz5XELw&ab_channel=JacksondoPandeiro-Topic

‘Camisa Dez’ (Hélio Matheus e Luís Vagner, com Luís Américo)https://www.youtube.com/watch?v=A0wXQ-f5bYA&t=18s&ab_channel=ValterSena

FICHA TÉCNICA

BENFICA 0 x 1 FLAMENGO

Competição: Torneio Internacional do Rio de Janeiro de 1972

Data: 15 de janeiro de 1972 (sábado)

Local: Maracanã, Rio de Janeiro 

Horário: 21h15

Público: 44.280 pagantes

Renda: Cr$ 282.727,00

Árbitro: Airton Vieira de Morais (Sansão)

BENFICA: José Henrique (‘Zé Gato’); Malta da Silva, Messias Timula, Rui Rodrigues e Artur Correia; Vítor Martins, Toni e Antônio Simões (António Calixto); Nené, Rui Jordão e Diamantino 

Técnico: Jimmy Hogan

FLAMENGO: Ubirajara Alcântara; Aloísio, Fred, Reyes e Paulo Henrique; Liminha, Rodrigues Neto e Rogério; Caio (Samarone), Paulo Cesar e Arilson (Fio Maravilha)

Técnico: Zagallo

Gols: Segundo Tempo: Fio Maravilha, aos 33’

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