Encontro de Gigantes
Comentarista viaja a 1963, ao jogo entre Brasil e Alemanha, e dá spoilers de deixar leitores zonzos, como Pelé, que desmaia em campo
Deixei 2022 minutos após triunfo tricolor no único clássico brasileiro cujo nome vai ganhar a linguagem popular – como adjetivo ou sinônimo de disputa. Entre seleções, posso adiantar, o Fla-Flu do futebol mundial será justamente o confronto que teve ontem, aqui em Hamburgo, seu primeiro registro oficial: Brasil x Alemanha. Por vários motivos, como virem a encabeçar a lista de países com mais títulos mundiais: nós com 5 (Sim, ‘cincão’! Uhu!) e eles, 4. De hoje ao início do próximo século, Escretes Nacionais viverão um apogeu, mas (alerta de spoiler!) daqui a 59 anos a Fifa estará tramando mudar o calendário de disputas internacionais, dando ao torneio entre clubes campeões – em seus continentes – o mesmo status de Copas. De fato, as agremiações estarão, usando um termo do futuro, mais ‘empoderadas’. Os ‘dérbis’ (jogos entre times rivais) moverão mais paixão entre torcedores e ainda terão o charme de ganhar alcunhas simpáticas, pouco comum em partidas entre seleções. Quer dizer… Sinto informar, caros leitores e leitoras de 1963, que a história do embate de Gigantes iniciada ontem vai gerar, sim, um apelido desagradável pra nós: ‘Mineiraço’. Se tem algo a ver com o ‘Maracanazzo’ de 13 anos atrás? Deixa quieto. Mas posso dizer que a linguagem das ruas criará mais um neologismo (adjetivo ou metáfora) para se referir à ‘tragédia’ ou uma ‘derrota acachapante’: ‘sete-a-um’.
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“Die Mannschaft” (“A Equipe”) é como o povo alemão gostará de chamar seu selecionado – a propósito, uma ‘good news’ (boa notícia) do Amanhã é que o planeta voltará a ter uma só Alemanha, unificada, mas ainda esperaremos 27 anos pra isso. Por enquanto, ao menos metade se orgulha e traz no peito e na memória a conquista da Copa de 1954, jogando em casa, de onde advém a fama de imbatíveis em seus gramados. Para piorar, o Brasil vinha em baixa nesta excursão meio louca pela Europa. As 3 derrotas (Portugal, Bélgica e Holanda) nos 4 amistosos disputados até aqui (mesmo com o show de Pelé contra a França, semana passada) aguçaram a descrença dos jornais brasileiros em vitória do escrete Canarinho. “Vencer a Alemanha, dentro da sua fortaleza inexpugnável que é o velho Volkspark Stadion, (…) façanha impossível por causa do penoso estado em que se encontra a nossa indigente e desnorteada seleção” – escreveu um deles. Lembrem-se da máxima: ‘Clássico é clássico!”, não se pode prever nada. E Brasil x Alemanha, posso garantir, será “O clássico” entre seleções.
As resenhas que venho escrevendo nas minhas viagens ao passado – acreditem, vocês, ou não – serão republicadas no Século 21. Em 2022, muitos dos ‘meus 17 leitores’ (essa é uma homenagem a um futuro craque, das palavras) vão discordar, defendendo relevância maior de Brasil x Itália, outro país a totalizar 4 Mundiais nas próximas décadas. “Ich bin nicht einverstanden” (Expressão germânica, algo como ‘na-na-ni-na-não!”).
No quesito ‘Finais de Copa’ enfrentando o Brasil, vai dar Itália: duas (1970 e 1994) contra uma com os germânicos (todas com triunfo da nosso escrete!!!!). Mas Brasil e Alemanha virão a decidir uma Olimpíada (2016) – que no futuro envolverá atletas já em atividade profissional, diferentemente dos Jogos de Helsinque, há 11 anos, quando se enfrentaram com selecionados não oficiais (vitória alemã na prorrogação, lembram?) –, e construirão rivalidade repleta de curiosidades únicas. “Passen Sie mal auf…” (Algo como ‘tá ligado?’)
Ontem, por exemplo: Pelé suou um bocado, indo de um lado pro outro do campo, sob dura marcação alemã. Quase no fim do primeiro tempo, numa disputa com um daqueles alemães parrudos, o Rei levou uma bolada e desmaiou no gramado, em cena que jamais se repetirá. Foi um baita susto para a torcida (spoiler triste: em 2022, de ‘quando’ venho, já serão mais de 130 os registros de morte de jogadores em campos de futebol). Mas o camisa 10 levantou, claro, deixando pra trás o suspense e, em lances subsequentes, muitos zagueiros adversários. Pela dramaticidade, ponto pro ‘BRA x ALE’ na disputa com o ‘BRA x ITA’. Ou, como dirá um futuro famoso narrador esportivo: “Gol da Alemanha (x Brasil)!”
Fomos pro jogo com formação bem distinta dos onze que, há 10 meses, trouxeram a Jules Rimet novamente. O ‘professor’ Aymoré, todos sabem, zarpou ‘pras Europa’ com o que podemos chamar de ‘SeleSantos’ – eram oito os atletas da Vila Belmiro envergando a amarelinha. Detalhes: só não foram nove porque Mauro se contundiu; e Rildo, em breve, trocará o Botafogo pelo ‘Peixe’, aguardem! Jogo duro – será sempre assim. O Brasil foi chupar laranjas, no intervalo, perdendo de 1 x 0, mas, depois de muito tentar, o ataque canarinho encontrou um jeito de invadir a área alemã e derrubar suas fileiras defensivas – espécie de Normandia para alcançar a vitória. E a dupla Pelé-Coutinho virou o placar num intervalo de apenas 2 minutos. Sempre aliados!
A geopolítica foi, é e será protagonista da Seleção Alemã, gerando muitos asteriscos nos verbetes sobre sua história. Medalha de Ouro no futebol olímpico, por exemplo, oficialmente, até 2022, não terá, mas a metade socialista da nação sim, em 1976 (e ainda 2 de bronze e uma de prata). Após juntarem os trapos, escovas de dente e as dores da separação forçada, em 1990, ‘as Alemanhas’ se fortalecerão esportivamente, claro, mas o país passará anos até voltar a se classificar para os Jogos, o que só se dará em 2016. “Dinge, die passieren” (‘Fazer o quê?”, em livre e maldosa tradução)
Em 2022, carregaremos o trauma do tal jogo que vai virar metáfora para derrotas humilhantes mas estatísticas estarão a nosso favor. Serão 23 confrontos, com 13 vitórias verde-amarelas (41 gols) e 5 ‘dos cara’ (31 gols, quase 1/4 deles numa partida só). O destino, porém, nos será cruel daqui a três anos, na Copa da Inglaterra, quando apenas quatro dos santistas que defenderam a pátria ontem – Gylmar, Lima, Zito e Pelé – estarão no elenco, com mais dois da Vila: o zagueiro Orlando e o pontinha Edu.
Em 2022, serão outros nomes a se projetar como os maiores da história do confronto, anotem: Ronaldo Fenômeno, um dentuço de pés afiados que marcará dois tentos na final da Copa de 2002; e Klose, um compridão desengonçado que se consagrará como o maior artilheiro de todos os tempos em Mundiais (superando o supracitado) e justamente ao estufar as redes na maldita goleada que sofreremos dos rivais. “Niemand verdient!” (“Ninguém merece”, em alemão).
Embarquei na Máquina do Tempo em ano de Copa, e com os dois Gigantes vivendo momentos periclitantes (bonito, isso! Não á alemão!) no futebol. Já ostentando 3 Mundiais (1954, 1974, 1990), maior número de vice-campeonatos na competição (1966, 1982, 1986 e 2002) e três conquistas (1972, 1980 e 1996) da Eurocopa (atual ‘Taça das Nações Europeias’, disputada desde 1960 e que mudará de nome em cinco anos), a poderosa Alemanha viverá, após o quarto título, na tal goleada no Brasil, um inferno astral dos bons, como se fosse vítima de praga, chegando a ser eliminada na primeira fase da Copa seguinte.
O Brasil estará sofrendo pelo risco de novamente completar 24 anos sem título mundial, pressão que já terá sofrido entre 1970 e 1994. Após a fatídica e antológica partida entre ambos, terão se enfrentado mais duas vezes. Um amistoso com triunfo ‘brazuca’ e na final dos já citados Jogos de 2016, no Rio (vai ser no Brasil, Juro!)… E vai dar Brasil! Que assim será campeão olímpico pela primeira vez. E antes deles! Em mais uma tradução livre: “Sauge, das ist Traube!” (“Chupa, que é de uva!”)
FICHA TÉCNICA
ALEMANHA OCIDENTAL 1 × 2 BRASIL
Data: 5 de maio de 1963
Estádio: Volkspark, em Hamburgo.
Competição: Amistoso
Árbitro: Gottfried Dienst (Suíça)
Público: 72.000 (não há o número exato)
Renda: Cr$ 163 milhões (conversão)
ALEMANHA OCIDENTAL: Fahrian; Nowak, Wilden, Werner, Schnellinger; Schulz, Schütz, Heiss e Konietzka (Strehl); Seeler e Dörfel
Técnico: Sepp Herberger
BRASIL: Gylmar (Santos); Lima (Santos), Eduardo (Corinthians), Roberto Dias (São Paulo) e Rildo (Botafogo); Zito (Santos) e Mengálvio (Santos); Dorval (Santos), Coutinho (Santos), Pelé (Santos) e Pepe (Santos)
Técnico: Aymoré Moreira
Gols: Werner (44’) do 1ºT; Coutinho (25’) e Pelé (27’) 2ºT
https://www.youtube.com/watch?v=zQdXDxjb0vA
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