Arroz biro-biro: futebol e culinária
Cronista vai à estreia do lendário meia do Corinthians, que batiza prato também famoso, e dá ‘spoilers’ sobre ‘tabelinhas’ entre bola e gastronomia
‘Efeito Tostines’ é a versão Século 20 do paradoxo milenar sobre quem surgiu primeiro: o ovo ou a galinha. Na propaganda que todos vocês certamente conhecem, ouvimos: “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. Daqui a 45 anos – em 2023, de ‘quando’ vim, pois sou um Viajante do Tempo, creiam ou não – será mais ou menos essa a dúvida na cabeça de muita gente: “O jogador tem esse apelido por causa do arroz ou o arroz foi batizado em homenagem ao atleta?” Sim, me refiro a esse baixinho (nem tanto, 1,70m) arretado e de cabelos encaracolados e amarelados que estreou ontem com a camisa do Corinthians, na vitória por 2 x 1 sobre o Paulista de Jundiaí. Saibam vocês, queridos leitores e queridas leitoras de 1978, que apesar da desconfiança geral sobre este reforço contratado ao Sport de Recife – puro preconceito pela origem nordestina do volante –, o tal Biro-Biro vai longe, tornando-se o sexto jogador com mais atuações com a camisa alvinegra, participando de 4 conquistas estaduais do Timão (Nota da Redação da Placar em 2023: 1979, 1982, 1983 e 1988) e, mais importante, batizando um prato, um arroz incrementado, que ganhará a eternidade no livro de receitas da culinária nacional. Engulam essa!
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Antônio José da Silva Filho, o Biro-Biro (apelido herdado do pai), pernambucano de Olinda, vai cair nas graças da ‘Fiel’, encarnando a raça que a torcida tanto exige do time. Chegou à cidade grande e está sofrendo tanto preconceito que até o presidente do novo clube, Vicente Matheus, demonstrou descaso ao anunciar sua contratação, se referindo a ele como “Lero-Lero”. Mal sabe ele, e vai aqui minha primeira revelação sobre o futuro, que esse garoto vindo do Nordeste, que na infância foi catador de caranguejo, se tornará parte da família, pois vai se casar com uma de suas sobrinhas, anotem! Ficará 10 anos no Parque São Jorge, atuando em 590 jogos e marcando 75 gols (recorde para volantes do clube). Os mais lembrados serão: um de canela, contra o Palmeiras, em semifinal do Paulista ano que vem; e dois contra o São Paulo em futura final do Paulistão, isso em 1982. O carisma e a identificação com a massa corintiana o levarão, um dia, a ser eleito vereador na cidade. E a virar apelido comum de qualquer pessoa que tenha os cabelos no estilo que vai consagrar. Mas nada o fará mais eterno do que vir a ser nome de um arroz servido com batata palha, bacon, ovos e cebola. Igualando-se assim a figuras notáveis da nossa História, como Osvaldo Aranha, aquele do filé.
Será na churrascaria Rodeio, em São Paulo, na próxima década, que vai nascer a iguaria. E adiantarei aqui a ‘lenda’ que existirá a respeito. O famoso jornalista Tarso de Castro, diante daquela travessa de arroz branco e insosso, reclamará com o ‘maître’ do restaurante, Cecílio, que trata de trazer nova travessa reforçada com pedaços de ovos fritos. Outro jornalista (Ô, raça!), Thomaz Souto Correa, também na mesa, sugerirá que se adicione batata-palha. Perceberão então que a mistura lembra esse cabelo diferentão do Biro-Biro, e assim o jovem volante irá brilhar também no cardápio da casa – espalhando-se depois pelas cozinhas do Brasil.
Jogadores de Futebol com nomes e apelidos de comidas e bebidas são comuns no Brasil. Tivemos, temos e teremos goleiros como ‘Manga’, muitos ‘Batatas’, pelo menos um ‘Cocada’ (no Vasco), ‘Fubá’, ‘Feijão’ e por aí vai. Já ídolos dos gramados que batizam pratos criados por ‘chefs’ são e serão raros, e em geral como homenagens temporárias, passageiras. Em 2023, posso garantir, ainda teremos nos supermercados o chocolate ‘Diamante Negro’, notória ode ao craque Leônidas da Silva, e o ‘Café Pelé’, que dispensa apresentações. E fiquemos por aí. Mais uma prova de como este pernambucano é predestinado. Será um dos líderes de importante movimento político que nascerá no clube (Nota da Redação da Placar em 2023: a ‘Democracia Corinthiana’, ao lado de Sócrates, Casagrande e Wladimir) e protagonista, daqui a 20 anos, de uma campanha publicitária da gigante multinacional Coca-Cola: ‘Quem Foi o Melhor?’, dirá o ‘slogan’, pedindo que os consumidores escolham entre Biro-Biro e … Maradona (esse, já-já vocês vão conhecer. E temer!). E ‘Biro’ vai ganhar, por um voto de diferença. Só ele mesmo! Um jogador diferente. Como o arroz que levará seu nome.
PARA VER GOLS DE BIRO-BIRO PELO CORINTHIANS
https://www.youtube.com/watch?v=BV140WIVGc8
PARA OUVIR A NARRAÇÃO DO JOGO DE ESTREIA COM JOSÉ SILVÉRIO
https://www.youtube.com/watch?v=URmr1wNn1wE
FICHA TÉCNICA
CORINTHIANS 2 X 1 PAULISTA
Competição: Campeonato Paulista de 1978
Data: 14 de setembro de 1978 (quinta-feira)
Estádio: Pacaembu
Local: São Paulo
Horário: 21h30
Público: 35.484 pagantes
Renda: Cr$ 1.108.050,00 (Cruzeiros)
Árbitro: Emídio Marques de Mesquita
CORINTHIANS: Jairo, Luís Cláudio, Amaral, Zé Eduardo e Wladimir; Wagner, Biro-Biro (Ned) e Sócrates; Vaguinho, Rui Rei e Romeu
Técnico: José Teixeira
PAULISTA: Édson, Lazinho, Marco, Djalma Santos e Santos; Domongo, Benetti e Válter (Vágner); Frasão (Nascimento), Gil e Dimas
Técnico: Pepe
Gols: Primeiro Tempo: Rui Rei, aos 25’; Vaguinho, aos 31’; Segundo Tempo: Benetti aos 9’