Como joga a Inter: um time sem estrelas às portas da final da Champions
Com vitória por 2 a 0 sobre o arquirrival Milan no jogo de ida da semi, comandados de Simone Inzaghi podem chegar à decisão quase 'despercebidos'
Muita gente pode achar que a semifinal da Liga dos Campeões entre Real Madrid e Manchester City se trata de uma “final antecipada”. E, de fato, quem passar entre espanhóis e ingleses será inevitavelmente o grande favorito na decisão. Mas convém lembrar que do outro lado da chave estão duas camisas italianas bem pesadas: o heptacampeão europeu Milan e a tricampeã Inter, que na partida de ida levou a melhor sobre o arquirrival e colocou um pé na final ao vencer por 2 a 0, com um desempenho bastante dominante.
A Inter pode disputar o jogo mais importante do ano tendo passado praticamente “despercebida” na temporada. Faz campanha bastante irregular no Italiano, ocupando apenas o quarto lugar, 20 pontos atrás do já campeão Napoli, e corre risco de nem disputar a Champions ano que vem. Na própria Liga dos Campeões, deu um pouco de sorte ao enfrentar Porto e Benfica no mata-mata – os gigantes portugueses são bem treinados e competitivos, mas longe de figurarem entre os favoritos à taça.
Isso não quer dizer, porém, que o time de Simone Inzaghi não tenha méritos. Apesar de ser uma equipe sem uma grande estrela do futebol mundial, tem alguns ótimos jogadores, é bastante organizada e tem comportamentos bem definidos com e sem a bola. O grande reforço para a temporada, o centroavante Lukaku, rendeu bem abaixo do esperado e hoje é reserva. A força da Inter, hoje, é coletiva.
Como joga a Inter de Milão?
O sistema usado é invariavelmente o 3-5-2, o mesmo do título italiano conquistado há duas temporadas, então sob o comando de Antonio Conte. O time ideal tem o camaronês Onana no gol; o eslovaco Skriniar e os italianos Acerbi e Bastoni no trio de zaga; o holandês Dumfries e o italiano Dimarco como alas; o turco Çalhanoglu, o armênio Mkhitaryan e o italiano Barella no meio-campo; e o argentino Lautaro Martínez e o bósnio Dzeko na frente. Com Skriniar machucado, Darmian é quem tem jogado pela direita da zaga.
Onana, que chegou do Ajax para esta temporada, tem feito grande ano. É o goleiro que fez mais defesas na Liga dos Campeões e passou sete dos 11 jogos da campanha sem levar gol. Além da solidez embaixo das traves, é fundamental na saída de bola: confortável com os pés tanto para trocar passes com os zagueiros e atrair a pressão rival, quanto para dar lançamentos longos buscando a ligação direta com Dzeko quando o adversário impede uma saída limpa.
Falando em saída de bola, a Inter faz às vezes uma variação interessante: o ala-direito Dumfries – um jogador mais limitado tecnicamente, mas de muita explosão, força e chegada à área – participa pouco deste momento. Ele se manda para frente, como um ponta, e o zagueiro da direita é quem abre como lateral e dá a opção de passe. É uma forma de tentar fazer o adversário perder a referência de marcação e de explorar melhor as características de seus jogadores, colocando Dumfries onde ele pode causar mais dano – disputando uma bola área, por exemplo.
O meio-campo tem três jogadores bem técnicos. Çalhanoglu, que no Milan era um meia ofensivo ou até um ponta, joga como primeiro volante e organiza desde trás. Mkhitaryan, outro que apareceu como camisa 10, também exerce uma função com muito mais responsabilidade defensiva. Completa o trio o talentoso e “elétrico” Barella. Os três precisam correr muito sem a bola, especialmente quando o adversário inverte o lado da jogada, para evitar que o ala fique exposto em situações de um contra um. E com a posse, têm liberdade de atacar – inclusive Çalhanoglu, que tem ótimo chute de longe e é um perigo quando chega de trás e recebe com liberdade para arriscar.
Mesmo com três bons passadores no meio-campo, a Inter não tem vergonha alguma de esticar a bola para a cabeça de Dzeko para evitar correr muitos riscos na saída, se necessário. O goleiro Onana e o zagueiro canhoto Bastoni são excelentes nesse tipo de lançamento. Com 1,93 m de altura, o veteraníssimo Dzeko, 37 anos, segue um atacante muito perigoso – usa bem a altura para ganhar bolas pelo alto e tem inteligência para sair da área e oferecer opções de pivô. Além, claro, do faro de gol, mostrado no belo voleio que abriu o placar contra o Milan.
Seu parceiro de ataque, Lautaro Martínez, complementa o bósnio muito bem, em uma dupla “à moda antiga”. Sempre perto de Dzeko, o argentino joga como o típico segundo atacante: é ótimo para brigar pela “segunda bola”, atacar as costas da defesa adversária e, quando necessário, também recuar para participar da construção. Os dois se entendem tão bem para ocupar a defesa adversária que muitas vezes nem precisam encostar na bola para serem importantes, como mostrou o gol de Mkhitaryan.
Os laterais são armas ofensivas fundamentais. Pela esquerda, Dimarco é o típico ala de um sistema de três zagueiros: ofensivo, rápido, cheio de gás e sempre buscando chegar à linha de fundo. Na direita, Dumfries, como já mencionado, é um jogador bem atípico. Bom no jogo aéreo, o holandês muitas vezes não corre para o fundo, mas para dentro da área, e é um perigo atacando a segunda trave. Vai melhor definindo do que preparando as jogadas.
Defensivamente, a Inter varia sua abordagem. Pode exercer uma pressão mais adiantada, avançando seus alas contra os laterais adversários e marcando praticamente homem a homem no meio-campo, ou recuar em um bloco de marcação bem compacto, com uma linha de cinco defensores protegida pelos três meio-campistas. Lautaro e Dzeko também são ativos defensivamente, sempre pressionando ou fechando linhas de passe. Mesmo veterano, o bósnio se sacrifica pelo time e não apenas assiste ao jogo sem a bola.
Como se vê, é um time que sabe o que fazer em campo, em todas as fases do jogo, e difícil de ser batido, especialmente em jogos de mata-mata: em dois anos na Inter, Inzaghi já levantou duas Supercopas Italianas e uma Copa Itália. Mas a falta de jogadores que estejam realmente na primeira prateleira do futebol mundial impede que a Inter seja favorita em uma eventual final – caso confirme a vantagem sobre o Milan – contra as constelações de Real Madrid ou Manchester City.