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Placar

Rocafonda, 304: as origens do fenômeno Lamine Yamal

Na cidade catalã de Mataró, todos querem ser Lamine Yamal, o jovem craque do Barcelona e da Fúria. PLACAR visitou o bairro onde o futebol ajudou a unir espanhóis e imigrantes

Publicado por: Por: Luiz Felipe Castro, com fotos de Alexandre Battibugli em 17/05/2025 às 12:00 - Atualizado em 17/05/2025 às 18:01
Rocafonda, 304: as origens do fenômeno Lamine Yamal
Febre: gesto de Yamal repetido por crianças faz referência a código postal - Alexandre Battibugl/PLACAR

Reportagem publicada na PLACAR de maio, edição 1523, já disponível em nossa loja e nas bancas

Fazia bastante calor naquela manhã de domingo de primavera em Rocafonda, bairro do município de Mataró, na Catalunha, a cerca de 30 quilômetros do centro de Barcelona. Não foi difícil encontrar nosso destino, bastou seguir os gritos que contrastavam com o pacato cenário de prédios baixos e comércio quase todo fechado. Centenas de crianças, entre meninos e meninas, corriam atrás da bola no gramado sintético do FC Rocafonda, e outros tantos faziam o mesmo na quadra de cimento ao lado.

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“Até pouco tempo atrás, o clube recebia cerca de 50 niños. Hoje já são mais de 500”, contou à PLACAR o marroquino Abdul Nasraoui, tio do principal responsável pelo fenômeno: Lamine Yamal, o craque-prodígio do Barça e da seleção espanhola.

Aos 17 anos, Yamal já desponta como um dos melhores jogadores do planeta, com títulos importantes e uma série de recordes de precocidade. Foi o mais jovem a atuar em LaLiga, a ser titular e balançar as redes pelo Barcelona, a marcar pela Espanha, além de ter brilhado intensamente na conquista da Eurocopa de 2024, entre outras façanhas. O habilidoso ponta canhoto parece destinado a ser uma estrela do esporte.

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Em Rocafonda, onde cresceu, é referência para homens, mulheres e crianças de diversas nacionalidades. “Ele é muito bom, me encanta a sua forma de driblar. Sonho em um dia ser um jogador como ele”, conta Jordi, de 9 anos, que vestia a camisa 19 da seleção espanhola.

Jordi, de 9 anos, que vestia a camisa 19 da seleção espanhola - Alexandre Battibugli/PLACAR

Jordi, de 9 anos, com a camisa do ídolo, na quadra onde Lamine começou – Alexandre Battibugli/PLACAR

A cada gol, a garotada repete orgulhosa a comemoração consagrada por Yamal: as mãos cruzadas e os dedos simbolizando 304, os últimos números do código postal da região (08304). Rocafonda foi erguido na década de 1960 para abrigar trabalhadores vindos do sul da Espanha, especialmente das regiões de Andaluzia e Extremadura. A partir dos anos 1990, houve um incentivo à imigração de africanos, que passaram a ocupar os prédios envelhecidos e a trabalhar nas lojas de frutas, mercearias e, em obras da região. Foi o caso dos familiares de Yamal e de cerca de 40% dos 11.664 moradores do bairro, de acordo os dados oficiais.

Lamine Yamal é espanhol?

Lamine nasceu em 13 de julho de 2007, no município vizinho de Esplugues de Llobregat. É espanhol, portanto, filho de Mounir Nasraoui, do Marrocos, e de Sheila Ebana, de Guiné Equatorial, e utiliza as bandeiras africanas em suas chuteiras. O choque multicultural é gritante, sobretudo nos locais onde a bola rola. “Gosto de jogar futebol com estrangeiros e muitas vezes conversamos sobre sua cultura, como o Ramadã [mês do calendário islâmico em que a maioria dos muçulmanos pratica o ritual do jejum].

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Rocafonda, as origens de Lamine Yamal - Alexandre Battibugli/PLACAR

Em Rocafonda, meninos e meninas tem Lamine Yamal como referência – Alexandre Battibugli/PLACAR

A maioria é de Marrocos, mas também tenho amigos da Colômbia e do Equador, me dou bem com todos”, diz o catalão Pau, de 11 anos, que vestia uma camisa do argentino Dybala, da Roma, e batia bola com Mohamed, de 11 anos, filho de marroquinos. “Me identifico muito com a história de Lamine, quero ser como ele”, diz o colega. Questionado se preferiria defender a seleção de Marrocos ou da Espanha caso virasse jogador, titubeou: “Não sei. Acredito que a Espanha, gosto muito de viver aqui. Mas me sinto mais marroquino, em casa falamos árabe”, diz ele, justamente na quadra onde a revelação do Barça deu seus primeiros chutes. Na escadaria ao lado, lia-se a pichação: “No bairro de Rocafonda, mais Lamine Yamals e menos despejos.”

Mais Lamines e menos despejos: o recado em Rocafonda - Alexandre Battibugli/PLACAR

Mais Lamines e menos despejos: o recado em Rocafonda – Alexandre Battibugli/PLACAR

O espanhol Rubén, de 43 anos, que trabalha no ramo da construção, resume bem as mudanças: “Vivi toda a minha vida aqui. É bem diferente de quando eu era pequeno, antes havia muito mais espanhóis e hoje Rocafonda se adaptou à imigração. Chegaram muitos africanos de Marrocos, Senegal e Gâmbia. Aqui todos nos conhecemos, é um bairro obreiro e bom de se viver”, diz Rúben, que assim como boa parte dos moradores ouvidos pela reportagem não torce pelo Barça.

Visca, visca, Catalunya madridista! Aqui há muitos torcedores do Real Madrid, mais do que você imagina. Mas adoro o Lamine, conheço seu pai e desde cedo já via o quanto o garoto se sobressaia.” Ele, porém, é sincero ao opinar sobre a presença do atacante na seleção espanhola. “Eu não gosto. Não é nada contra Lamine, mas também não gostei de ver o Diego Costa [nascido no Brasil] jogando pela Espanha, são gostos pessoais. De qualquer forma, gosto mais do Real Madrid do que da seleção, só assisto a Euro e a Copa do Mundo porque é o que tem na TV no verão.”

Ele mexe em um vespeiro latente. Alguns dos moradores não quiseram conceder entrevistas – no caso dos imigrantes em razão da timidez, enquanto alguns espanhóis pediram anonimato em temas espinhosos. “Convivo bem e respeito a todos, mas acho muito injusto que um imigrante receba incentivos do governo e com isso leve uma vida melhor do que eu que nasci e cresci aqui”, desabafa um homem na casa dos 50 anos. O bairro segue com quase metade de sua população sob risco de pobreza e alguns episódios de violência e tráfico de drogas. “São raros, os problemas que ocorrem geralmente são causados por jovens que passam por Mataró vindos de cidades vizinhas”, alega um marroquino que possui um estúdio de fotografia e não quis se identificar.

A vida pacata em Rocafonda, onde Lamine Yamal cresceu – Alexandre Battibugli/PLACAR

O próprio pai de Yamal se envolveu em um grave incidente ao defender suas raízes. Ele compareceu a um evento do VOX, partido de extrema-direita espanhola que tratou Rocafonda como “esterco multicultural”, e foi detido após chamar seus apoiadores de racistas. No tribunal, Mounir Nasraoui se justificou: “Peço perdão, mas sou humano. Naquele dia, meu filho viajou com a seleção espanhola para Hungria representando o país, e essas pessoas se colocaram ao lado de um colégio público onde há todo tipo de etnias (…) Eles não têm direito de dizer ‘vá pro seu país’, porque meu país é esse.’” Meses depois, o marroquino foi atacado a facadas em uma briga na cidade, mas não sofreu maiores ferimentos.

Os casos de xenofobia e racismo contra o jogador foram diminuindo à medida que o adolescente se tornava cada vez mais decisivo pela seleção, bem como seu parceiro Nico Williams, de ascendência ganesa. O sucesso reverbera na família. Abdul, irmão de Mounir e tio de Lamine, inaugurou o Bar Cafetería LY 304, inteiramente decorado com fotos e uniformes prodígio. Surpreendido com a presença de jornalistas brasileiros, ele preferiu não gravar para as câmeras da PLACAR TV, mas, simpático, nos ofereceu uma mesa especial, logo abaixo da camisa com a qual o sobrinho marcou uma pintura contra a França, na semifinal da Eurocopa. Já era hora do almoço e Abdul nos recomendou o tajine de carne com ameixas.

“É a especialidade da casa e o preferido do Lamine”. De fato, o prato tradicional do norte da África, de cozimento lento e que custou 8 euros, estava delicioso. Abdul se animou a papear e confirmou que Lamine tinha um brasileiro como seu maior ídolo. “Sim, ele ama o Neymar pelos dribles e pelas danças, tinha camisas dele do Santos e do Barça. Toda a família é fã do futebol brasileiro, eu adorava o Romário e o Ronaldo.”

Abdul, tio de Lamine Yamal, com o cardápio do restaurante temático - Alexandte Battibugli/PLACAR

Abdul, tio de Lamine Yamal, com o cardápio do restaurante temático – Alexandte Battibugli/PLACAR

Lamine Yamal e a Bola de Ouro

O tio se esforça para cortar qualquer tipo de euforia em torno do menor de idade e rejeita sonhar com a Bola de Ouro deste ano. “Não, não, ainda é muito cedo, o Lamine tem muito a evoluir.” Pouco depois, chegou ao estabelecimento seu filho, Rayan El Abdellaoui, de 14 anos, que relembra animado a infância com o primo famoso. “A gente estava sempre junto, gostávamos de jogar bola e lutar de brincadeira. Eu prefiro taekwondo, mas pretendo seguir na área das artes, talvez ser ator”, contou o jovem, que volta e meia vai a Barcelona visitar o craque.

“Nós os deixamos livres, não nos preocupamos, pois foram muito bem-educados. Lamine é muito focado na carreira, não nos dá trabalho”, conta o tio. O colega de ataque Raphinha atesta: “O Lamine pode conquistar tudo aquilo que desejar. Basta ele trabalhar duro para isso, pois só o talento não basta. Eu o aconselho, passo dicas sobre sua recuperação física. Ele tem uma boa cabeça, independentemente da idade.”

Abdul diz que Yamal tomou a melhor decisão ao preferir defender o país onde nasceu. “Ele é espanhol, se sente assim, e terá mais oportunidades aqui.” Em 2022, quando tinha apenas 15 anos, o craque de La Masia foi alvo de polêmica e vítima de racismo após ser gravado vestindo a camisa de Marrocos, celebrando o triunfo da seleção africana sobre a Espanha na Copa do Mundo do Catar.

O dilema é comum entre moradores do bairro, como o jovem Saad, de 13 anos. “Nossos pais vieram em busca de uma vida melhor. Parece um bairro conflituoso pelo que dizem de fora, mas que na realidade transmite paz. Nasci na Espanha, um país que me deu tudo, mas meus pais me ensinaram valores e o respeito ao Marrocos, então não saberia escolher entre um ou outro. Tenho os dois países no coração”, diz ele, que se entusiasma ao falar do irmão, Islam, de 9 anos. “Ele joga muito, é o próximo Lamine.” Em Rocafonda, o futebol virou sinônimo de união e esperança.

Abdul e Rayan El Abdellaoui,tio e primo de Yamal, no café LY304 - Alexandre Battibugli/PLACAR

Abdul e Rayan El Abdellaoui,tio e primo de Yamal, no café LY304 – Alexandre Battibugli/PLACAR

 

 

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