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Saudade do que a gente não viveu: a relação torcida-seleção brasileira

Esqueça a corrupção da CBF, a politização da camisa ou a falta de craques; a verdade é que o torcedor do Brasil sempre foi chato, clubista e bairrista

Por Luca Castilho |
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Rogério Ceni, do Brasil, batendo falta contra a Colômbia, no Estádio do Morumbi, em 2000

As imagens de euforia dos argentinos que foram ao reformado Monumental de Núñez saudar Lionel Messi e os outros tricampeões, apesar de absolutamente previsíveis, emocionaram os fãs de futebol pelo mundo. Entre os brasileiros, o clima foi de reconhecimento e boas doses de inveja. “Quando foi que perdemos esta identidade com a nossa amada seleção?”, questionaram aos quatro ventos os amigos internautas. Há anos, são repetidos chavões sobre corrupção da CBF, sequestro político da camisa amarela, ausência de ídolos carismáticos, balcão de negócios, etc. Há fatores agravantes, é claro, mas a verdade é que nunca tivemos uma relação saudável com o escrete nacional. Parafraseando o maior craque da atual geração, sentimos saudades do que não vivemos. No país pentacampeão, o clubismo e o bairrismo sempre foram a regra.

Basta dizer que a história da seleção mais vencedora dos Mundiais começa com um racha entre a CBD e a associação paulista, o que culminou na ausência de atletas de São Paulo, como o craque Friedenreich, na Copa de 1930 – a exceção foi Araken Patusca, único paulista do time, que estava rompido com o Santos. Mesmo sem um boicote tão explícito, em diversas outras edições o estado de nascimento dos atletas influenciou em convocações. O caso de bairrismo mais recordado e absurdo aconteceu em 13 de maio de 1959. Os 127.097 torcedores que foram ao Maracanã para ver Garrincha presentearam o paulista Julinho Botelho, escalado como titular na ponta direita, com a chamada “maior vaia de todos os tempos”. Ironicamente, este foi o primeiro compromisso do Brasil depois do título mundial na Suécia – uma ocasião, portanto, semelhante à da festa de ontem no campo do River Plate.

Arthur Friedenreich: craque ausente na Copa de 1930 por rixa entre paulistas e cariocas

As lembranças de minha primeira experiência in loco com a equipe são tenebrosas. Em 15 de novembro de 2000, em uma fase complicadas nas Eliminatórias, o Brasil bateu a Colômbia por 1 a 0 com gol de Roque Júnior nos minutos finais. Pouco antes, a torcida revoltada atirou bandeiras verde e amarelas em direção ao gramado do Morumbi. Em dado momento, o estádio se dividiu quando Rogério Ceni foi bater uma falta: tricolores clamando pelo gol do ídolo, enquanto palmeirenses e corintianos goravam o goleiro “inimigo”. Na época, já se dizia que o Brasil não formava craques como antigamente, que o amor à camisa havia acabado… dois anos depois, o Brasil conquistou o penta no Japão veja só, com muitas dancinhas e batuque no ônibus.

“Zico era jogador de Maracanã”, “não dá mais para aguentar treinador gaúcho”, “esse técnico só convoca atletas de times do eixo…”, “este bagre só foi chamado porque tem bom empresário… Quantas vezes não ouvimos bobagens deste tipo? Tem ainda a minha favorita: “ninguém liga mais para a seleção brasileira”, ainda que as convocações sejam assunto obrigatório em qualquer mesa de bar que se preze. A rotina se repete: o clubista/bairrista acusa o outro do que pratica, torce contra a seleção por não simpatizar com determinado atleta ou treinador, e depois lamenta o tal “distanciamento.”

No início da Olimpíada de 2016, parte da torcida forçou uma rivalidade entra as seleções masculina, que largou mal, e a feminina, que começou muito bem. Em cena que viralizou, o nome de Neymar foi substituído pelo de Marta na camisa 10. No fim, o craque-rebelde foi o herói do ouro inédito e parafraseou Zagallo e seu “vão ter que me engolir” enquanto a rainha foi novamente taxada de “pipoqueira”. A imprensa tem papel fundamental nisso e ainda que a evolução natural tenha diminuído o bairrismo (ou apenas o tornado mais velado?), as transformações no consumo de informações nos levam a um horizonte ainda mais desolador. O torcedor que recorre apenas aos canais segmentados de seus clubes inevitavelmente se fecha para a possibilidade de a não convocação do destaque do seu time não ser um absurdo.

Torcedor viralizou em 2016 ao riscar nome de Neymar e por o de Marta

Há ainda quem culpe o pequeno grupo de jovens “faria limers” dispostos e financeiramente capazes de viajar o mundo para apoiar a seleção. Para mim, seus versos, ainda que pobres, são bem melhores do que nada ou ainda a fúnebre marcha de “sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor.” No papel de voto vencido, de quem sempre amou a seleção canarinho ainda que isso me cause constrangimentos em determinadas rodas de colegas jornalistas , sinto que nunca teremos relação sequer parecida com a dos argentinos não só com sua seleção, mas com o futebol como um todo. O brasileiro gosta de seu time e quando ele ganha. O resto é saudade do que a gente não viveu.

Em tempo: será que fulano joga vôlei? E sicrano, é holandês?

 

 

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