Chefe Daniel Levy priorizou modernização do clube a negociações badaladas e apostou na parceria com o técnico argentino Maurício Pochettino
“O Tottenham Hotspur está entre os melhores hoje graças a duas pessoas: Daniel Levy e Mauricio Pochettino.” A declaração é de um brasileiro, o goleiro Heurelho Gomes, que atuou no clube londrino entre 2008 e 2014. Ele guarda boas lembranças do presidente “pão-duro” e lamenta o fato de não ter trabalhado com o treinador argentino. Neste sábado, 1º, os “Spurs”, como é conhecido o time do norte da capital inglesa, vivem o maior capítulo de sua história, a primeira final de Liga dos Campeões, diante do Liverpool, em Madri. A consagração de uma parceria entre a austeridade inglesa e a alma latina.
“O Levy vive o Tottenham 24 horas por dia”, conta Gomes sobre o economista inglês de 57 anos que preside o clube do qual é torcedor desde 2001. Antes da consagração na Champions, o dirigente de origem judia já era conhecido na Europa por sua “mão fechada” e fama de negociador implacável. O Real Madrid foi um clube que sofreu com as exigências do presidente do Tottenham, que fez jogo duríssimo para vender Gareth Bale e Luka Modric ao último campeão europeu.
Gomes confirma a fama do ex-chefe. “Comparando com outros times, o Tottenham ainda não paga muito bem. É uma potência do futebol inglês, mas ainda tem uma filosofia de pés no chão. Talvez depois desta Champions, o Levy vai ter de repensar um pouco essa política e gastar um pouco mais para competir no mercado”, diz. Neste ano, o Tottenham, único integrante do Bix Six (grupo dos seis maiores clubes do Reino Unido) gerido inteiramente por ingleses, entrou para a história como o primeiro time a iniciar a Premier League sem nenhuma contratação. Mas por uma causa maior.
O clube de Londres, que já havia investido em um dos centros de treinamentos mais modernos da Europa, também demoliu sua antiga casa, o White Hart Lane, para construir um novíssimo estádio, o Tottenham Stadium, com capacidade para 62.000 torcedores, ao custo de 1 bilhão de libras (mais de 5 bilhões de reais). A estratégia de Levy fez os Spurs baterem um recorde: teve um ativo de 113 milhões de libras esterlinas (cerca de 572 milhões de reais, pela cotação atual) na última temporada, maior lucro da história de um clube de futebol.
No entanto, dificilmente Daniel Levy teria conseguido tanto êxito se não tivesse acertado em cheio na contratação de seu técnico no ano de 2014. O ex-zagueiro argentino Mauricio Pochettino ainda começava a nova carreira, depois de bons resultados pelo Espanyol e pelo Southampton, quando assumiu o comando dos Spurs. Foi ele quem desenvolveu talentos como o maior ídolo do futebol britânico e atual capitão da seleção inglesa, Harry Kane, e transformou o Tottenham uma equipe intensa e vistosa.
“Pochettino mudou a filosofia de jogar do time. Quando eu cheguei lá, o time jogava no chutão, era só bola longa para o Peter Crouch (atacante de 2,01m de altura) na frente, se eu saísse jogando curto o treinador gritava. Hoje não, o time joga bola”, avalia Gomes, que enfrentou o Tottenham nas últimas temporadas, pelo Watford. O técnico argentino, que diz ser torcedor do Espanyol – clube catalão pelo qual atuou como jogador e técnico –, e por isso assegura que jamais treinaria o rival Barcelona, segue uma linha mais “romântica.”
“Devemos jogar livres, como quando éramos crianças. A chave é não pensar que há 1 bilhão de pessoas assistindo, sair para o campo e desfrutar”, discursou o técnico na véspera da decisão deste sábado. Intenso à beira de campo e amável com atletas e até jornalistas, Pochettino transportou uma certa alma latina ao clube da gelada Londres. “Não é uma cruzada pessoal contra a desumanização do futebol. Não quero ser Dom Quixote, nada disso. Mas, sim, sinto a responsabilidade de ser espontâneo e me comportar naturalmente”, afirmou, sobre sua forma emotiva de ser, em entrevista ao La Nación, de seu país.
O sotaque latino do time também se fez valer dentro de campo, com gols decisivos do brasileiro Lucas Moura, na épica semifinal contra o Ajax, e do espanhol Fernando Llorrente, nas quartas contra o Manchester City. Neste sábado, a partir das 16h, Pochettino buscará seu primeiro título como treinador. No cargo há 18 anos, Levy tem apenas um, o da Copa da Liga Inglesa de 2008. Além disso, os Spurs podem proporcionar uma amargura imensa ao seu maior rival, o Arsenal, que, apesar de ser mais tradicional, também jamais venceu a Champions League.