Os japoneses fizeram a coisa certa – mas não foi decisão fácil
O que a tragédia de um maratonista ensina sobre o orgulho de um país
O orgulho é tijolo fundamental do edifício da cultura japonesa. Em seu desfecho mais dramático, a dor pela derrota culmina no suicídio. No Ocidente, matar-se é visto como ato de desespero, de loucura e, eventualmente, de covardia. No Oriente, não. No Japão, tirar a própria vida é decisão aceita pela sociedade e estimulada pela tradição. É preferível perder a vida do que a honra. Não é assim em todas as situações, evidentemente, e certamente não será esse o epílogo do primeiro-ministro Shinzo Abe ao anunciar o adiamento por um ano dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Mas a demora em jogar a toalha, ante o clamor mundial de atletas, dirigentes e torcedores, teve muito desse empenho em não aceitar a perda – havia, claro, os nós econômicos da suspensão, mas havia também a dificuldade atávica de uma país inteiro soar incapaz ao resto do mundo. No Japão, sempre que um evento esportivo é atropelado pela realidade, vêm à tona os “jogos perdidos” de 1940, que seria realizado em Tóquio, mas não houve, depois do início da guerra com a China, em 1938. E lembra-se, talvez com constrangimento ainda mais ampliado, o triste episódio do maratonista Kokichi Tsuburaya, na Olimpíada de 1964, também sediada na capital japonesa.
Tsuburaya é o símbolo do amor-próprio de um esportista ferido. Ao entrar no Estádio Olímpico na segunda posição, na volta final dos pouco mais de 42 quilômetros da prova, ele estava em segundo lugar – atrás apenas de uma lenda, o etíope Abebe Bikila, que vencera a competição em 1960, em Roma. O japonês foi aplaudido como um imperador. Era apenas sua quarta maratona na vida. Cansado, exausto a ponto de cair, ele não suportou a pressão do britânico Basil Heatley, que o ultrapassou nos metros finais. Houve algum silêncio da torcida, mas ao subir no pódio em terceiro lugar, Tsuburaya foi ovacionado. Ele virou herói nacional. Era a primeira medalha japonesa no atletismo em 28 anos.
E, no entanto, deu-se a tragédia. Em 9 de janeiro de 1968, no estágio de preparação para os Jogos da Cidade do México, depois de sucessivas contusões, ele cortou a artéria carótida direita com uma lâmina de barbear. E deixou um bilhete: “Eu já não posso mais correr”. A história de Tsuburaya é metáfora, e apenas metáfora, da extrema (e compreensível) dificuldade das autoridades do Japão de anunciar a realização da Olimpíada apenas em 2021. Foi a decisão correta, celebrada mundialmente – embora lamentada. Para os esportistas orientais, vale a regra, aplicada em todas as atividades: Ganbatte! Akirameru na!”. Ou, em português, “faça o seu melhor, persevere, não desista”.