Olimpíada: pandemia joga balde de água fria na festa de marketing
O torneio em Tóquio vendeu cotas de patrocínio como nunca, mas o clima é de frustração e desânimo para as empresas
Sediada na mais rica e arrojada metrópole da Ásia, a Olimpíada de Tóquio prometia ser uma vitrine privilegiada para empresas dispostas a associar sua imagem a conceitos como superação, congraçamento entre os povos e diversidade. Faltando uma semana para a abertura dos Jogos, essa perspectiva era cada vez mais duvidosa. A situação, que já era desanimadora no início do ano, quando o governo japonês baniu a participação de torcedores estrangeiros dos estádios, ficou ainda pior no último dia 7, quando os patrocinadores foram avisados que as instalações seriam também vetadas ao público japonês em meio à decretação do estado de emergência na capital pelo risco de uma nova onda de infecções pela Covid-19.
Sem turistas nem torcedores para apreciarem a exposição de suas marcas pela cidade e sem presentear clientes, parceiros, autoridades e celebridades com ingressos para os Jogos, os patrocinadores ainda tentam contabilizar os prejuízos — e decidir o que fazer para reduzir as perdas. Não que as medidas sejam exatamente uma surpresa — o adiamento e até a perspectiva de cancelamento aventada no ano passado já apontavam para uma Olimpíada completamente diferente das anteriores. Houve Jogos trágicos, como os de Munique, em 1972, quando terroristas assassinaram parte da delegação israelense, e os de Atlanta, em 1996, em que uma bomba explodiu em um concerto, matando uma pessoa e ferindo mais de 100. Ou que foram desastres de organização, como o de Atenas, em 2004. Mas nada se assemelha a realizar a maior celebração esportiva do mundo em meio a uma pandemia que já matou 4 milhões de pessoas — e ainda segue ameaçando vários países, entre eles o próprio Japão. “Ninguém imaginava que a pandemia pudesse durar tanto. Mas, pelo menos, os organizadores tomaram a decisão do adiamento dos Jogos relativamente cedo, o que ajudou os patrocinadores a se prepararem”, conta Ricardo Fort, consultor especializado em patrocínio de grandes eventos e que dirigiu as ações globais da Visa no ciclo olímplico da Rio 2016 e foi vice-presidente mundial de patrocínios da Coca-Cola até fevereiro deste ano. “Os planos, brindes, embalagens e filmes publicitários foram colocados na gaveta, e agora decide-se o que poderá ser aproveitado.”
A preparação para Tóquio 2020 trouxe, durante anos, notícias de números superlativos. Com o potencial de atingir metade dos 7 bilhões de habitantes do planeta, a edição bateu todos os recordes em termos de patrocínio. Para serem parceiras globais do Comitê Olímpico Internacional (COI), categoria que dá direito a exposição privilegiada por todo o mundo, catorze empresas desembolsaram 2 bilhões de dólares durante todo um ciclo olímpico (de 2017 a 2020, prorrogado para 2021). Nessa categoria, estão potências como Coca-Cola, Airbnb, Visa, GE, Intel, Omega, P&G, Panasonic, Samsung e Toyota. O comitê organizador japonês, por sua vez, atraiu sessenta patrocinadores. Quase todas de origem nipônica, essas companhias despejaram 3 bilhões de dólares no evento, cerca de o triplo do obtido em Londres em 2012 e no Rio, em 2016. Várias dessas empresas se engajaram no apelo patriótico de criar uma Olimpíada opulenta e impecável, que mudasse a imagem do Japão como um país implacável na manutenção de suas tradições e fechado ao resto do mundo. Agora, serão elas que mais perderão com uma Olimpíada assombrada pela pandemia, pois dependem da ativação local, junto aos espectadores e visitantes. As grandes marcas, de uma maneira ou de outra, têm o recurso das transmissões de TV, da internet e de suas filiais internacionais para aparecer para o resto do mundo.
Os Jogos de Tóquio serão extraordinários também pelo clima que cerca a disputa. A mentalidade que se desenvolveu em torno da Olimpíada é controversa e alimenta dúvidas. O receio de que as competições provoquem uma onda de casos de Covid-19 embaçam a decisão de se associar ou não à competição, com receio de atrair a rejeição do público. Transmitir uma imagem positiva do evento é um desafio particularmente delicado para as empresas japonesas, uma vez que a população local ficou majoritariamente contra a realização do evento. Em maio, Jun Nagata, diretor de comunicação da Toyota, afirmou que a empresa se via em um conflito. “Sinceramente, nos perguntamos todos os dias o que devemos fazer”, disse. Sem lançamentos de versões de carros ligados à Olimpíada ou grandes campanhas, a Toyota utiliza suas redes sociais para difundir mensagens de superação de atletas. A Panasonic também não terá produtos, como televisores, associados à marca Tóquio 2020. Em meio a tantas incertezas, haverá patrocinadores que se arriscarão em algumas ações. A questão é se, em meio a tantas preocupações, existe espaço para comemoração.
Publicado em VEJA de 21 de julho de 2021, edição nº 2747