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Dennis Murillo: atacante supera esquecimento no Brasil e vira ‘rei’ na Tailândia

Ídolo e até garoto-propaganda de marca local, paranaense de 31 anos chegou nesta semana aos 100 gols atuando por clubes do país

O atacante paranaense Dennis Murillo havia chegado ao limite do esgotamento profissional em 2015. Lançado pelo Athletico Paranaense cinco anos antes, mas praticamente sem nenhuma grande chance na carreira – com exceção a passagem pelo Paysandu, em 2014, onde fez dez gols em 28 jogos –, ele clamava por uma derradeira oportunidade para não desistir do futebol.

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Ouviu então do empresário, Cléber Desidério, que precisaria produzir um DVD para tentar uma negociação para fora do país. Atuou pelo São Raimundo, na segunda divisão paraense, para apresentar às pressas o material ao agente.

Ele recorda ter acordado de madrugada com uma mensagem de Desidério: “quer jogar na Tailândia?”. Não teve dúvidas.

Quase nove anos depois da inusitada escolha, o brasileiro se notabiliza como um dos principais jogadores do país. Consolidado no futebol local e até garoto-propaganda de uma marca de roupas, ele chegou nesta semana à marca do 100º gol por clubes tailandeses.

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“Eu nunca cheguei a falar para ninguém, mas internamente pensava: se não aparecer mais nada vou parar. Estava no limite, havia jogado a segunda divisão paraense sendo eu mesmo o responsável por ligar para o clube e me oferecer. Ficava sem dormir, com o celular no travesseiro aguardando uma ligação. Quando meu empresário mandou a mensagem, eu só aceitei”, conta em entrevista à PLACAR.

Dennis Murillo chegou ao futebol tailandês como um completo desconhecido, e também sem sequer saber o nome do primeiro time em que atuou, o Chiangrai United.

Curiosamente, foi encaixado pelo empresário em um acordo envolvendo outros dois atletas: o meia Wellington Bruno, que ficou três temporadas no país, hoje já aposentado, e o atacante Alex Henrique, de rápida passagem.

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“Era a chance da minha vida, não tinha para onde ir mais”, explica.

“Não sabia nada do clube, nada do país, mas o futebol já estava difícil para mim. Pensava sempre: ‘vou ficar no funil, no meio do caminho'”, completa.

Cercado por fãs, atacante brasileiro é idolatrado na Tailândia – Arquivo pessoal

Até aquele momento, Dennis praticamente só acumulava frustrações. Havia passado pelo Tupi-MG, Ponte Preta, Rio Claro e Guarani com contratos curtos, sem estabilidade e com poucas chances. “No Guarani eu não joguei e também nem recebi”, relata.

Na Tailândia, apesar do desconhecido, conseguiu pela primeira vez o sonhado contrato de um ano e um salário cinco vezes maior ao melhor acordo que já havia feito no Brasil: “tudo isso era bom, mas eu só pensava mesmo em jogar. Era a chance de enfim conseguir provar meu futebol”.

Depois de uma primeira temporada, com cinco gols em 13 jogos pelo Chiangrai, ele foi contratado pelo Osotspa M150, outro clube local da província de Samut Prakan. Foram quatro gols em 13 partidas seguido pela chance de se transferir para o PTT Rayong, onde deslanchou no país: é o maior goleador da história do clube com 39 gols em 53 jogos, além de 12 assistências.

“Tive dificuldade com o idioma, com a cultura, mas a necessidade me ajudou muito a fazer acontecer. O PTT era um time da segunda divisão, mas com um contrato de dois anos, um projeto de subida que casou com o meu de ascensão”, explica.

Ele também atuou por Nongbua FC, marcou 21 gols em 28 jogos pelo Nakhon Ratchasima, viveu boa fase no Chonburi FC até chegar ao Lhampun Warriors, seu sétimo time no país. Os contratos no futebol local raramente passam de um ano, o motivo de tantas trocas.

Marcando gol de pênalti pelo Nakhon Ratchasima - @dennismurillo28/Instagram
Marcando gol de pênalti pelo Nakhon Ratchasima; foram 21 em 28 jogos – @dennismurillo28/Instagram

“O segredo para a estabilidade de um estrangeiro no país é render. Eles gostam muito de brasileiros e de estrangeiros, mas tem que performar. Não dá para fazer um contrato longo e se acomodar. Quem não entendeu isso, infelizmente não ficou”, afirma.

A liga local tem menos de 30 anos, foi criada em 1996, e tem o Buriram United, atual bicampeão, como a equipe mais vencedora. A competição ocorre por pontos corridos, com 16 equipes e 30 rodadas para decidir o campeão.

O Buriram lidera novamente, com 46 pontos, enquanto o Lamphum de Dennis Murillo ocupa a sexta colocação, com 28.

A liga e o país: um choque cultural

Segundo o atacante, a adaptação ao país passa pelo completo entendimento da nova cultura. Nos jogos, há pouca presença de torcida, uma média de 5.000 torcedores, com estádios pequenos. As cobranças também são moderadas.

“Com relação aos torcedores, se você ganha ou perde eles aplaudem do mesmo jeito. Não tem isso de quebrar carro, ir ao CT cobrar… há um pressão sobre os estrangeiros, claro. O entendimento é que precisamos fazer a diferença para ficar, até pelo investimento”, explica.

Curiosamente, é comum que presidentes interajam com jogadores ofertando valores como forma de incentivo por bom desempenho. No Lamphum, os dirigentes costumam dar mais de 10.000 reais por metas curiosas, como acertar o travessão do meio-campo.

“No Chiangrai era mais curioso ainda ainda quando o presidente do clube queria ensinar jogadores a bater escanteio”, recorda, aos risos.

Quando chegou ao país, em 2015, eram permitidos somente três estrangeiros por equipe. A competição se adaptou por conta da alta demanda: até cinco estrangeiros no elenco, sendo três relacionados por jogo. Ainda há uma vaga para jogadores asiáticos e outras três para atletas de outros centros menores no futebol como Malásia e Indonésia.

Na atual edição, 115 jogadores estrangeiros compõem a liga, sendo 31 deles brasileiros – entre eles está o meio-campista Lucas Crispim, destaque no Fortaleza.

O técnico do Lamphum é Alexandre Gama, passagem por equipes como Fluminense, Inter de Limeira, Volta Redonda, Macaé e Madureira. Ele está desde 2014 na Tailândia, com uma breve saída para o futebol coreano em 2022.

A comida, segundo Dennis, é um dos fatores que mais pesam. Foi hábito comum por muito tempo nas viagens ao Brasil retornar ao país asiático com uma mala com mais de 30 kg de alimentos típicos na bagagem. Ele é fluente em tailandês.

“Eu já falo fluente o idioma, mas demorei praticamente cinco anos. Nunca fiz aulas, nada do tipo. A comida melhorou muito também, mas antes era muito complicado. Era quase impossível encontrar arroz, feijão e até carne. Agora só faltam mesmo as coisas de consumo tipicamente brasileiross como o guaraná, o leite condensado… a comida do dia a dia deles não é para o nosso paladar. Consomem uma sopa com pimenta e arroz, também comem arroz com frango no café… precisamos nos adaptar nas concentrações com macarrão ou algo do tipo”, conta.

Garoto-propaganda da Volt, marca tailandesa de roupas - @dennismurillo28/Instagram
Garoto-propaganda da Volt, marca tailandesa de roupas – @dennismurillo28/Instagram

Ao lado da família, ele já experimentou iguarias como baratas e escopiões fritos em Bancoc, a capital: “não tem gosto de nada, parece uma casquinha crocante. Mas claro que não é comida para nós. É algo mais folclórico mesmo”.

A segurança no país é tamanha a ponto de locomover para algum local e deixar pertences expostos e ninguém mexer. A locomoção, porém, é considerada complexa.

A maior parte das equipes precisa se locomover de avião a Bancoc para depois seguir de ônibus para outras cidades. “Há clubes no sul do país que não tem aeroporto e precisam de cinco horas de viagem até Bancoc para aí, sim, seguirem ou de ônibus ou avião”, relata.

Um quase tailandês e volta ao país

Adaptado e fluente no idioma, Dennis Murillo é tratado muitas vezes como um tailandês por moradores. Ele é garoto-propaganda de uma marca de roupas do país, chamada Volt. É comum ver o seu rosto estampado em outdoors ou painéis eletrônicos em shoppings.

“Futebol muda rápido, mas quando converso com as pessoas mais próximas parece que tudo se desenhou para ficar aqui. Falo o idioma, sou respeitado, tenho acordo com uma marca de roupas… tudo isso me faz querer ficar. Mas claro que futebol as coisas mudam rapidamente”.

O jogador tem contrato até maio com o seu atual clube, o Lamphun Warriors, e aguardará propostas para permanecer como sempre ocorre desde a chegada ao país. Um retorno ao Brasil não é descartado, embora visto como difícil. Entre os companheiros de equipe, ele conta com o também atacante brasileiro Tauã e com o meio-campista Negueba, ex-Flamengo.

“Eu tenho curiososidade como me portaria jogando no Brasil hoje. Eu era novo e cru quando sair, não consegui render o que rendo hoje. Acho que ainda permanerei por aqui”, conta o jogador, que só sofreu uma grave lesão no período, em 2022, no tornozelo.

Nascido em Curitiba, o atacante que outrora cogitava largar o futebol há quase uma década, agora só desfruta da longevidade de um “rei” a 16.630 quilômetros de casa.

Os números de Dennis Murillo no futebol tailandês

Lamphun Warriors
19 jogos, 7 gols e 1 assistências

Chonburi FC
36 jogos, 15 gols e 6 assistências

Nakhon Ratchasima
28 jogos, 21 gols e 2 assistências

Nongbua FC
14 jogos, 9 gols e 3 assistências

PTT Rayong
53 jogos, 39 gols e 12 assistências

Osotspa M150
13 jogos, 4 gols e 1 assistência

Chiangrai United
13 jogos, 5 gols e 1 assistência

Total:
190 jogos, 100 gols e 26 assistências

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