O recém-fundado San Francisco Deltas ainda não tem jogadores nem técnico nem estádio. Mas aposta na dobradinha paixão/tecnologia para popularizar o ‘soccer’
O que vem à cabeça quando se fala que quase vinte investidores do Vale do Silício se unem para participar de um novo empreendimento, em São Francisco? Uma nova startup? Algum equipamento com tecnologia futurística? Ou um software que pode deixar o mundo ainda mais próximo da palma da mão? Nada disso. O colombiano Brian Andrés Helmick, radicado nos Estados Unidos, convenceu executivos ligados à internet, na região mais inovadora em tecnologia do mundo, que um grande negócio daria frutos e retorno financeiro a todos: o futebol. Assim, bem ao estilo do nascedouro das grandes empresas do Vale – sem jogadores, sem treinador, sem estádio, tudo ainda virtual -, foi fundado, no fim do ano passado, o San Francisco Deltas, equipe que vai disputar a North American Soccer League (NASL), a segunda liga de futebol mais importante do país, a partir de 2017.
Com experiência no mercado financeiro – incluindo anos duros em Wall Street – e sucesso em startups, Helmick, de 40 anos, quis apostar suas fichas em sua paixão de infância, com o pragmatismo americano. “Primeiro pensei que o mundo do futebol não era muito transparente e que não teria dinheiro para essa aventura. Mas estudei o assunto e deixei minha paixão pelo esporte de lado, para não cometer erros passionais”, conta o CEO dos Deltas, num português impecável, que adquiriu “viajando, trabalhando e namorando”.
O projeto é cria de Helmick, que tem como braço-direito um brasileiro e investidores consagrados em empresas como Apple, Facebook, Google, PayPal, Twitter e Yahoo, e que na maioria passou pelos bancos da Universidade de Stanford. Mesmo ainda virtual, o clube começa a atrair os primeiros torcedores e sonha alto. Helmick contou que uma pesquisa da revista ‘Forbes’ lhe deu o estalo para fundar os Deltas. Ela mostrou que, dos cinco clubes mais valiosos do mundo, três eram de futebol (Real Madrid, Barcelona e Manchester United). No entanto, entre as 50 equipes mais valiosas, 42 são americanas e nenhuma é de futebol. “Isso mostra que o maior mercado de esporte do mundo não investe no maior esporte do mundo.” Aposta decidida, faltava o principal, dinheiro. Helmick conta que não foi difícil encontrar investidores na cidade da inovação. Entre os amigos que abraçaram a causa estão executivos de grandes empresas de tecnologia, incluindo o brasileiro Ricardo Stanford-Geromel, empregado número 1 dos Deltas na função de diretor de relações com a comunidade.
Geromel é irmão do zagueiro Pedro Geromel, ídolo do Grêmio, estudou e jogou futebol nos EUA. Fala cinco idiomas, já trabalhou em todos os continentes, e escrevia sobre bilionários para a ‘Forbes’. Formado em gestão empresarial nos EUA e pós-graduado em administração em Paris, jamais deixou a paixão pela bola de lado. Entre 2014 e 2015, foi, junto com seu ídolo de infância, Ronaldo Fenômeno, um dos sócios do Fort Lauderdale Strikers, outra equipe da NASL, baseada na Flórida. E desde setembro do ano passado se uniu a Helmick para tornar possível o sonho de formar um time de futebol em São Francisco.
Os primeiros passos foram dados recentemente. Em março, o time obteve junto à prefeitura de São Francisco o direito de utilizar o estádio Kezar, que foi a casa do tradicional time de futebol americano San Francisco 49ers até a década de 70. Helmick diz que “não existe futebol sem torcida” e dá detalhes de sua estratégia para atrair os fãs. “Não fazemos propaganda, queremos um fã de cada vez. Fazemos o estilo latino, vamos tocar, abraçar as pessoas. Estamos atraindo as pessoas saindo às ruas, indo aos bares, aos campos de futebol. Em duas semanas, recebemos quase 1.500 cartas apoiando nosso projeto.”
O momento mais importante da recente história do clube foi o dia da aprovação do Kezar Stadium como sua casa, quando centenas de torcedores participaram de uma audiência na cidade, como mostra o vídeo. “Duzentas pessoas foram à audiência, mais de 50 pegaram o microfone para apoiar o projeto, gente de todas as nacionalidades, idades, raças, orientação sexual. Não pagamos para ninguém estar lá. Foi muito emocionante, as pessoas foram porque acreditavam no poder que o futebol tem. Toda vez que vejo esse vídeo eu choro”, conta Helmick, torcedor do Millionarios (Colômbia) e do Real Madrid.
https://youtube.com/watch?v=0C00mw273D0%3Frel%3D0
Ainda sem jogadores nem treinador, o uniforme também não tem cor definida, pode ser vermelho ou preto, mas o escudo já existe. “Estamos na cidade das mudanças, da inovação, do risco. Delta significa ‘mudança’ e o triângulo é o símbolo do delta no alfabeto grego.” Helmick diz não se incomodar com críticas sobre o desenho do logo, que mais parece ser de uma empresa e não de um time de futebol. “Não quisemos copiar times europeus como muitos americanos fazem. Quisemos algo simples, diferente. Somos um time novo, não temos história para explicar. Isso vem com o tempo.” A pirâmide do logo remete à filosofia de manter a posse de bola (os chamados “triângulos de Cruyff”), e à Pirâmide Transamérica, um dos prédios mais emblemáticos da cidade.
O clube não detalha seus investimentos, mas planeja gastar de 10 milhões a 20 milhões de dólares nos primeiros dois anos de atividade. Agora, o San Francisco Deltas procura uma comissão técnica, e depois vai contratar os atletas. “Pelas regras da liga, podemos ter até sete atletas internacionais e certamente vamos buscar brasileiros. Podemos trazer veteranos ou jogadores mais jovens e promissores, mas o ideal é fazer um mix”, diz Helmick. No ano passado, o campeão da NASL foi um clube bastante conhecido no Brasil: o New York Cosmos, time pelo qual Pelé atuou em seu fim de carreira, e que teve como destaques o brasileiro naturalizado espanhol Marcos Senna e o espanhol Raúl González, ídolo do Real Madrid.
https://youtube.com/watch?v=y-eRGA42xqg%3Frel%3D0
O time High Tech
Diferentemente de suas vizinhas Hewlett-Packard, Apple, Google ou Facebook, o San Francisco Deltas não teve como primeira sede uma garagem, mas a criatividade e a inovação serão a base do representante do Vale do Silício na NASL. A lista de investidores do clube, que está no site oficial do SF Deltas, já evidencia isso: há executivos com experiência nas principais empresas da região – o que se pode saber pelo perfil de cada um deles no Linkedin, acessível pelo site do clube.
Entre os investidores há brasileiros, como Phelipe Spielmann, dono da Katue Participações, segundo o seu perfil no Linkedin; Renata Quintini, sócia da Felicis Ventures, empresa de investimentos de São Francisco; Paulo Malzoni Filho, do Grupo Victor Malzoni Investimentos; e o americano Brian Requarth, fundador do site de venda de imóveis VidaReal, que atua no Brasil.
Jonathan Gheller, da Exploration Mode e que trabalhou no Facebook, admite não ser grande conhecedor do futebol, mas disse confiar no projeto e acredita que aliar futebol e tecnologia pode ser um sucesso. “Cada aspecto do empreendimento pode ser melhorado com a tecnologia, a partir da busca por talentos, da maneira de executar o negócio e de como nos conectamos com nossos fãs. O desafio não é só encontrar as oportunidades em que a tecnologia cause impacto, mas priorizá-las de maneira inteligente”, diz o investidor.
Segundo o CEO do clube, Brian Helmick, “nosso desafio principal agora é ter foco, porque temos muitas ideias. Queremos usar a tecnologia para melhorar o esporte e não só os Deltas”. Os dirigentes do clube apostam que as diferenças culturais da população de São Francisco – segundo os últimos levantamentos, quase 40% dos moradores nasceram fora da cidade – podem ser exploradas pelo clube e por suas ferramentas. “Temos uma grande porcentagem de pessoas abertas a testar novas ideias e experiências”, conta Helmick.
Em suas redes sociais, o clube tem conteúdo em inglês, em espanhol e até português, de olho na fatia considerável de brasileiros na região. A primeira novidade tecnológica dos Deltas já é divulgada pelo clube (ver vídeo abaixo) e foi batizada de “ingressos com inteligência artificial”. Em vez de se sentarem sempre em local definido do estádio, sem saber quem serão seus “vizinhos”, os torcedores poderão mudar de assento a cada partida e ficar próximos de pessoas de interesses semelhantes.
Um aplicativo filtrará as preferências de cada torcedor, que poderá assistir às partidas ao lado de pessoas da mesma nacionalidade, mesma profissão, mesmos hobbies – e até por estado civil, em setores destinados a solteiros.
Estádio – O Kezar Stadium, que será a casa provisória do San Francisco Deltas, tem capacidade para cerca de 10.000 torcedores. Além de investir em tecnologia, o clube pretende atrair os fãs com bons preços: cerca 3.000 ingressos terão desconto – custarão no máximo 20 dólares (cerca de 70 reais) – e outros 200 serão de graça, para ONGs e escolas.