Por que sucesso de Jesus e Sampaoli incomoda tanto os técnicos brasileiros
Não há nada de revolucionário no trabalho dos gringos. São apenas ótimas novidades que deveriam inspirar os colegas, não provocar tanta dor de cotovelo
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Um dos vários benefícios que as chegadas do português Jorge Jesus, técnico do Flamengo, e do argentino Jorge Sampaoli, treinador do Santos, trouxeram para o futebol nacional foi tirar seus colegas brasileiros da zona de conforto – o que, por vezes, também os tirou do sério. Foram várias as declarações de treinadores nacionais, dos mais jovens aos mais experientes, tentando minimizar o sucesso dos gringos. Algumas das falas, como as de Levir Culpi, além de toscas e totalmente descoladas da realidade, descambaram até para a xenofobia. Também há excessos entre seus admiradores: Jesus e Sampaoli fazem belos trabalhos, mas ainda estão longe de ter a importância de um Charles Miller, o inglês que trouxe a bola para o país e ensinou os brasileiros a jogar.
Uma reportagem da edição nº 2652 de VEJA, em setembro, esmiuçou os métodos dos gringos. Um dos enganos mais recorrentes é tratá-los como responsáveis por “resgatar a essência do futebol brasileiro.” Suas equipes aliás, seguem conceitos bem mais ligados à cultura europeia, de marcação alta, mobilidade, laterais construtores, recuperação rápida, e sobretudo, valorização da posse de bola, filosofia que justamente causa tanta confusão sobre as raízes do futebol nacional e que incomoda tanto os treinadores por aqui. A busca por protagonismo não tem sido uma marca dos trabalhos tupiniquins, nem mesmo entre os últimos campeões brasileiros, os “reativos” Fábio Carille e Luiz Felipe Scolari, ambos desempregados. Seus times foram vencedores, até porque não há uma única forma pra triunfar, mas passaram longe de encantar. Jesus e Sampaoli, talvez até por um certo “desapego” ao cargo (se demitidos, arrumariam empregos tão bons quanto, ou até melhores, rapidamente), se propõem a ousar e entreter os torcedores.
Vanderlei Luxemburgo, um dos profissionais mais geniais que o Brasil já teve, parece preso à mediocridade e é um dos críticos mais recorrentes dos estrangeiros no Brasil. Até mesmo Mano Menezes, que além de bom treinador é um homem bastante sensato e que costuma elevar o nível dos debates, caiu na tentação do corporativismo. Na semana passada, em entrevista à ESPN Brasil, cravou que Abel Braga teria o mesmo sucesso que Jesus caso tivesse permanecido no Flamengo, como se a qualidade dos jogadores resolvesse tudo. Basta dizer que o veterano treinador carioca não foi capaz sequer de encontrar espaço para o uruguaio De Arrascaeta atuar, muito menos dar um padrão mínimo ao time, para jogar por terra os argumentos de Mano. Se a qualidade dos atletas resolvesse tudo, Felipão ainda estaria no Palmeiras e Mano no Cruzeiro – o time mineiro, aliás, briga para não cair mesmo com um elenco caríssimo.
Nesta segunda-feira 4, Mano voltou a falar sobre o tema no programa Bem, Amigos!, do SporTV. Criticou, com razão, o imediatismo de quem trata como revolucionário o trabalho dos gringos no Brasil. O time de Jorge Jesus vence e encanta, como já fizeram o Santos de Pelé e Neymar, o Palmeiras de Academia e da era Parmalat, o Inter de Falcão, o Flamengo de Zico, o São Paulo de Telê, o Corinthians de Luxemburgo e tantos outros. Também aproveitou para alfinetar a imprensa, sugerindo que também fossem importados jornalistas de Portugal para elevar o nível da discussão. Mano é esperto, sua acidez tem lógica – de fato, há discussões bastante rasas nos infinitos programas de debate na TV. Mas não se trata de uma guerra de classes. Até porque Mano Menezes vem de bons trabalhos – é bicampeão da Copa do Brasil com o Cruzeiro e seu Palmeiras, apesar de ainda não ter encontrado um padrão, consegue bons resultados –, e não precisaria vestir esta carapuça.
Há, sim, bons treinadores em atividade no Brasil. Os maiores destaques são Tiago Nunes, do Athlético Paranaense (a caminho do Corinthians), e Renato Gaúcho, ídolo máximo do Grêmio. Mano Menezes, Fabio Carille, Cuca, Tite, entre outros, também já provaram suas competências e têm plenas condições de se reinventar, ampliar seu repertório. Não se trata de resgatar a essência brasileira, talvez o problema esteja justamente em se prender demais a ela. Essa noção costuma ser bastante contaminada pela memória afetiva, um saudosismo contraproducente.
Historicamente, a seleção brasileira, referência mundial de “jogo bonito”, pautou-se mais pelo talento individual de seus craques e eficiência nos contra-ataques do que propriamente pela valorização da posse de bola. A seleção vencedora que mais valorizou a troca de passes foi a de Carlos Alberto Parreira, a do tetra em 1994, que, ironicamente, era criticada pelo excesso de meio-campistas, por especular demais. Foi o Brasil mais “guardiolista” que se viu e ainda venceu; nem por isso agradou a todos. Mano Menezes e companhia não precisam copiar o trabalho de ninguém, mas podem ir além de buscar a vitória insossa, a qualquer custo. Ou terão de se contentar em aplaudir quem se propõe a dar espetáculo, pois como dizia Vinicius de Moraes, beleza é fundamental.