A receita de Ye Shiwen para ser fenômeno? ‘É só treinar…’
Tímida e quase monossilábica, a adolescente chinesa mostrou que não é capaz de explicar o próprio talento. Ela negou uso de doping e reclamou das suspeitas
Você já usou alguma substância ilegal? “Absolutamente não”
Para Ye Shiwen, vencer as provas mais difíceis da natação olímpica parece ser a mais simples das tarefas. Enfrentar um microfone, no entanto, deixa a jovem atleta, dona de duas medalhas de ouro em Londres-2012, apavorada. Com os ombros curvados, olhar fixo no vazio e mãos escondidas sob a mesa, ela tentou explicar suas façanhas olímpicas na entrevista coletiva ocorrida depois de sua segunda vitória nos Jogos, nesta terça-feira, nos 200 metros nado medley. Não conseguiu. Incapaz de revelar o que a diferencia das demais – e doping, garante ela, não é o motivo -, a campeã adolescente tentou, com suas respostas curtíssimas, que raramente passavam de uma frase, convencer a todos de que ela é uma atleta comum. Por que tantas atletas tão jovens estão conquistando medalhas? “A gente treina bastante.” Como é a sensação de ser um gênio do esporte? “Qualquer um pode ser um gênio.” Como descobriram seu talento? “A professora do jardim de infância notou que eu tinha um físico bom.” Quanto é preciso treinar a cada dia para nadar tão bem? “Nunca calculei. Bom, são duas horas e meia de manhã, mais duas e meia à tarde.” Você acha injusto colocar em dúvida suas vitórias? “Sim, porque em outros países há gente que ganha muito e não se diz nada.” Por fim, à queima-roupa: você já usou alguma substância ilegal? “Absolutamente não.”
Desde que foi campeã olímpica pela primeira vez, na noite de sábado, Ye Shiwen, de 16 anos, foi transformada na figura mais controversa destes Jogos de Londres. Sua performance quase inacreditável na final dos 400 metros nado medley, em que baixou seu melhor tempo em 5 segundos, destroçou o recorde mundial e chegou a marcar uma parcial melhor que Ryan Lochte, o campeão da prova masculina, colocou a adolescente chinesa no meio de uma grande discussão sobre doping – ainda que nenhum exame tenha indicado nada de errado com ela. O turbilhão de suspeitas provocou, contudo, um efeito surpreendente. Nesta terça-feira, ela foi defendida por ex-atletas, dirigentes e até pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) – e, absolvida das dúvidas, voltou a espantar o mundo, conquistando seu segundo ouro nesta Olimpíada, nos 200 metros medley. Apesar de dividir a piscina com atletas consagradas, como Stephanie Rice, Alicia Coutts, Kirsty Coventry e Ariana Kukors, detentora do recorde mundial, Ye repetiu a façanha de sábado. Horas antes de sua entrada na piscina, a adolescente teve sua performance em Londres chancelada pelo COI. Um porta-voz do comitê, Mark Adams, afirmou que os críticos da chinesa deveriam “cair na real” e parar de lançar suspeitas sobre ela. “Temos uma política muito, muito forte para combater o doping. Se houver algum trapaceiro aqui, vamos pegá-lo”, avisou.