Decisões, Wright e mais: a rivalidade entre Atlético-MG e Flamengo
Galo e Rubro-Negro começam a decidir Copa do Brasil de 2024, mas animosidade do clássico interestadual tem origem há mais de 40 anos; relembre história
Flamengo e Atlético Mineiro começam a disputar a final da Copa do Brasil, neste domingo, 3, no Maracanã. O jogo, que por ser uma decisão já exaltaria ânimos, conta com o ingrediente especial de uma das maiores – quiçá a maior – rivalidades interestaduais do país.
Ou seja, além do campeão do cada vez mais badalado torneio nacional sair deste duelo, um novo capítulo do confronto também está prestes a ser escrito. E depois de ter suas primeiras páginas rascunhadas no Rio de Janeiro, a conclusão fica para o dia 10, na Arena MRV, em Belo Horizonte.
Em ambos os jogos, o ambiente deve ser de hostilidade para o time visitante, em resultado de um histórico acirrado. Fator que é alimentado há décadas, intensificado a partir de um outro encontro valendo título: a final do Campeonato Brasileiro de 1980.
O início da rivalidade
Tanto para o Atlético quanto para o Flamengo, o fim dos anos 1970 foi marcado pela construção de times históricos. Não apenas por títulos, mas por qualidade, com direito a figuras lendárias como Reinaldo, Toninho Cerezo e Éder Aleixo para os mineiros e Zico, Junior e Adílio para os cariocas.
Assim, os muitos craques, treinados por grandes figuras como Procópio Cardozo e Cláudio Coutinho, se destacaram e, em 1980, decidiram o Campeonato Brasileiro. A ida, disputada no Mineirão, acabou em êxito do Galo por 1 a 0, com gol de Reinaldo, o principal nome do lado preto e branco.
Zico, o líder do esquadrão rubro-negro, estava suspenso e não esteve em campo na partida de Minas Gerais. O Galinho voltou no segundo jogo e comandou o Flamengo em um jogo marcante.
Nunes abriu o placar no início, Reinaldo respondeu na mesma moeda e empatou. Zico fez o segundo no fim da etapa inicial, o Rei atleticano, já lesionado, voltou a empatar. Tudo isso antes de eventos da arbitragem comandada por José de Assis Aragão que até hoje são motivo de reclamações.
Depois de um impedimento marcado em jogada que deixaria o Galo em condições de fazer o terceiro, o roteiro mudou. Em razão de reclamação e por “atrasar o reinício da partida”, Reinaldo, grande craque da equipe mineira, foi expulso na metade do tempo final.
Aproveitando-se de ter um jogador a mais, o Flamengo fez o terceiro, mais uma vez com Nunes. O gol do título ainda precedeu mais duas expulsões (de Palhinha e Chicão) para o Atlético, novamente por motivo de contestação a Aragão.
Com isso, a vitória por 3 a 2 garantiu o título do Brasileiro para o Flamengo. Simultaneamente, deu a largada para uma grande disputa interestadual no país.
A Libertadores de 1981
Pouco mais de um ano depois, com as mesmas qualificadas bases mantidas, os times voltaram a fazer mais uma partida decisiva. Daquela vez, porém, o encontro foi pela primeira fase da Copa Libertadores.
O duelo foi válido como “jogo-extra” para definir o líder do grupo 3, que, além dos clubes brasileiros, contava com Cerro Porteño e Olímpia. No regulamento da edição, apenas o campeão da chave passava para a fase seguinte e ambos os times haviam feito oito pontos.
O palco do embate, o Serra Dourada, já causou insatisfação antes mesmo da bola rolar, porque os alvinegros queriam que a sede fosse o Morumbi, em São Paulo. Outra discussão foi a escolha do árbitro José Roberto Wright, que, autoritário, tornou-se a figura central daquele confronto disputado em um gramado exótico, com desenhos geométricos.
O desfecho da classificação flamenguista precisou ter só cerca de 30 minutos de bola rolando. O caos começou quando Reinaldo acertou Zico por trás e foi expulso. Depois, a confusão se tornou generalizada.
Entre idas e vindas de campo, policiamento e discussões, o árbitro expulsou Éder Aleixo, Palhinha e Chicão. Aquele cenário não faria o jogo acabar, porém, em meio ao pandemônio, quando a partida havia voltado e o Galo conseguiu um contra-ataque, parado por falta flamenguista, o goleiro João Leite se jogou no chão.
Após uma breve discussão, Wright manteve a postura firme e levantou o cartão vermelho em direção ao grupo que contava com o arqueiro, massagistas e o defensor Osmar Guarnelli. Assim, com cinco expulsos, o W.O, confirmando o homérica lambança, confirmou a vitória do Flamengo, que se classificou, foi campeão daquela Libertadores e, posteriormente, do Mundial de Clubes.
A versão de José Robert Wright
Sem muitas papas na língua, o árbitro acumulou falas polêmicas após o ocorrido pela Libertadores. E não demorou muito, já que, em setembro de 1981, o carioca Wright passou a apitar jogos pela federação gaúcha e se tornou atração no sul. “Eu sou a atração”, confidenciou em reportagem de PLACAR intitulada “Ladrão em Minas, Sua Senhoria no Sul”.
Escalado para partidas sem tanta expressão dos estaduais, levou público até a um São Borja x Grêmio, na divisa com a Argentina. Exaltado por todas as partes, José Roberto conseguiu ser unanimidade até entre partes do GreNal, recebendo elogios dos técnicos das equipes.
Na entrevista concedida ao repórter Marcelo Rezende, relembrou a memorável baderna e justificou seu estilo disciplinador. “Quando entro em campo, o jogador já pensa: ‘O Wright expulsa, é melhor nem olhar pra ele’”. Sobre o Galo, ele debochou. “Já venderam Chicão e Palhinha. O tempo me deu razão. Hoje concordam que agi certo”.
Por fim, ainda admitiu estar curtindo a fama em Porto Alegre. “Esse negócio de que juiz não deve aparecer é bobagem. Sou atração no Sul. Sou peça promocional, como se fez no Rio com o duelo Zico x Maradona”.
A verdade, no fim, é que depois daquele caótico embate em Goiânia, nunca mais um Atlético Mineiro e Flamengo foi tranquilo. Realidade conhecida e interpretada pelo próprio José Roberto Wright, personagem central da “escalada” da rivalidade, em entrevista à PLACAR, em 1987.
“Para ser normal (um novo Atlético Mineiro x Flamengo), tem que ser jogado na União Soviética, com portões fechados e o Hulk de juiz”, disse, referindo-se, claro, ao super-herói verde, não ao atual atacante do Galo.
Todavia, sobre aquela partida, Wright seguiu taxativo ao ser perguntado se manteria aquelas expulsões: “Com muita tranquilidade. Na ocasião, apliquei a regra. O time do Atlético não queria jogar e eu fui obrigado a botar para fora vários jogadores”.
Outros encontros: goleada, virada e ‘inferno’
Um jogo tão desastroso quanto aquele de 1981 nunca mais ocorreu. Ainda assim, outros grandes encontros aconteceram e alimentaram ainda mais a rivalidade. Foi dessa maneira na semifinal da Copa União de 1987, que o Flamengo de Zico, Renato Gaúcho e Bebeto eliminou o Galo em pleno Mineirão, seguindo rumo ao título.
Em 2004, foi a vez do Atlético ter para si a possibilidade de se gabar. Mesmo longe de uma temporada perfeita, os mineiros aplicaram a maior goleada da história do confronto, ao bater o Rubro-Negro por 6 a 1, em jogo do Campeonato Brasileiro.
Tudo isso era um preparativo para as duas últimas décadas, marcada por grandes elencos em partidas de grande prestígio, rememorando os anos 80. Em 2014, o Galo se deu melhor na Copa do Brasil, ao conseguir virada histórica nas semifinais, com direito a vitória por 4 a 1 na volta, depois de perder por 2 a 0 na ida.
Já mais recentemente, a disputa pelo Brasileirão de 2021 acabou com título atleticano e vice flamenguista. Da mesma forma, a Supercopa do Brasil de 2022 foi parar na sala de troféus da equipe de Minas Gerais, em triunfo nos pênaltis após empate em 2 a 2 com a bola rolando.
O Flamengo, meses depois, devolveu, nas oitavas de final da Copa do Brasil. O confronto foi marcado pela postura do atacante Gabriel Barbosa, que, na sequência do apito final do jogo ida, vencido pelo Atlético por 2 a 1, ao dizer que a decisiva seria um “inferno”, no Maracanã.
A fala incendiou o estádio do Rio de Janeiro e o talentoso time comandado por Dorival Júnior justificou a provocação de Gabigol. O placar de 2 a 0 reverteu o agregado, garantiu a classificação e empolgou o Rubro-Negro rumo à taça naquela edição.
Bastidores seguem quentes
Em síntese, a rivalidade que surgiu com a arbitragem no centro, segue até os dias de hoje com essa tônica. Por consequência, a final da Copa do Brasil de 2024 já começou a ser cercada por declarações e ofícios que aquecem os bastidores.
Sérgio Coelho, presidente do Atlético, chegou a pedir à CBF a implementação do impedimento semiautomático. O cartola ainda citou o “passado” em declarações ao site ge.
“Tanto a Arena MRV como o Maracanã têm condições de receber esse equipamento. Insisto em dizer, o jogo tem que ser limpo e não sujo como foi no passado. Até mesmo os flamenguistas que presenciaram a ladroagem na final do Brasileirão de 1980 no Maracanã e no histórico jogo pela Libertadores de 1981, no Serra Dourada, têm vergonha dos fatos”, disse.
O Flamengo não deixou barato, em fala de Marcos Braz, vice-presidente de futebol do clube, que ironizou o pedido após o sorteio dos mandos de campo da decisão. “Essa pressão do Atlético tem 40, 50 anos, desde os anos 80 tem conversa fiada com relação à arbitragem. Se o segundo jogo fosse aqui, iam falar que a bola era feia, que era ruim, que não sei o que.”
A troca de farpas foi encerrada com Victor Bagy, diretor de futebol atleticano, no mesmo evento. “Faz parte do futebol. A gente sabe que, historicamente, existiram episódios em que o Atlético foi prejudicado. Espero que os problemas com arbitragem não sejam pautas, que vença aquele que estiver melhor preparado e que jogar o melhor futebol. E que seja por mérito”, rebateu.