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Os primeiros voos de Falcão nas páginas de PLACAR

Estreia do craque foi num pôster com a seleção olímpica. Depois, começou a ser citado como grande revelação do Inter. Nascia o Rei de Roma

Os Jogos Olímpicos de Munique, na Alemanha, foram realizados entre 26 de agosto e 11 de setembro de 1972. Uma semana antes do início das competições, PLACAR publicou um minipôster com a seleção brasileira de futebol (formada por “juvenis”, ainda não profissionalizados em seus clubes). A foto clássica, colorida, em duas páginas, com o nome dos garotos, dispensava longas perorações em torno das chances daqueles jovens no torneio. Bastava vê-los. Ali, agachado, com seus grandes cachos loiros, o meio-campo Falcão aparece sorrindo. Foi seu tímido pontapé inicial nas páginas da revista.

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Logo viria mais. Dois meses depois, na edição de 27 de outubro, uma reportagem fazia um balanço do desempenho dos atletas canarinhos na Olimpíada (em três partidas, um empate e duas derrotas, eliminação logo na primeira fase da competição). Fotos de outros quatro jogadores ilustram as páginas. Falcão é citado pela primeira vez ao longo do texto. A revista o elogia (“É um dos melhores meias-canchas que as divisões inferiores do Internacional já formaram”) e mostra a face tímida do rapaz (“Eu só tenho 19 anos e nem penso em ser titular agora. Quero esperar mais dois anos e subir para os profissionais com chances. Essa seleção me deu moral. Antes, jogava preocupado. No juvenil a gente está sempre naquela ansiedade de saber se vai ser contratado ou não. Agora estou tranquilo, pois o Inter me ofereceu Cr$ 25000 de luvas e Cr$ 1000 por mês, pra mim está bom. Eu tinha medo de ser mandado embora.”) Na época, o zagueiro Figueroa ganhava 33000 cruzeiros de salário e o meio-campo Bráulio, 6300 cruzeiros.

Em 1973, o “bom problema” de Dino Sani, do Inter: uma profusão de meios-campistas (acima); o camisa 5 colorado apareceria na capa de PLACAR em setembro daquele ano. Em 1977, ganhou uma só para ele
O camisa 5 colorado em capas de PLACAR

A previsão feita por Falcão não se confirmou. Apenas seis meses depois, ele estreou no Inter, num domingo de abril de 1973, pelo Campeonato Gaúcho. E o resultado não foi nada auspicioso. Falcão entrou em campo, no segundo tempo, quando o Esportivo de Bento Gonçalves já ganhava por 2 a 1. O jogo fez história como a primeira derrota do colorado no Beira-Rio (o estádio havia sido construído em 1969). Na semana seguinte, PLACAR publicou reportagem sobre o “bom problema” enfrentado pelo técnico Dino Sani. O centromédio Carbone, que tinha sido convocado por Zagallo para um amistoso da seleção, já não era mais considerado em Porto Alegre titular absoluto do time. “Falcão entrou em campo porque o público já começava a vaiar alguns passes errados de Carbone”, informa o texto. Ao lado, uma foto com seis dos sete meios-campistas do Inter, no intervalo de um treino.

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Falcão, como sempre, exibe sua tranquilidade. “Eu não queria subir ainda (para os profissionais). Tem gente demais na posição, mas o Dino insistiu, estamos aí.” A reportagem destaca a “tradição” do Inter de formar centromédios. “A cada ano surge um dos juvenis: Bráulio, Tovar, Paulo César (mais tarde conhecido como Carpegiani), Djair, Vitor Hugo, Falcão.” Há, no fim daquelas linhas, uma brincadeira com a situação, provocando o grande rival colorado no Sul. “Marco Eugênio, técnico dos juvenis, explica um dos motivos para o Inter revelar tantos jogadores na posição: ‘Hoje todo guri bom de bola quer jogar no meio-campo. E aqui no Inter o porteiro está proibido de proibir a entrada de crianças. O garoto pode chegar a hora que quiser, com ou sem chuteira. No Grêmio parece que tem um pouco de minhoca. Então a gente pega mesmo os melhores’.”

A primeira vez de Falcão na capa de PLACAR foi em 28 de setembro de 1973 – apenas cinco meses depois de sua estreia nos profissionais. Sob o título “Uma nova fera”, ele ocupa metade da página (outras duas fotos completam a capa). A análise, lida hoje, vai na mosca. “Quando o Inter vendeu Carbone, Tovar pensou que havia ficado absoluto. Porém, um garoto tomou-lhe a camisa 5. O técnico Dino acha que Falcão reúne as qualidade de Carbone e Tovar: tanto defende quanto ataca e lança com precisão. E a torcida, encantada com o seu jogo virtuoso, já pensa até na seleção.” A elegância em campo logo se traduziu em títulos: foi campeão gaúcho em 1973, 1974, 1975 e 1976 (quando o time fechou a série de oito títulos consecutivos iniciada em 1969) e bicampeão brasileiro em 1975 (quando ganhou a Bola de Ouro de PLACAR como o melhor jogador do torneio) e 1976.

Em 21 de janeiro de 1977, Falcão mereceu, pela primeira vez, uma capa inteira só para ele. O título era incontestável: “O titular de todo mundo”. No texto, PLACAR reforçava o que era consenso entre a imprensa esportiva nacional. Na seleção, o time deveria ser ele e mais dez. “E o Falcão, seu Brandão?”, perguntava o título da reportagem. “A história se repete. Em 1958, Pelé, Garrincha e Zito viajaram para a Suécia como reservas. Em 1970, não havia vagas para Tostão e Rivellino. Em 1974, Leão e Paulo César Carpegiani estavam condenados ao banco. Agora, a um mês do início das eliminatórias para a Copa do Mundo de 1978, a mesma ameaça paira sobre Falcão, o melhor jogador brasileiro da última temporada.” Segundo a revista, “praticamente ninguém, nem mesmo o técnico Oswaldo Brandão, duvida que uma das camisas da seleção será dele”. A dúvida, na época, era em qual posição o craque colorado entraria. “O lugar de um talento raro como ele é pelo meio, mais à frente, com liberdade e espaços para se movimentar.”

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Numa época em que paulistas e cariocas “mandavam” na então CBD (a atual CBF) e eram raros os “forasteiros” convocados, PLACAR ajuda a entender a resistência do treinador e de parte da torcida e da imprensa. Apesar de publicar que Zico considerava Falcão “excelente” e que Leão o via como “um dos mais perfeitos e completos jogadores brasileiros, dono de muita personalidade, sempre tocando a bola pra frente e com objetividade”, o texto explicita uma visão típica daqueles tempos. “Falcão, aos 23 anos, tem um prestígio nacional que faz com que seja muito mais do que um jogador gaúcho a serviço da seleção.”

O resto é história.

“Praticamente ninguém, nem mesmo o técnico Oswaldo Brandão (à esq.), duvida queuma das camisas da seleção será dele.” Não foi. Falcão não disputaria a Copa de 1978
“Praticamente ninguém, nem mesmo o técnico Oswaldo Brandão (à esq.), duvida que
uma das camisas da seleção será dele.” Não foi. Falcão não disputaria a Copa de 1978

O Brasil passou pelas eliminatórias, e Oswaldo Brandão foi substituído por Cláudio Coutinho, que não levou Falcão para o Mundial da Argentina, apesar de quase todos dizerem que ele deveria estar entre os titulares. Quatro anos mais tarde, o eterno camisa 5 do Inter encantou o mundo na Copa da Espanha (mesmo com a derrota para a Itália, o time que também tinha Júnior, Sócrates e Zico segue até hoje na memória de todo amante do futebol). Foi um craque consagrado no Brasil e na Europa.

Nascido Paulo Roberto Falcão na cidade catarinense de Abelardo Luz em 16 de outubro de 1953, jogou profissionalmente pelo Inter entre 1973 e 1980, pelo qual ganhou cinco títulos gaúchos e três brasileiros. Em 10 de agosto de 1980, na maior transação envolvendo um atleta brasileiro até então, a Roma pagou o equivalente a 1,5 milhão de dólares pelo passe do meia, que ajudou o time a conquistar o Campeonato Italiano na temporada 1982/1983 (feito que não acontecia desde 1942), o que lhe rendeu o “título” de Rei de Roma. Em 1985 e 1986, jogou pelo São Paulo (venceu o Paulista de 1985). Desde então, atuou como comentarista esportivo e técnico (já dirigiu as seleções do Brasil e do Japão). É um dos maiores ídolos da história do Internacional, sinônimo de elegância.

Matéria publicada na seção ‘Primeiros Passos’ da edição impressa 1462 de PLACAR, de abril de 2020

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