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Gênio ou idiota? Um histórico perfil de Luxemburgo, o técnico craque

Reportagem de PLACAR de junho de 2000 apresentou os métodos, defeitos e virtudes do principal treinador brasileiro da época

Capa da PLACAR com Vanderlei Luxemburgo de junho de 2000
Capa da PLACAR com Vanderlei Luxemburgo de junho de 2000

Vanderlei Luxemburgo completou 70 anos no último dia 10 de maio e recebeu felicitações dignas de uma lenda do futebol brasileiro. Ex-jogador com passagens inglórias por Flamengo, Inter e Botafogo, ele entrou para a história como o revolucionário treinador que encantou torcedores nas décadas de 90 e 2000 ao formar equipes vencedoras e de jogo vistoso. Em junho de 2000, época em que treinava a seleção brasileira, Luxemburgo, cujo primeiro nome ainda era grafado com W e Y —  uma enorme confusão envolvendo sua certidão de nascimento adulterada em nome e idade ganharia as manchetes no ano seguinte — estampou uma das capas mais recordadas de PLACAR.

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Gênio ou idiota?” era o questionamento proposto no perfil escrito por André Fontenelle e Arnaldo Ribeiro. Ironicamente, a matéria antecedeu a saída do treinador da seleção brasileira, após o fracasso na Olimpíada de Sidney, na qual Luxa abriu mão de convocar atletas acima de 23 anos (o país clamava por Romário) e a seleção que tinha Alex e Ronaldinho Gaúcho foi eliminada nas quartas de final por Camarões, nas quartas de final, no gol de ouro, mesmo com dois jogadores a mais. Na época, o controverso treinador também enfrentava denúncias de falsidade ideológica e sonegação fiscal que o levariam a uma CPI.

Apesar dos problemas pessoais e da excessiva vaidade, Luxemburgo sempre foi reconhecido com um treinador genial, reverenciado pela maioria dos atletas que dirigiu, mesmo os seus desafetos (confira lista abaixo). Seja pelo uso de elegantes ternos, pela formação de comissões multidisciplinares ou pelas substituições que mudavam o panorama dos jogos, Luxemburgo foi o símbolo de uma geração que passou a valorizar mais os treinadores.

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O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas-feiras rememora um tesouro de nossos 52 anos de arquivo, recupera o texto na íntegra, abaixo:

Luxa, Penta

Por André Fontenelle e Arnaldo Ribeiro

Houve um tempo em que os craques brilhavam e levantavam as taças. Hoje os técnicos são jogados ao alto. Conquistar a Copa do Mundo de 2002 é o objetivo de Wanderley. Desde que a vitória tenha sua marca pessoal

Copa América, Foz do Iguaçu, julho de 1999. Wanderley Luxemburgo e Ronaldinho chegam para mais uma entrevista coletiva depois de outra vitória brasileira. Imediatamente começa o bombardeio de perguntas para o Fenômeno. Ao cabo de alguns minutos, cansado do papel de mero espectador, o técnico da Seleção Brasileira se levanta e finge que vai se retirar. “Já que vocês não querem me perguntar nada…” Alguns repórteres engolem o teatrinho e imploram que Luxemburgo permaneça. Com um sorriso, ele se senta de novo e passa a dividir as atenções com seu convocado mais famoso.

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Eliminatórias da Copa do Mundo, Morumbi, abril de 2000. Desta vez, é Rivaldo que está sentado ao lado de Luxemburgo para a coletiva, que dura cerca de meia hora. Ao longo desse período, o melhor jogador do mundo, segundo a eleição da Fifa, responde apenas uma pergunta. O treinador, visivelmente satisfeito, é o centro da entrevista.

Os dois casos exemplificam uma estranha distorção dos papéis no futebol. Desde quando o treinador se tornou mais importante que o craque? Seria impensável há 40 anos o tranqüilão Vicente Feola roubando de Pelé o status de protagonista de uma partida da Seleção Brasileira. Quem ganha jogo é o craque. Era assim nos tempos de Feola e Pelé, é assim nos tempos de Luxemburgo e Rivaldo.

Mas para o atual técnico da Seleção talvez não baste, por exemplo, ganhar a Copa do Mundo do Japão e da Coréia: será preciso que todos digam que ele ganhou a Copa. Que todos lembrem a Seleção de 2002 como o Brasil de Luxemburgo, não o Brasil de Rivaldo ou o Brasil de Ronaldinho. Assim como o Palmeiras de 1994 é chamado de Palmeiras de Luxemburgo, não de Palmeiras de Edmundo e Rivaldo. Os papéis no futebol se inverteram: a estrela agora está fora do campo. “Os técnicos passaram a ser os donos do espetáculo. Imprensa e torcida também passaram a acreditar que eles são mágicos, podem mudar a história de um jogo. Não podem”, diz Tostão, comentarista e colunista de PLACAR.

Se os técnicos ganharam hoje a reputação de alquimistas, Wanderley Luxemburgo da Silva é um dos maiores responsáveis pelo fenômeno. Seu trabalho em clubes como o Bragantino e o Palmeiras foi apenas o ponto de partida. Luxemburgo, mais do que conquistar títulos, é importante porque deu uma nova dimensão à própria profissão. O técnico é o comandante supremo da equipe? Por que não utilizar então ternos na beira do gramado, aos moldes italianos, se diferenciando do restante do banco de reservas? Todo mundo sabe e sempre soube que o fator psicológico ganha e perde jogo. Pois Luxemburgo escancarou isso, admitiu o uso de psicologia, neurolinguística e o que fosse para mexer com a cabeça do jogador. Poucas vezes o marketing foi tão bem utilizado por um profissional ” e não há, que fique bem claro, qualquer problema nisso.

O fato é que os técnicos foram supervalorizados, seus salários explodiram. O sindicato dos treinadores deveria erguer uma estátua a Wanderley Luxemburgo. A sentença de que técnico ganha jogo foi também assimilada pela turma da arquibancada. Uma enquete de PLACAR no site www.placar.com.br comprovou que a maioria (61,0%) acredita que o técnico tem grande importância e pode fazer campeão um time ruim; poucos (27,9%) acharam a importância do técnico média (às vezes ajuda, às vezes atrapalha); e apenas uma minoria (11,1%) entende que o técnico não tem nenhuma importância e só atrapalha. Bingo. Como os bombeiros e carteiros, a profissão de técnico goza atualmente de tremenda credibilidade entre os brasileiros.

Não deixa de ser curioso, até emblemático, que o homem que deu uma nova dimensão à função de técnico não seja nenhum medalhão do futebol. Como jogador, Luxemburgo ficou a anos-luz de Zico, Zagallo, Pepe, Telê e muitos outros. Vanderlei ” era esse o seu nome de guerra, antes do sucesso, que trouxe consigo o “w” e o “y” ” foi um obscuro lateral-esquerdo do Flamengo e do Internacional. Encerrou precocemente a sua carreira de jogador em 1980, no Botafogo-RJ, devido a um problema no joelho. Depois ele arriscou a sorte como treinador e foi auxiliar de Antônio Lopes, no Olaria, no América-RJ e no Vasco. O Campo Grande foi o primeiro time que ele comandou sozinho. De 1983 a 1989, dirigiu seis equipes pequenas, duas na Arábia Saudita. Sem grandes perspectivas na profissão, reforçava o orçamento com a compra e venda de carros batidos.

A transformação total ocorreu quando ele chegou ao até então inexpressivo Bragantino. Lá, ganhou o título da segunda divisão do Campeonato Brasileiro e foi campeão paulista em 1990, eliminando ninguém menos do que o Corinthians. A mágica, na época, era parcialmente explicada com argumentos de outro mundo. O mentor espiritual de Luxemburgo então, o médium Robério de Ogum, dividiu com o técnico os méritos da conquista.

Quando deixou Bragança para assumir o Flamengo, Luxemburgo já era um sujeito de sucesso e, acima de tudo, vaidoso. Tinha três carros e quatro imóveis, além de uma construtora, uma agência de automóveis e uma lanchonete. Só vestia linho e camisas de seda. Tinha pelo menos 25 pares de sapatos e avisava a quem o entrevistasse: “Eu vou chegar à Seleção.”

Fracassou no Flamengo, no Guarani e na Ponte Preta, mas ressurgiu com tudo no Palmeiras em 1993. Ajudou a tirar o time da fila e já dava suas primeiras lições de marketing, misturando na mesma cumbuca ingredientes diversos como profissionalismo, disciplina, tecnologia e psicologia. Nas horas de folga, fazia questão de tomar uma cervejinha e arriscar um pagode com seus jogadores. Assim, acreditava que “tiraria um algo mais” do boleiro na hora do jogo.

Deixou o Verdão para retornar ao Flamengo, mas trombou com Romário e se deu mal. Estava escondido no Paraná Clube quando o Palmeiras o chamou de volta. Montou um time inesquecível em 1996, que tinha feras como Rivaldo, Djalminha, Müller, Cafu e outros. Foi campeão paulista, parecia invencível. Depois de uma passagem discreta pelo Santos, marcou época no Corinthians campeão brasileiro de 1998, tanto que os torcedores nem se importavam com o fato de ele ser sócio de um bar de palmeirenses, encravado no bairro mais palmeirense de São Paulo, ao lado do Parque Antártica.

Zagallo caiu após a Copa de 1998. Luxemburgo era a bola da vez. A CBF se curvou e enfim ele conseguiu atingir seu grande objetivo. Em pouco mais de um ano e meio no comando da Seleção, Luxemburgo conquistou 29 vitórias, dez empates e três derrotas (Coréia do Sul, México e Argentina, até 26 de maio). Ganhou a Copa América e o Torneio Pré-Olímpico, mas perdeu a Copa das Confederações.

Na Seleção, Wanderley Luxemburgo não descuidou dos detalhes. Abasteceu o seu guar-roupa com ternos de grifes (Armani é um dos prediletos) e os utiliza mesmo em temperaturas escaldantes ou em jogos com muita chuva. Robério de Ogum já é uma lembrança distante, a onda agora é a neurolingüística. Entrou em um curso de inglês e passou a adotar expressões rebuscadas em português, nem sempre colocadas no contexto adequado. Segundo ele, tudo para valorizar a profissão de treinador de futebol no Brasil. Às vezes, o exagero é flagrante. “Ele é um jogador de muito feeling. Reconheceu que precisa ter o timing certo do passe e do drible. Só desse jeito ele terá um upgrade.” Essas foram as palavras do “professor”, para descrever uma conversa que teve com Rivaldo durante a última Copa América. Tudo numa única frase.

O upgrade social também veio. Não que o técnico tenha esquecido bons amigos como os companheiros Oswaldo Oliveira (atual técnico do Corinthians) ou Candinho (seu auxiliar na Seleção). A comemoração dos seus 48 anos, no início de maio, foi uma prova disso. Luxemburgo foi convidado para um jantar na casa da socialite Lucília Diniz, sócia do Grupo Pão de Açúcar, e recebeu abraços ilustres. Lá estavam o cantor Zezé di Camargo, o comediante Tom Cavalcante, o empresário do futebol J. Hawilla, o decorador Jorge Elias, a apresentadora Hebe Camargo e o fotógrafo da revista “Caras”. Não que todos esses sejam exatamente amigos do peito do técnico (Oswaldo, Candinho, a mulher Jô e as filhas Vanusa, Vanessa e Valeska também estavam lá). Nessas festas da alta sociedade, quem organiza busca sempre um “mix” entre os convidados. Um ator, um empresário, um publicitário e assim por diante. Isso pouco importa. O fato é que Luxemburgo era a estrela da noite. E ganhou um montão de gravatas.

Luxemburgo gosta das manchetes e sabe se adaptar à ocasião. Em Londrina, durante o Pré-Olímpico, ele arriscou até um poema: “Londrina bonita, dengosa, sestrosa/ Finge não ver, recusa/ Mas pára, olha, vem vindo curiosa/ Um gol, um olhar. Explodem/ A rede, o grito. O coração/ Amor. Londrina, te amo.” “Pode até existir, como em toda classe, um ou outro treinador que goste das manchetes e até provoque as manchetes. Eu e o Zagallo não gostamos. Ele (Wanderley) já gosta, não de aparecer, mas de estar presente, e isso é do interesse da imprensa”, analisa o técnico Carlos Alberto Parreira, campeão do mundo nos Estados Unidos, em 1994.

Rei no Brasil, Luxemburgo ainda é apenas um nome complicado de pronunciar lá fora. Na recente excursão que a Seleção fez ao Reino Unido, ele foi praticamente ignorado pela imprensa britânica. Os jornalistas perguntavam: “Quem é ele?” “Ele realmente é famoso no Brasil?” Resignado, o treinador guardou a vaidade no bolso. “Eles estão certos. Ainda não tenho fama internacional. Estou na Seleção para aprender mais e quem sabe ser conhecido um dia”, afirmou, politicamente correto.

Apesar de garantir que domina algumas línguas estrangeiras, Luxemburgo não se arrisca a dar entrevistas a repórteres estrangeiros no idioma deles. Segundo ele, “seria falta de respeito com os outros jornalistas presentes”. Afinal, eles poderiam não compreender o diálogo.

Enquanto o reconhecimento externo não vem, o técnico abusa de sua força no mercado interno. Craques consagrados, como Romário, Edílson e Marcelinho, hoje medem as palavras, e atitudes para não ferir o ego do chefe, que sabe usar como poucos a melhor arma que tem nas mãos: fechar a eles as portas na Seleção Brasileira. “Ele não gosta, por exemplo, que a gente fique cobrando uma convocação”, afirma Edílson.

O entrevero mais recente envolveu o pacato e emergente Ronaldinho Gaúcho, do Grêmio, barrado do jogo com o Equador, pelas Eliminatórias, por estar, segundo Luxemburgo, acima do peso. Na ocasião, Luxemburgo disse que sua atitude serviria de exemplo para que os demais atletas passassem a se cuidar mais em seus clubes antes de se apresentarem à seleção.

Foi o suficiente para Luxemburgo virar o inimigo número um no Rio Grande do Sul. Torcedores do Grêmio criaram um site (www. odeioluxemburgo.cjb.net/) e o presidente do clube, José Alberto Guerreiro, acusou o técnico de estar usando o jogador e o time para “promoção pessoal”. Ronaldinho, sem outra opção, calou-se, como os outros, para não sofrer represálias no futuro.

“O Wanderley sempre teve uma personalidade forte, mas mudou um pouco o seu estilo de ser. Acho até natural, porque ele tem de se impor como técnico da Seleção. Mesmo assim, ele parece ser bem aceito pelos atletas”, diz o hoje técnico Luisinho Lemos, que conhece Luxemburgo como poucos: jogou com ele no Flamengo, no Botafogo e no Internacional e ainda foi comandado pelo técnico da Seleção quando este dirigiu o América-RJ, no início da carreira.

O trato com a imprensa segue uma linha semelhante. Em pouco tempo, Luxemburgo conseguiu impor a mesma lei do constrangimento aos jornalistas. Poucos ousam desafiá-lo para não serem prejudicados na cobertura da Seleção Brasileira num futuro próximo.

Quando assumiu o cargo, ele anunciou que os jornalistas passariam a freqüentar o mesmo hotel onde a comissão técnica e os jogadores ficassem concentrados. “A minha política é a da transparência”, explicou. Por trás da transparência, vem o patrulhamento ostensivo. Com os repórteres por perto 24 horas por dia, ficou mais fácil para Luxemburgo cobrar e intimidar qualquer um que tivesse feito uma crítica a ele, no saguão, no café, no restaurante ou nos corredores dos hotéis.

Desse modo, ele pode também controlar o que a imprensa vai publicar no dia seguinte. Quando cortou por birra o atacante Ronaldinho, o Nazário, dos amistosos com a Austrália, em novembro do ano passado, Luxemburgo procurou na ocasião um repórter da Folha de S. Paulo, jornal com quem tem uma relação conturbada, para sondá-lo a respeito do episódio. “Parece que o “Globo Esporte” meteu o pau em mim por causa do corte do Ronaldo. O que estão falando lá na Folha sobre isso? O que eles vão dar?”, quis saber.

O fim dos privilégios com determinados repórteres foi outra promessa de Luxemburgo que não vingou. Os mais íntimos conversam com o treinador reservadamente na concentração e nessas conversas é que acabam tirando informações exclusivas. Poderia se interpretar esse acesso especial como um mérito do jornalista. O problema aí é que Luxemburgo propagandeia a isenção absoluta, repete exaustivamente que não há privilégio algum na comunicação da Seleção Brasileira.

“O Luxemburgo joga muito com a imprensa, acha que, oferecendo alguma informação privilegiada, vai ter o jornalista na mão”, afirma o comentarista Tostão, que virou um dos desafetos do treinador. “Em um jogo nos Estados Unidos, ele me convidou para tomar café, contou coisas do time, explicou até suas intenções nos treinos. Aí, quando fiz críticas a ele, ele reclamou. Para ele, é toma-lá-dá-cá, ele não entende como alguém ousa criticá-lo”, conta.

Marcelo Bianconi, repórter da ESPN/Brasil (canal de TV por assinatura), é outro que sentiu na pele como funciona o esquema Luxemburgo. Ele descobriu por acaso na máquina de xerox do hotel onde a Seleção estava hospedada, em Bogotá, a sigilosa escalação do time para o jogo com a Colômbia, na estréia das Eliminatórias. E havia um furo jornalístico naquela folha de papel. Para surpreender os colombianos, o técnico optara por um ataque de força: Jardel e Élber no lugar dos mais leves Ronaldinho Gaúcho e Edílson.

Quando Luxemburgo soube que Bianconi conhecia a escalação, tentou de todas as formas dissuadi-lo de divulgar a informação. “Tome cuidado, porque a sua carreira jornalística pode ser prejudicada”, disse o treinador da Seleção, acrescentando: “Eu posso mudar a escalação e aí você dança.” Em seguida, prometeu dar ao repórter uma entrevista exclusiva ou conceder alguns privilégios no futuro se ele não desse a notícia. Mesmo arriscando-se a sofrer um boicote futuro na Seleção, Bianconi recusou a oferta e pôs no ar a informação. Jardel e Élber jogaram. “É uma relação de duas vias”, justificou depois Luxemburgo, para quem não havia nada de errado em propor uma entrevista em troca do silêncio do repórter.

A discussão sobre as virtudes e defeitos de Luxemburgo não tem fim. O fato é que os resultados que conquistou dão importantes pistas sobre o seu verdadeiro talento e sobre a real importância do papel de um técnico de futebol. Quando teve jogadores e estrutura para realizar seu trabalho (Palmeiras de 1996 e Corinthians de 1999, por exemplo), brilhou. Quando lidou com boleiros de segunda categoria (Santos, em 1997), naufragou. Nem gênio, nem idiota, Luxemburgo é um técnico como qualquer outro. Um ator coadjuvante no grande espetáculo do futebol.

Para a torcida, porém, o julgamento final tem data marcada: 30 de junho de 2002, dia da final da Copa do Mundo da Ásia. Foi assim na França, há dois anos. O técnico Aimé Jacquet sofreu por muito tempo nas mãos da imprensa. O L”Équipe, o maior jornal esportivo da França, cansou-se de pedir sua renúncia. Jacquet resistiu, ganhou a Copa e calou a boca dos opositores. De tão magoado, não se esqueceu das críticas nem na hora do triunfo. “Eu não perdoarei”, disse, logo depois da vitória sobre o Brasil na decisão. Nem precisaria perdoar. A razão está sempre do lado dos vencedores, como bem sabe Wanderley Luxemburgo.

Por que ele é um gênio

1. ele venceu na vida com muito esforço

Lateral-esquerdo medíocre de Flamengo, Internacional e Botafogo, por pouco Luxemburgo não desaparece ao parar de jogar, em 1980. Agarrou as chances que teve, primeiro no Campo Grande, depois no Bragantino, e chegou ao topo da profissão.

2. Ele ganhou quase tudo até agora na seleção

O Brasil sob seu comando vai bem. Ganhou o Pré-Olímpico e a Copa América. Certo, a concorrência em ambos era fraca, mas isso não é problema de Luxemburgo.

3. Ele não esquece nenhum detalhe na preparação do time

Luxemburgo estuda em detalhes as equipes adversárias, diferentemente de alguns de seus antecessores. Do conforto dos jogadores no hotel ao estado psicológico de cada um, tudo passa por seu crivo.

4. Ele valorizou o cargo de treinador

A nova geração de técnicos brasileiros sofre influência de Luxemburgo, seja na forma de vestir (vide Mauro Fernandes) ou no estilo de comandar (caso de Oswaldo de Oliveira).

5. O treinador é ele. Então, deixem ele trabalhar

No passado, outros técnicos tiveram preferências esdrúxulas. Alguns deram certo (Parreira), outros não (Sebastião Lazaroni). Mas o técnico tem que ter liberdade para pôr em prática suas idéias.

Matéria sobre Vanderlei Luxemburgo, em junho de 2000
Matéria sobre Vanderlei Luxemburgo, em junho de 2000

Por que ele é um idiota

1. Depois de famoso, ele ficou besta

Novo-rico do futebol, Luxemburgo assumiu uma postura artificial que às vezes beira o ridículo: roupas de gosto duvidoso, vocabulário empolado…

2. Ele não convoca jogadores que o incomodam

Você é craque? Então se cuide. Alguns dos melhores jogadores do Brasil estão de fora da Seleção. Ter opinião ou brilhar além do permitido pode ser fatal. Só entra quem baixar a cabeça para o mestre.

3. Ele manipula a imprensa

Escolhendo os veículos de comunicação a quem vai passar informações exclusivas, Luxemburgo põe de joelhos os repórteres. Brigar com o Homem pode significar a perda do acesso ao Olimpo.

4. Ele exibe uma autonomia que não tem

Luxemburgo disse que nunca mais o Brasil jogaria contra clubes. Voltou atrás, enfrentou o Barcelona. Ele aceita sem chiar amistosos absurdos, como o contra a Tailândia, para atender a interesses políticos da CBF. Sua estratégia é sobreviver.

5. Ele supervalorizou o cargo de treinador

Com Luxemburgo no comando da Seleção, inverteu-se uma antiga máxima do futebol. Agora, se o time ganha, o mérito é do treinador. Se perde, a culpa é dos jogadores (ou da imprensa).

Entrevista para não dar entrevista

Entrevistar Wanderley Luxemburgo não é uma tarefa das mais fáceis. Muitas vezes o tempo dedicado ao “no comments” supera” e em muito ” o que seria gasto numa entrevista.

Normalmente, o caminho indicado seria o formal, por intermédio da assessoria de imprensa. O problema é que os próprios assessores recomendam ao repórter entrar em contato diretamente com o técnico.

Para a edição de março, PLACAR procurou Luxemburgo, em busca de um comentário sobre a pesquisa do site da revista, que apontou Romário como um dos 11 preferidos dos leitores. Telefones em mãos, PLACAR insistiu até conseguir encontrá-lo. Ocorre que o tema que o técnico mais teme discutir é a convocação de fulano ou beltrano, assunto que pode desencadear uma polêmica. Depois de três dias de negociação, Luxemburgo se recusou a dar entrevista.

PLACAR voltou a procurar o treinador em maio, para ouvi-lo sobre a importância dos técnicos no futebol de hoje. Luxemburgo negou-se a falar, alegando que não queria privilegiar nenhum veículo com entrevistas exclusivas. “Desta vez, vou ficar devendo.” PLACAR persistiu, explicando que as perguntas não abordariam casos específicos de jogadores, como Romário ou Ronaldinho Gaúcho. Para provar isso, a redação enviou a lista de perguntas que desejava fazer. Mas ele continuou inflexível. “Não vai dar mesmo”, respondeu num telefonema ao repórter. “Não é que eu não tenha gostado das perguntas. A pauta é até muito boa, interessante”, admitiu, “mas tudo o que eu falar vai acabar provocando polêmica.” “Quem sabe da próxima vez?”

Os fios de cabelo branco

A expressão é dele mesmo para Edmundo, Romário, Djalminha, Edílson e Marcelinho. Mas há novos fios: Ronaldinhos…

Edmundo

Luxemburgo até hoje diz considerar o polêmico atacante do Vasco “um filho”, mas, além de afastá-lo do time por mais de uma vez quando dirigia o Palmeiras, chegou a chamar o jogador para a briga, em 1994. Tudo para comprovar a sua autoridade. Nunca o convocou para a Seleção Brasileira desde que assumiu o comando.

Romário

O técnico da Seleção trombou com o Baixinho quando dirigiu o Flamengo, em 1995. Não aceitava os privilégios de que o craque gozava na Gávea e condicionou sua permanência à saída dele. Perdeu a queda de braço e acabou indo embora. Diz ter feito as pazes com ele, mas só convocou-o depois de muita pressão da imprensa.

Djalminha

Luxemburgo teve uma convivência no limite do suportável com ele no Palmeiras. Numa excursão à Coréia, em 1996, cogitou suspendê-lo e o volante Marquinhos por terem chegado atrasados à concentração. A dupla ameaçou bater no técnico, mas foi controlada por dirigentes. Outro que nunca foi convocado pelo técnico.

Marcelinho

Também vivia às turras com o maior ídolo do Corinthians. No entrevero mais grave, em 1998, Marcelinho desacatou Chicão, segurança da confiança de Luxemburgo, por controlar todos os seus passos na concentração. Foi afastado por 20 dias. Chamado pelo técnico nas primeiras convocações, foi logo para a geladeira.

Mais fios de cabelo branco

Edílson

O estilo desbocado, convencido e indisciplinado do jogador irritava Luxemburgo desde os tempos em que ambos trabalhavam no Palmeiras, quando o capetinha foi confinado à reserva. Os conflitos continuaram no Corinthians. O corte da Seleção na Copa América, pelas embaixadinhas na final do Paulistão, só comprovou tudo.

Ronaldo

O técnico quis transformá-lo num símbolo para os mais jovens. Não digeriu a recusa dele em participar da Copa das Confederações em 1999. Pouco depois, criticou-o por não ter pressionado o seu clube para jogar dois amistosos na Austrália em vez de um e dispensou-o quando ele já havia se apresentado após horas e horas de viagem.

Denílson

Assim como Ronaldinho, pagou pelo que deixou de fazer. Luxemburgo também queria que ele intercedesse junto ao seu clube, o Betis, para ficar na Seleção durante todo o período de preparação para o Pré-Olímpico. O clube, amparado pela Fifa, só concordou em liberá-lo cinco dias antes do torneio. Acabou dispensado depois de ter se apresentado.

Ronaldinho

Tímido, modesto, bom garoto, nem ele escapou da ira de Luxemburgo. Primeiro, foi a implicância com seus compromissos comerciais. Depois, o mal explicado episódio do excesso de peso do craque, que serviu como justificativa para barrá-lo do jogo com o Equador. Exposto sem necessidade, o atacante ficou muito constrangido.

Ele é o melhor do Brasil

Conheci Luxemburgo em 1980, quando fui trabalhar no Botafogo como preparador físico. Ele estava encerrando a carreira de jogador, com o joelho comprometido. Acho que foi por causa desse joelho que nós acabamos estreitando nossas relações. Ele precisava fazer reforço no local e eu sempre o acompanhava na sala de musculação, onde conversávamos muito.

Depois de alguns encontros na Arábia Saudita, surgiu a idéia de trabalharmos juntos. Concretizamos isso no Santos, em 1997, quando ele me chamou para ser seu auxiliar. A parceria continuou no Corinthians.

Temos personalidades diferentes, mas trago muitas coisas positivas do nosso convívio. Admiro seu estilo de delegar poderes, distribuir tarefas, não ser centralizador.

Ele tem o modo dele de lidar com os jogadores. Esse estilo explosivo não é um modelito pré-estabelecido. É claro que o técnico da Seleção atrai todo tipo de polêmica. Mas, se ele tiver tempo, fará um grande trabalho, porque sabe lidar com tudo o que envolve o futebol.

Já conversamos também sobre a mídia. Disse a ele que o jornal de hoje será o jornal de ontem amanhã. Já passou. Evito ler jornais, ao contrário dele. É difícil você ficar diariamente exposto a críticas e a análises.

Entendo também que a opção dele por vestir ternos, coisa que não faço, valorizou a sua figura como treinador. Contribuiu para que ele alcançasse seus objetivos.

É lógico que você muda. Uma pessoa que se torna conhecida dirigindo grandes clubes e a Seleção, não fica impune. Mas a essência do Wanderley continua a mesma.

Fora de campo, é brincalhão, gosta de contar piadas, inventar apelidos. Além de grande treinador, ele é muito bom parceiro. Por isso, quando me comparam com Wanderley Luxemburgo, só posso sentir orgulho. Ele é o melhor do Brasil.

Oswaldo de Oliveira foi auxiliar-técnico de Luxemburgo no Santos e no Corinthians

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