Publicidade
#TBT Placar ícone blog #TBT Placar Toda quinta-feira, um tesouro dos arquivos de nossas cinco décadas de história

Em 1998, Luxemburgo conciliou cargos na seleção e no Corinthians; relembre

Fernando Diniz, do Fluminense, vai repetir o feito de Luxa, que, no entanto, só disputou amistosos; à PLACAR, ele garantia que chegaria a 2002

A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) surpreendeu ao anunciar nesta semana que Fernando Diniz conciliará os cargos de técnico da seleção brasileira e do Fluminense. O fato é incomum, mas não inédito: a última vez que ocorreu foi em 2000, com Emerson Leão, que fez sua estreia ainda como treinador do Sport. Seu antecessor, Vanderlei Luxemburgo ficou mais tempo, três jogos em quatro meses, enquanto treinava justamente seu clube atual, o Corinthians, no segundo semestre de 1998. PLACAR tratou do tema em sua edição de setembro daquele ano.

Publicidade

Diferentemente do caso de Diniz, que assumiu de forma interina, com contrato de um ano, enquanto a CBF aguarda pela chegada do italiano Carlo Ancelotti, do Real Madrid, há 25 anos Luxa foi o escolhido para suceder Zagallo de forma efetiva, depois da frustração na final da Copa da França. Tampouco falava-se tanto em conflito de interesses, pois o período de conciliação era mais curto (cerca de quatro meses, só até o fim do Campeonato Brasileiro, única competição que o Timão disputava naquele período).

Na estreia de Vanderlei (então grafado como Wanderley), a seleção empatou em 1 a 1 com a extinta Iugoslávia, com gol de Marcelinho Carioca, que era o craque do Corinthians. Ainda conciliando as funções, Luxa dirigiu o Brasil em outros dois amistosos, ambos com triunfos por 5 a 1, contra Equador e Rússia. Em dezembro, ele se despediu da torcida corintiana em grande estilo: com o título do Campeonato Brasileiro, diante do Cruzeiro.

Publicidade

Pela seleção, Luxemburgo conquistaria a Copa América de 1999 e o pré-olímpico de 2000, mas acabaria demitido após a eliminação para Camarões nos Jogos de Sidney, em meio a escândalos pessoais.

A reportagem de PLACAR de setembro de 1998 assinada por Luís Estevam Pereira e Sérgio Xavier Filho, tinha tom premonitório, alertando dos riscos de Luxemburgo não conseguir terminar o ciclo até a Copa do Mundo de 2002, na Coreia e no Japão, onde a equipe acabaria conquistando o penta, já sob o comando de Luiz Felipe Scolari.

Luxemburgo e Marcelinho: inimigos íntimos
Luxemburgo e Marcelinho, na campanha de 1998

O blog #TBT PLACAR, que todas as quintas recupera um tesouro de nossos arquivos, exibe este texto na íntegra:

Confira a reportagem na íntegra:

Ele chega até 2002?

Na história do futebol brasileiro, nunca um treinador que assumiu a Seleção quatro anos antes do Mundial e teve que disputar as Eliminatórias foi mantido no cargo

Publicidade

Por Luís Estevam Pereira e Sérgio Xavier Filho

Copa de 1958. O técnico da Seleção Brasileira, Oswaldo Brandão, vence as Eliminatórias e classifica o Brasil. Mas quem acaba embarcando para o Mundial da Suécia como treinador é Vicente Feola. Em 1969, João Saldanha vence todos os jogos classificatórios, só que acaba substituído por Zagallo pouco antes da Copa do México. Para a Copa de 1986, o técnico seria Evaristo de Macedo. Não chega nem às Eliminatórias, vencidas por seu substituto, Telê Santana. Carlos Alberto Silva tinha tudo para dirigir o Brasil na Copa da Itália. O técnico permanece no cargo em 1987 e 1988 e Sebastião Lazaroni assume em 1989. A Copa seguinte estava reservada para um nome de consenso: Paulo Roberto Falcão, dono de idéias que representavam a modernidade no esporte. Falcão vira o treinador logo depois do fracasso na Itália e só dura um ano. Em resumo: nunca um técnico que assumiu a Seleção Brasileira quatro anos antes, sobreviveu à pedreira das Eliminatórias e chegou ao Mundial. Se você pensou em Zagallo, pode esquecer. O Velho Lobo dos gramados teve quatro anos para trabalhar em 1974 e 1998, é verdade. Só que ele não precisou passar pelas Eliminatórias porque nas Copas anteriores o Brasil havia sido campeão mundial. Apresentado no dia 11 de agosto pela CBF como o sucessor de Zagallo, Wanderley Luxemburgo da Silva, 46 anos, tentará quebrar essa maldição e chegar à Copa de 2002.

O fantasma Carpegiani
“Enquanto eu for presidente da CBF, o Luxemburgo não será técnico da Seleção”, chegou a confidenciar o presidente da CBF, Ricardo Teixeira, numa roda de amigos durante o Mundial da França. A reviravolta teria ocorrido por conta da pressão da opinião pública.

Nas semanas que antecederam a escolha, o instituto de pesquisa Datafolha divulgou os resultados de uma enquete nacional que davam 69% de preferência dos torcedores por Luxemburgo. Na Rede Globo, o locutor Galvão Bueno não parava de enaltecer as qualidades do treinador. Dirigentes que privam da intimidade de Teixeira garantem que Luxemburgo passará por três testes antes das Eliminatórias, com início marcado para o ano 2000. O primeiro é a Copa das Confederações, que será disputada no México em janeiro de 1999, na qual o Brasil poderá enfrentar a atual campeã do mundo, a França. O segundo é a Copa América, no Paraguai, em meados do próximo ano. O terceiro e último teste é o pré-Olímpico, em janeiro de 2000, no Brasil. Se Luxemburgo fracassar, o nome de Paulo César Carpegiani seria o mais cotado para sucedê-lo. A seu favor pesa a experiência em Eliminatórias já que classificou o Paraguai para a Copa da França.

Acabou a ação entre amigos
A tarefa do novo treinador encontra outros complicadores. O maior deles reside na defesa da Seleção. O goleiro Taffarel fez sua última Copa, assim como o zagueiro Aldair. O becão Júnior Baiano foi um desastre na França.

A Seleção também não poderá mais contar com a liderança de Dunga. Se depender do currículo, Luxemburgo tem cacife para reverter o quadro e comandar o Brasil na Copa da Japéia (Japão e Coréia). Com um time mediano, como o Bragantino do final dos anos 80, conseguiu um título brasileiro da Série B e um Paulista. Com um timaço como o Palmeiras da Era Parmalat, papou três estaduais e dois Brasileiros. Hoje, faz a equipe do Corinthians dar show no Brasileirão 98, fato que não ocorria desde que Sócrates deixou o clube, há treze anos. O que não fará dispondo dos melhores jogadores do mundo? Os inimigos alfinetam: Luxemburgo fracassou em competições internacionais (uma Supercopa e duas Libertadores). Mas o principal valor que Luxemburgo quer ” como ele mesmo gosta de dizer ” “agregar” à Seleção é uma gestão profissional. Acaba a ação entre amigos, a improvisação, a falta de comando. Para tanto, Luxemburgo anunciou uma Comissão Técnica vitaminada que contará, a princípio, com dezenove profissionais: um auxiliar técnico, um coordenador-geral, dois assistentes técnicos, um conselheiro técnico, um preparador físico, dois auxiliares de preparação física, um fisioterapeuta, um fisiologista, dois médicos, um psicólogo, uma assistente social, dois massagistas, dois roupeiros, além do treinador, é claro. Na Copa da França, a Comissão tinha treze pessoas.

Alguns críticos acreditam que uma Comissão Técnica numerosa pode atrapalhar um técnico tão centralizador como Luxemburgo. Mas tal fama parece não corresponder à verdade. “Ele é voltado para resultados”, assegura a psicóloga Suzy Fleury, que trabalha com Luxemburgo desde 1993. “Se tiver que brigar, ele briga, mas se tiver que ceder, ele cede”. Suzy lembra um caso exemplar. No ano passado, quando ainda dirigia o Santos, Luxemburgo estava disposto a colocar no banco o meia Caíco (hoje no Atlético Paranaense). Suzy argumentou que, de acordo com testes psicológicos, o jogador precisava só de apoio moral para começar a render. O treinador ficou na dúvida. Os outros membros da Comissão Técnica santista apoiaram a manutenção de Caíco entre os titulares. O técnico aceitou a opinião geral. No jogo seguinte, o meia até marcou gol. Segundo Suzy, jogadores como Caíco, e mesmo como Rivaldo, sempre precisam de reconhecimento para atuar bem. São os “atletas-balão”. Nas Olimpíadas de Atlanta, Zagallo se referiu a Rivaldo como “nervoso, encabulado, acabrunhado, inseguro, instável”. Rivaldo murchou e o Brasil murchou com ele.

Tapas e beijos com os craques
A psicologia é uma velha aliada. Na primeira partida da Final do Paulista de 1993, por exemplo, o Corinthians venceu o Palmeiras por 1 x 0 e Viola comemorou o gol imitando um porco. O treinador palmeirense Luxemburgo preparou um vídeo de 17 minutos mostrando jogadores e torcedores do Corinthians em atitudes agressivas. A fita também exibia os palmeirenses marcando gols. Tudo permeado com a imagem do suíno de Viola. O Palmeiras venceu o Corinthians por 3 x 0 no tempo normal e 1 x 0 na prorrogação. Fora o baile. “Quando Wanderley senta na bola no meio do campo, perto de um jogador, pode escrever que está dando dura”, diz um profissional que trabalha com o técnico.
Há uma constelação de craques que sentaram pertinho de Luxemburgo: Edmundo, Roberto Carlos, Luizão, Edílson, Marcelinho Carioca. Por pior que tenha sido o desentendimento, justiça seja feita, o treinador jamais descartou um craque. Edmundo, por exemplo. Luxemburgo chegou a chamar o Animal para resolver as desavenças no braço. Nem por isso deixou de escalá-lo no time titular.

Lançado por Zagallo na lateral do Flamengo em 1972, Luxemburgo permaneceu no seu clube de coração até 1978, sempre no banco. Naquele tempo, o salário de reserva do Flamengo mal dava para sustentar a família, o que fez do futuro técnico da Seleção um especialista em se virar. Ex-office-boy, engraxate, sorveteiro, Luxemburgo quase se realizou como vendedor de automóveis.
“Ele entende tudo de carro, se o motor está com problema, se é batido”, diz o amigo Robério de Ogum. No tempo em que era treinador do Bragantino, vendia carros para os seus jogadores. O lateral Biro-Biro, comprou de Luxemburgo um automóvel com o motor fundido. “Não teve problema porque troquei o carro”, diz o técnico.

Seguiria com sua loja de carros usados não tivesse recebido o convite, numa fila de banco, para trabalhar com o técnico Antônio Lopes, então dirigindo o Olaria. Aí começou a carreira do treinador Luxemburgo. “Como dou ênfase à disciplina, ele se identificou comigo”, diz Lopes, treinador do Vasco. Cioso da sua imagem, Wanderley Luxemburgo também é cuidadoso com tudo o que envolve o seu trabalho.

Na construção do Centro de Treinamento do Corinthians, o técnico foi alertado de que estavam colocando um piso vagabundo na sala de musculação e na sala dos médicos. O treinador chamou o engenheiro e pediu que trocasse o revestimento. Em vez do emborrachado baratinho, ele pediu um piso com sistema de amortecimento.
A fama de disciplinador acompanha a de encrenqueiro. Apesar de pregar a chamada inteligência emocional, no Brasileiro do ano passado Luxemburgo pegou uma suspensão de 50 dias por xingar o juiz Cláudio Vinícius Cerdeira num jogo do Santos. “Hoje, sou um homem diferente daquele que brigou com o Cerdeira”, garante o treinador.

“Eu chegarei lá”

Luxemburgo confia que estará com a Seleção em 2002, admite problemas na renovação do grupo e diz que poderá convocar Müller

Placar: Como será o trabalho de renovação da Seleção Brasileira?
Luxemburgo: A base da Copa da França será mantida. Denilson, Ronaldinho, Rivaldo, Doriva são jovens e podem jogar em 2002. Mas já não poderemos contar com Aldair, Dunga e Taffarel.

P. Uma grande geração de zagueiros, como Aldair, Júlio César, Ricardo Rocha, está chegando ao fim. Como o senhor vai montar o seu miolo de zaga?
L. É, temos problemas setorizados. Na lateral-direita, por exemplo, só há um grande jogador (Cafu). Precisaremos formar outros, talvez improvisar.

P. Nas últimas Copas ganharam as Seleções com as defesas mais sólidas. Esse é o caminho para o Brasil?
L. Tudo fica mais difícil quando o seu time toma um gol de cara. Dá para ser ofensivo sem ser vulnerável. Já montei grandes times ” desculpem a falta de modéstia ” como o Palmeiras de 1996, que tinha a melhor defesa e o ataque mais ofensivo. Só que o Rivaldo voltava para marcar, o Müller combatia…

P. Dunga foi fundamental nas últimas duas Copas. O senhor vê algum sucessor para liderar o time?
L. O líder aflorará naturalmente. Na verdade, um time precisa mais que um único líder. E há diversos tipos de liderança. Tem o que se impõe por falar grosso, gritar. Aquele que joga muito também é respeitado por todos. O Cléber (zagueiro do Palmeiras) é um líder, embora não fale nada. Quando abre a boca, todos prestam atenção.

P. Seu antecessor, Zagallo, dizia que os jogadores se sentiam inibidos na presença do treinador da Seleção nos estádios. O que o senhor acha disso?
L. Se o jogador se inibir porque eu estou assistindo à partida, ele não serve para a Seleção. Se estivesse sendo observado, daria até cabeçada em poste.

P. O senhor costuma ouvir os jogadores antes de montar a equipe?
L. Claro. Já mudei várias vezes a equipe em função da opinião dos jogadores. Algumas vezes, disse para o grupo “olha, hoje quem pisou na bola fui eu”. Não sou o rei da cocada. Cobro muito e preciso admitir quando erro.

P. Quem são os jogadores mais inteligentes que já trabalharam com o senhor?
L. O Zinho é muito inteligente taticamente. No Corinthians, tem o Rincón.

P. Levir Culpi, técnico do Cruzeiro, tentou fazer o seu time jogar no 3-5-2 e não conseguiu. A Seleção pode jogar num esquema diferente do batidíssimo 4-4-2?
L. Esquema se arma em função dos jogadores. É difícil fazer o brasileiro jogar assim. Na Alemanha, desde o infantil os jogadores vão se adaptando aos três zagueiros. No Brasil nenhum time de júniores joga no 3-5-2. E digo mais: nenhum time no mundo joga no 3-5-2. Na realidade, os laterais voltam quando o outro time está atacando e todo mundo se defende em um 5-3-2.

P. Qual é o seu esquema preferido?
L. Não interessa o esquema, mas a versatilidade para mudar a equipe durante a partida, sem precisar trocar os jogadores. O zagueiro se transforma em volante, o meia vira atacante.

P. A Seleção não terá pouco tempo para treinar?
L. É difícil trabalhar assim porque muitos jogadores chegam arrebentados. Zagallo preferia um dois-toques recreativo por isso. O tempo é curto, mas vou introduzir 20 minutos de parte tática a cada encontro. Com a repetição, o jogador vai assimilando. Trabalho tático é chato, é muita repetição, mas não vou abrir mão disso.

P. O jogador Müller ainda tem chance na Seleção?
L. Não tenho um critério com relação à idade. O que vale é o momento. Se na hora da convocação eu não tiver um jogador mais jovem para determinada função, chamo o Müller. Mesmo que não seja convocado agora, ele pode ser chamado para a próxima Copa. Não vejo problema em contar com um jogador de 35 ou 36 anos em boa forma para uma competição de seis ou sete partidas.

P. Como o senhor pretende lidar com os “convocáveis” do Corinthians?
L. Se o jogador tiver uma queda de rendimento no clube porque não foi chamado ele estará provando que não é homem de Seleção. Ele precisa entender a diferença entre o técnico do clube e o da Seleção. Combinei com o Ricardo Teixeira que chamarei dez jogadores do Corinthians se achar necessário.

P. Como o torcedor Wanderley Luxemburgo se sentiu ao ver Ronaldinho cambaleando na Final da Copa?
L. Será que o leitor de PLACAR consegue desvincular o treinador do torcedor Luxemburgo?

P. Ora, se o senhor acha que o jogador do Corinthians consegue desvincular o técnico da Seleção do técnico do Corinthians, por que o leitor não separaria o torcedor do treinador?
L. (risos) Olha, não estava lá no vestiário na França. No dia da Final, estava concentrado com o Corinthians no interior de São Paulo. Foi uma sensação ruim perder a Copa.

P. Giovanni, que naufragou na Copa da França, pode ser recuperado?
L. Claro. Ele chegou à Seleção por sua qualidade. Ele precisa de uma abordagem psicológica, um trabalho de cabeça. O treinador entra com a prática e o psicólogo, com a sustentação emocional.

P. Quando o senhor deixou de chamar o Romário de “traíra”?
L. Quando ele me ligou para que eu voltasse a treinar o Flamengo. Ele reconheceu que havia extrapolado (Romário liderou um boicote a Luxemburgo entre os jogadores do Flamengo, em 1995).

P. Como o senhor reagiria se um reserva da Seleção desse uma entrevista dizendo que está em melhor forma que o titular?
L. Se não tiver espírito de grupo, pode até ser cortado.

P. Numa entrevista a PLACAR, no ano passado, o senhor disse que usava ternos durante as partidas porque as empresas não pagavam nada para o treinador vestir agasalho com a sua logomarca. O senhor está aberto a propostas da Nike?
L. Não. O terno está bem identificado comigo. O dinheiro não vai me comprar.

P. Se chegar à Copa de 2002, o senhor será o primeiro técnico a assumir a Seleção quatro anos antes de uma Copa, disputar Eliminatórias e jogar o Mundial. Como encara esse desafio?
L. O “se” é uma suposição. Prefiro dizer que eu chegarei lá.

Publicidade