Bielsa e o domínio dos técnicos argentinos em seleções sul-americanas
‘El Loco’ foi anunciado pelo Uruguai, que se juntou a outras seis seleções do continente sob o comando técnico de um hermano; entenda os motivos
A Associação Uruguaia de Futebol (AUF) confirmou na última segunda-feira, 15, o que todos já sabíamos: Marcelo Bielsa é o novo técnico da seleção celeste. Um casamento coerente, que busca seguir o legado de Maestro Tabárez e extrair o máximo de pouco. O acerto com o treinador segue a tendência do futebol sul-americano de apostar em argentinos. De todas as equipes nacionais do continente, sete contam com um profissional hermano no comando técnico. Nesta terça-feira, 16, o blog La Popular tenta entender esse fenômeno e como o país vizinho dominou o mercado.
Sampaoli, Coudet, Crespo, Gallardo, Beccacece, Heinze, Gago, Crespo, Tata Martino, Pochettino, Simeone… poderíamos gastar bom tempo listando técnicos argentinos que ganharam relevância nos últimos anos e realizaram grandes trabalhos. Se o Brasil é o país do jogador de futebol – somos o país que mais exporta -, pode-se dizer que a Argentina se tornou a algum tempo o país do técnico de futebol.
Hoje a Argentina conta com mais de 15 mil técnicos licenciados. Em pesquisa realizada pelo CIES Football Observatory em 2020, os técnicos argentinos são maioria entre qualquer outra nacionalidade. Na atual edição de Libertadores, dos 32 clubes na fase de grupos, 12 apostam em treinadores do país albiceleste.
✍🏼 “𝐋𝐚 𝐯𝐢𝐝𝐚 𝐩𝐨𝐫 𝐞𝐥 𝐟𝐮́𝐭𝐛𝐨𝐥”
Marcelo Bielsa escribirá un nuevo capítulo en su libro…#ElEquipoQueNosUne pic.twitter.com/E4I7B9hUQ6
— Selección Uruguaya (@Uruguay) May 16, 2023
O domínio do mercado é fruto de uma valorização quase que histórica do profissional. Quem nunca presenciou ou participou da discussão Bilardo x Menotti? Pois bem, o país vizinho exige diploma para a função de técnico desde 1994 e o curso acontece desde os anos 1960. E diferente do que acontece no Brasil, onde o mercado é restrito e favorece ex-jogadores (claro que também acontece na Argentina), o sistema é organizado e possibilita oportunidades de inserção. O maior exemplo é a ATFA (Associação de Técnicos do Futebol Argentino), que oferece cursos à distância para candidatos de qualquer país.
Esse volume de profissionais e domínio de mercado se expandiu também para as seleções, principalmente na América do Sul, mas também em outros cenários – como Diego Cocca, no México, que dá sequência ao trabalho de Tata Martino e Theiler.
De todas as 10 seleções do continente sul-americano, sete são comandadas por argentinos (Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai e Venezuela). A seleção brasileira segue com o futuro incerto, sem treinador, e aguardando as possibilidades do mercado, com foco em Carlo Ancelotti. O Equador, que teve durante a Copa do Mundo o também argentino Lechuga Alfaro no comando técnico, hoje conta com o espanhol Félix Sánchez. Outra seleção que contava também com um argentino e trocou recentemente foi o Peru, que tinha Ricardo Gareca e, agora, conta com Juan Maximo Reynoso para comandar a blanquirroja.
O domínio argentino nas seleções do continente:
[box]Argentina: Lionel Scaloni
Bolívia: Eduardo Costas
Chile: Eduardo Berizzo
Colômbia: Néstor Lorenzo
Paraguai: Guillermo Barros Schelotto
Uruguai: Marcelo Bielsa
Venezuela: Fernando Batista[/box]
A ‘loucura’ de Marcelo Bielsa
O treinador argentino ganhou relevância no cenário continental ao levar o modesto Newell’s Old Boys para a final da Libertadores em 1992 (fato marcante na memória de qualquer são paulino). Um time formado por jogadores como Pochettino, Tata Martino e Berizzo – atletas que, mais tarde, se tornariam técnicos de futebol sob influência do próprio Marcelo Bielsa. Antes de chegar na final, no mesmo torneio continental, o treinador levou uma sapatada do San Lorenzo: 6 a 0 fora o baile. O resultado rendeu protestos na casa de Bielsa, que não se escondeu e ameaçou parte dos torcedores. Foi então que Marcelo ganhou o apelido de El Loco.
O rosarino comando a seleção argentina na frustrante campanha de Copa do Mundo de 2002, quando os hermanos caíram na fase de grupos. O treinador recuperou prestígio ao ser campeão olímpico em 2004, com um grupo formado por Mascherano, Ayala, Heinze, D’Alessandro e Carlos Tévez.
[box]”Bielsa é provavelmente a pessoa que mais admiro no mundo inteiro. Como pessoa e como treinador. Ele é o treinador mais autêntico em termos de como treina e conduz seus times. Ele é único… A importância de um treinador não está nos títulos, mas no conhecimento do jogo e do treino, algo que ainda me considero longe dele”, disse Pep Guardiola sobre Marcelo Bielsa.[/box]
No país vizinho, pelo Chile, Bielsa conseguiu promover atletas e organizar uma equipe que mais tarde seria comandada por Jorge Sampaoli (conhecido dos brasileiros). Foi quando os chilenos festejaram dois títulos inéditos de Copa América e o trabalho de Marcelo foi valorizado.
Athletic de Bilbao, Marselha, Lille, Leeds… A fortaleza de Marcelo Bielsa nunca foi ganhar títulos, mas a influência do trabalho na vida de quem o cerca. Foi assim que o argentino se tornou referência no esporte, moldando o futuro de ex-atletas e também referências como Pep Guardiola.
Retornar ao cenário sul-americano talvez não seja tão significativo como El Loco assumir o comando do Uruguai. Uma seleção acostumada aos processos e ciclos do futebol, com experiência em extrair muito de pouco e conseguir ser protagonista. Para quem respeitou e seguiu os passos do Maestro Óscar Tabárez por tanto tempo (foram 15 anos), apostar em Marcelo Bielsa parece um caminho coerente e cheio de luz no céu todo celeste.