Ex-goleiro do São Paulo relembra as conquistas de 1992 e 1993 e dá dicas ao time de Fernando Diniz, que estreia nesta quinta-feira
O São Paulo inicia nesta quinta-feira, 5, o sonho do tetracampeonato da Copa Libertadores, diante do Binacional, do Peru, às 21h (de Brasília). A história vitoriosa do clube tricolor na competição começou há quase três décadas e teve o goleiro Zetti como um de seus maiores protagonistas.
Tabela completa da Copa Libertadores 2020
Aos 55 anos, o ídolo são-paulino, que hoje mantém uma escolinha de goleiros na capital paulista, lembra com saudade das conquistas de 1992 e 1993, se entristece ao falar da influência da arbitragem na derrota que impediu o tricampeonato em 1994, e dá dicas ao time do técnico Fernando Diniz para a atual competição. “O time já começa a ter a cara do Fernando Diniz, é gostoso ver o time criando oportunidades, mas não pode ser só bonito. Na Libertadores tem que ganhar, tem que ter mais raça, mais concentração no poder de decisão, iniciativa…”
PLACAR lançará o Guia da Libertadores 2020 neste mês e preparou uma série de entrevistas especiais com os craques que marcaram as campanhas históricas dos times brasileiros. A primeira foi com o ídolo santista Pepe e a segunda com o flamenguista Nunes. Confira abaixo a entrevista com Zetti, o herói do Morumbi:
Qual foi o momento mais marcante das conquistas de 1992 e 1993? Meu jogo inesquecível foi a final de 1992 contra o Newell’s Old Boys, porque foi um marco na história em relação à valorização da competição. Nesse dia fiz não a defesa mais bonita, mas a mais importante, a que deu o título nos pênaltis. Mas a melhor atuação foi na final de 1993, 5 a 1 contra a Universidad Católica. Muita gente acha que o jogo foi fácil, mas não, nós é que fomos muito precisos nas nossas chances. O primeiro tempo poderia tranquilamente ter sido 3 a 0 para eles, teve bola na trave, eu fiz várias defesas. Mas aos poucos o nosso time foi encaixando.
Esse é o jogo da sua sequência de quatro defesas… Sim, foi bem marcante. Na hora não dá para pensar em nada, você não respira, nem pisca. As bolas foram muito rápidas, não deu para segurar a primeira, depois já levantei, defendi com os pés, e agarrei a última. As quatro defesas aconteceram no único espaço possível. Ali sentimos que o time estava muito bem e que seria difícil tirar o título da gente.
É verdade que a Libertadores não era a prioridade do São Paulo em 1992? Até então a Libertadores estava meio esquecida. O Telê Santana não dava muita importância, ele nem queria disputar depois que perdemos a estreia para o Criciúma. Havia muitos problemas de logística, doping, arbitragens contra os clubes brasileiros, uma guerra de bastidor, não havia uma organização como tem hoje. Mas as coisas foram acontecendo, conseguimos vencer o Criciúma, classificar e aí tudo fluiu.
Qual era o grande mérito daquele grupo montado pelo Telê Santana? Foi uma época muito iluminada. A partir da chegada do Telê, em 1990, o São Paulo começou a se estruturar, modificar a cara da equipe. O Palmeiras também montou um grande time porque tinha um patrocinador forte por trás, mas nós largamos na frente, mesmo sem tanto poder financeiro. Nessa época era mais difícil perder os destaques, o Raí saiu maduro, aos 28 anos, depois da Libertadores de 1993. Tinha Cafu, Muller, Palhinha, Pintado… era um time cascudo. Hoje não dá mais. O Flamengo até está conseguindo manter um time, porque tem dinheiro, mas o São Paulo não tinha, tanto que recorria bastante à base, o “expressinho”.
Acredita que esse Flamengo também pode chegar a várias finais e conquistar a hegemonia do continente? Acho que tem potencial. O legal é que hoje a gente consegue escalar o Flamengo, ter padrão de jogo é um diferencial. O Flamengo tem o melhor elenco e creio que está encarando a Libertadores como a chance de fazer história, mas o ano é longo.
O que é essencial para ganhar uma Libertadores? O que eu aprendi é que não precisa jogar bonito, você joga pela vitória. Se acontecer de jogar bem e ganhar, ótimo, lindo, mas o importante é ganhar. O próprio Flamengo sofreu na final da última Libertadores contra o River, o jogo não estava bom para ele, mas conseguiu a virada. Eu me preocupo um pouco com o São Paulo nesse sentido. O time começa a ter a cara do Fernando Diniz, é gostoso ver o time criando oportunidades, mas não pode ser só bonito. Na Libertadores tem que ter mais raça, mais concentração no poder de decisão, iniciativa, do que o jogo lindo. Ter dirigentes como Raí e Lugano, profissionais competentes e campeões da competição pode ajudar nesse sentido.
Qual jogador do elenco atual do São Paulo tem a ‘cara da Libertadores’? Ainda não vejo ninguém, porque esse elenco ainda não disputou a Libertadores. Mas é um bom grupo, acho que o Volpi tem liderança, o Reinaldo também, Hernanes, Pato… são jogadores de referência. Gosto do Tchê Tchê, acho que ele é o carregador de piano, que não aparece tanto para a torcida, mas organiza o time. E o Daniel Alves é o maior exemplo de títulos, vencedor do futebol.
Como especialista da posição, como avalia a evolução do goleiro Tiago Volpi? Vem crescendo muito no São Paulo. Quando ele chegou havia um ponto de interrogação, como ocorreu com Sidão, Dênis, todos que vieram depois do Rogério Ceni, porque não é fácil substituir um ídolo não só do São Paulo, mas do cenário mundial. Mas o Volpi conseguiu fazer um campeonato bastante equilibrado, teve uma conquista pessoal, teve o passe comprado. Acho que ele ganhou confiança, não escuto mais cobrança sobre o gol do São Paulo, o problema foi resolvido. O Volpi tem uma boa conduta e tenho certeza de que fará um grande campeonato.
Gosta da final em jogo único? Eu tenho restrições, até pela maneira como os times chegam, eles vêm adaptados ao mata-mata. Gostei dessa primeira final, mas não sei se todo o ano vai haver esse glamour, depende dos times que chegarem à final. Se eu estivesse jogando ainda, acho que eu preferiria que fossem dois jogos.
A arbitragem é apontada como um problema pelos clubes brasileiros. A situação está melhor agora? Acho que sim, há mais câmeras, mais cobrança, e o VAR também ajuda muito mais do que atrapalha. Aliás, se na minha época tivesse VAR eu seria tricampeão da Libertadores. Até hoje não durmo direito por causa daquele jogo do Vélez. Eu só bati tiro de meta no Morumbi, não peguei na bola. Perdemos a ida de 1 a 0 e na volta ganhávamos de 1 a 0 e, perto do fim, teve um pênalti claro para nós, lá da minha área eu vi que bateu na mão do defensor, e o juiz mandou seguir o jogo. Ele já tinha dado um pênalti para nós e ficou amarrando o jogo para ir nos pênaltis. Essa doeu, nem gosto de falar desse jogo (risos).
Do que mais sente falta em relação à Libertadores? Não sinto tanta saudade de jogar, mas o momento de chegar no estádio, ver a torcida recebendo, parece que ela nos leva para dentro do Morumbi. Isso mexe muito, o jogador sente a responsabilidade, a adrenalina, e Libertadores é diferente, ela envolve um sentimento parecido com servir a seleção brasileira.