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Rodrigo Braghetto: o futebol de botão como terapia

O ex-árbitro venceu um severo quadro de depressão com o auxílio profissional e ao reencontrar uma velha paixão

É fim de tarde e um grupo de praticantes de futebol de mesa se reúne para os treinos semanais no tradicional Maria Zélia, clube localizado no bairro do Belenzinho, na capital paulista. Ali, um ex-juiz de futebol se destaca na sala de jogos com seu jeito extrovertido ao comandar as brincadeiras e ajudar a organizar o ritmo das atividades. Figura carismática, Rodrigo Braghetto, de 48 anos, voltou a ser presença constante no universo dos botonistas há cerca de um ano, quando rompeu uma ausência de mais de duas décadas para, literalmente, voltar a sorrir. Um dos principais nomes da arbitragem brasileira neste século, ele foi vítima de um quadro grave de depressão ao encerrar a carreira de forma abruta, em 2013. No fundo do poço, Braghetto cogitou tirar a própria vida e precisou de auxílio profissional e um bom tratamento para se recuperar. Hoje, o remédio que o ajuda a manter a rotina é outro: o jogo de botão. Na PLACAR de novembro, já está disponível em nossa loja no Mercado Livre e nas bancas, o ex-árbitro conversou com a nossa reportagem e explicou sua nova terapia.

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“Falo para minha mulher, quando pego os botões, que estou indo para a terapia. Jogar botão aqui, com essa concentração, a busca pela precisão e a sede para virar uma partida… para mim é uma superação. Essa é a sensação mais próxima que eu tenho de estar na ativa, apitando um jogo profissional. E esse sentimento me faz muito bem.”

Disciplinado, ele passa longe dos tempos sombrios em que mal tinha forças para sair da cama. Atualmente, chega a dedicar quatro dias da semana entre treinamentos e participações em campeonatos de futebol de mesa. “Rapaz, é uma coisa muito dinâmica. Em dias de competições, a disputa começa às 9 da manhã e termina às 6 da tarde, com uma hora de almoço. São 96 botonistas jogando ao mesmo tempo. E tem aquela coisa de querer chegar ao pódio, ganhar troféu. Vai chegando o dia e só penso no clima da competição. Eu preciso muito disso.”

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Jogo de botão virou escape e terapia para Braghetto - Alexandre Battibugli / PLACAR
Jogo de botão virou escape e terapia para Braghetto – Alexandre Battibugli / PLACAR

O sorriso fácil de Braghetto ao falar de sua paixão dá vez à serenidade quando o assunto é a fase mais difícil de sua vida. “Hoje sou um missionário contra a depressão. Ajudo as pessoas que estão enfrentando esse quadro e tenho um olho clínico para isso. Demorei a aceitar o meu problema, por isso fui ao fundo do poço. Minha vida mudou muito com a decisão de parar de apitar aos 38 anos. As pessoas perguntavam como eu estava, dizia que tudo ia bem, mas não era verdade. Se você não procurar ajuda, a situação vai ficando insustentável.”

Mas nem sempre ele pensou dessa forma. Ao contrário. No início, virou as costas para uma ajuda especializada. A volta por cima só veio com doses de religiosidade, tratamento qualificado e o apoio de “uns poucos amigos”. Segundo o ex-juiz, “a cura começou verdadeiramente quando aceitei que estava doente e precisava de ajuda. Fiz terapia, tomei os ‘rivotril da vida’ [ansiolíticos, remédios que tratam de diversos distúrbios mentais, em especial a ansiedade] e da ajuda de Deus.”

Braghetto lembra que chegou a traçar um plano para tirar a própria vida, achando que seria a dramática solução. “Sabemos que não é. Contar com os poucos amigos também foi importante. Numa situação dessas, você fica emotivo, vulnerável, e são poucas as pessoas que se dispõem a te ajudar verdadeiramente. Várias vezes a conversa era na base do choro, com muita angústia e tristeza. Mas depois, com o tratamento, coloquei na cabeça que iria sair dessa e consegui. Outra coisa que ajudou muito foi o nascimento do meu filho Lucas, que hoje tem 10 anos. Aquilo me deu muita força.”

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Árbitro da Federação Paulista de Futebol (FPF) por dezesseis anos, dos quais catorze anos de serviços prestados à Confederação Brasileira de Futebol (CBF), Braghetto tinha 23 anos quando começou a comandar partidas da Série A do Campeonato Brasileiro. Chegou a aspirante ao quadro da Fifa. Toda a pressão inerente à função precisou ser assimilada muito cedo. Da mesma forma como despontou na carreira, acabou saindo de cena.

O erro mais grave dos mais de 1 000 jogos apitados aconteceu em 2009, ironicamente contra seu clube do coração – ao se aposentar, Braghetto assumiu ser torcedor do Palmeiras. Um pênalti não assinalado em Diego Souza num Choque-Rei contra o São Paulo lhe rendeu uma geladeira. Quatro anos depois, outro clássico selaria seu destino. Escalado para a segunda partida da decisão do Campeonato Paulista de 2013, entre Santos e Corinthians, ele acabou afastado pela FPF. O motivo: ter uma empresa que apitava torneios internos em clubes. Como o Corinthians era um de seus clientes, a entidade que comanda o futebol paulista achou por bem tirá-lo da final.

O árbitro em um duelo do Corinthians, em 2011: denúncia envolvendo o clube alvinegro abreviou sua carreira - Alexandre Battibugli / PLACAR
O árbitro em um duelo do Corinthians, em 2011: denúncia envolvendo o clube alvinegro abreviou sua carreira – Alexandre Battibugli / PLACAR

“A data eu lembro até hoje: 17 de maio de 2013, uma sexta-feira. O jogo aconteceria dois dias depois. Um blog de um cara que não tem a menor credibilidade publicou que ‘o juiz que vai apitar o jogo de domingo recebia salário do Corinthians’. Colocou uma notícia que agora é moda, né? Tudo fake news. Decidiram me tirar para preservar o campeonato e, como já estava bem cansado e com muitos anos de federação, decidi parar de apitar. Essa parada brusca foi o que provocou a depressão.”

Mais do que profissão, a arbitragem era uma paixão. Dar fim àquela rotina quando poderia ter continuado em alto nível custou caro. “Abdiquei de muitas coisas, respirava arbitragem. Abri mão de propostas de emprego, mas não estava preparado para encerrar a carreira. Continuei vendo os jogos de futebol e dava aquela saudade de tudo que envolvia a rotina: arrumar a mala, chegar ao estádio. Alguns amigos falaram que eu estava na primeira morte. Foi um momento muito difícil.”

Depressão associada a esportistas não é novidade, uma vez que os atletas de alto rendimento são submetidos constantemente à pressão. “É preciso pensar em algo para o pós-carreira. Muitos jogadores começam cedo e nem sempre estão preparados para o momento da parada. Procuro ajudar, na medida do possível, pessoas que eu conheço. O problema é que poucos que sofrem desse problema têm coragem de falar sobre isso abertamente”, adverte.

Formado em administração de empresas e também em Educação Física, Braghetto é pós-graduado em Futebol e Ciências do Esporte. Com foco na carreira de gestão esportiva, está prestes a assumir a presidência do Paulistano de São Roque, onde já desenvolve um trabalho de formação de atletas. “Eu aposto em uma formação que chamo de 360 graus: as partes técnica, física e mental. Todas as aplicações que fazemos no trabalho de campo têm, de alguma forma, o treinamento psicológico. Tomadas de decisões por pressão e trabalho em equipe são alguns desses exemplos. Hoje, o que fazemos é dar uma chance real a meninos e meninas de terem o tão sonhado momento deles, que é o de ser jogador de futebol.” O ex-árbitro também dirige o Instituto Cartão Vermelho, um projeto social cuja meta é a inclusão por meio do esporte e que tem como slogan “A nossa missão é formar cidadão”.

O momento mais feliz da semana de Braghetto, porém, é mesmo no futebol de mesa com os amigos. Se nos tempos da ativa ele tinha a missão de domar atletas cascudos como Marcelinho Carioca, Edmundo, Rincón, Viola e Djalminha, a tarefa agora é acompanhar o ritmo dos companheiros de botão. “O Maria Zélia é um dos melhores times, e poder reencontrar o Mura, o Erismar, o Fernando Santos, que são diretores aqui, é fantástico. Jogar em um nível federado me deixa muito feliz.”

Feliz e recompensado. Pela modalidade acrílico 12 toques, Braghetto ficou com o vice-campeonato da Copa Mura (torneio organizado em homenagem a um dos pioneiros do futebol de mesa) e levantou o título da Liga Perdizes. “Recentemente fui campeão no clube Sete de Setembro, disputando a categoria tampão. Como você vê, estou voltando.”

O Dinizismo venceu: a capa da PLACAR de novembro
O Dinizismo venceu: a capa da PLACAR de novembro

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