Aos 46 anos, ele disputará em Tóquio sua sétima Olimpíada
Meu sonho de virar atleta olímpico nasceu em 1984, quando vi pela televisão Joaquim Cruz dar aquelas passadas para o ouro nos 800 metros dos Jogos de Los Angeles. Eu tinha apenas 11 anos. Os iatistas Alex Welter e Torben Grael, obviamente, foram outras fontes de inspiração. Mas só tive a noção do que era a Olimpíada quando estive lá pela primeira vez, em 1996. Apesar de ser a minha estreia, cheguei a Atlanta como favorito. Afinal, era o bicampeão mundial da classe Laser. Fui para os Estados Unidos pensando tratar-se somente de mais uma competição. Uma competição grande, claro. Mas não tinha a percepção do que aconteceria após os Jogos, ainda mais ganhando uma medalha de ouro. Aos 23 anos, recém-formado em administração de empresas, o projeto era ir para o torneio, dar meu máximo e, em seguida, “trabalhar”, seguir outra carreira. Mas, depois de viver toda aquela emoção, ficou o gosto de quero mais. Essa foi a grande mudança ao voltar para o Brasil. E a vela, evidentemente, virou minha profissão, minha vida.
Cada Olimpíada é uma montanha diferente a ser escalada. Mas, se eu tivesse de apontar um só momento da minha carreira, com certeza seriam os Jogos de Atenas, em 2004, nos quais eu me tornei bicampeão olímpico. A regata, demorada, foi transmitida até pela Globo. Havia muita gente assistindo, e foi uma consagração ter chegado ao recorde, que era do Adhemar Ferreira da Silva. E como esquecer os dez títulos mundiais de Laser, outro recorde? Ser o atleta mais velho a conquistar um Mundial nesse tipo de barco, aos 40 anos? As medalhas com o Bruno Prada na classe Star, que foram muito especiais por ter sido conquistadas em dupla? Penso em contar essa trajetória em um livro de memórias. Até iniciei o projeto em 2017, quando dei um tempo da vela olímpica. Mas agora está um pouco parado. Não adianta começar a escrever um livro sem final, não é mesmo? E espero que seja um final feliz. Em Tóquio, meu objetivo é ser competitivo. Ainda não estou no Top 3, então preciso trabalhar muito nos próximos meses. Não é só a medalha que me deixará contente. Se sair com a sensação de que pude brigar de igual para igual com os outros competidores, já estará bom.
E pensar que no início meus pais, que se tornariam meus maiores incentivadores, viram a ideia de me tornar iatista profissional com alguma reticência. Afinal, naquela época apenas o Lars e o Torben Grael viviam do esporte. Mas tive a sorte de estar no lugar certo e na hora certa. A situação da modalidade começou a melhorar quando o Comitê Olímpico do Brasil (COB) enxergou boas chances de outras medalhas, de outras conquistas. Se no começo era possível fazer apenas uma ou duas competições no exterior por ano, hoje o atleta que alcança o índice estabelecido pela CBVela e pelo COB tem isso e muito mais. Conta com acesso aos melhores treinadores e equipamentos. Essa é uma evolução que precisa acontecer, para que possamos acompanhar as grandes potências esportivas do planeta. Se tivéssemos hoje o mesmo volume, escasso, de apoio que tínhamos em 1996, não haveria tantos atletas vivendo do esporte.
Por isso, para mim, o financiamento público do esporte olímpico não pode acabar. Todas as formas de incentivo (Lei Piva, renúncia fiscal, Bolsa Atleta e o apoio das Forças Armadas) foram fundamentais para que houvesse tanta gente competindo internacionalmente. Fechar totalmente essa torneira é errado. Precisamos que os atletas de alto rendimento representem bem nosso país, porque são esses caras que vão alimentar o sonho na cabeça da criança lá na frente, como aconteceu comigo. A meu ver, existem diversas outras maneiras de economizar no país. Quanto representa o orçamento do esporte dentro do PIB brasileiro? É pouco se comparado ao de outras áreas. Precisamos de vento a favor.
Depoimento dado a Alexandre Salvador
Publicado em VEJA de 11 de março de 2020, edição nº 2677