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O Havaí é aqui

A vitória de Gabriel Medina no ano passado foi uma conquista extraordinária e inédita. O título mundial de Adriano de Souza, o Mineirinho, novamente nas lendárias ondas do Pacífico, é a consagração definitiva da “tempestade brasileira”

Não há lugar mais sagrado para o surfe que as ondas da Praia de Pipeline, no Havaí. Vencer ali é atalho para a glória indelével entre os amantes de pranchas, parafina e mares encrespados. Ganhar um título mundial nessa porção do Pacífico, então, é algo monumental para quem acompanha o esporte. Aconteceu com o paulista Gabriel Medina, no ano passado, ao ficar com o segundo lugar da etapa e o primeiríssimo do ranking anual. Voltou a acontecer com Adriano de Souza, o Mineirinho. Se havia dúvida da força da chamada “tempestade brasileira”, apelido dado a uma geração vencedora pela imprensa americana, ela virou espuma depois da arrebentação. Mineirinho, já com o campeonato assegurado por ter passado da semifinal (e com a eliminação de seu principal adversário, o australiano Mick Fanning, derrotado por Medina), travou com o então campeão mundial o duelo da finalíssima. Dois brasileiros na bateria final de Pipeline? É coisa de c­­asca-grossa, como os surfistas se referem aos craques entre eles. E a tempestade virou furacão.

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As estatísticas gritam, para confirmar o sucesso do país do surfe. Os brasileiros venceram seis das onze fases disputadas em 2015. Medina faturou o troféu da Tríplice Coroa, dado ao surfista que fez mais pontos na trinca de eventos no Havaí. O potiguar Ítalo Ferreira foi considerado o novato do ano, por ter sido o calouro mais bem colocado (sétimo lugar). O paulista Caio Ibelli venceu o WQS, a divisão de acesso do surfe mundial. Em 2016, serão dez os representantes do Brasil na elite – predominância que autoriza o uso de uma expressão batida, emprestada da canção (e no surfe pedir ajuda a chavões é sempre útil): o Havaí é aqui.

O título de Mineirinho, talvez menos entusiasmante que o de Medina, por não ser inédito, traduz a trajetória do surfe brasileiro nos últimos dez anos, de construção minuciosa e profissional. Mineirinho, de 28 anos, está desde 2005 na estrada. Serve aos conterrâneos como inspiração e ímã, com seu jeito um tanto quanto sisudo, algumas vezes confundido com arrogância – mas é apenas dedicação e certeza. Descoberto aos 9 anos no Guarujá, no litoral paulista (filho de uma família pobre), por Luiz Henrique Campos, o Pinga, olheiro afeito a reconhecer promessas, logo cedo Mineirinho iniciou preparação de atleta profissional: acompanhamento médico e psicológico, puxados treinos físicos e técnicos, alimentação regrada e viagens ao exterior para surfar as melhores ondas do mundo. Em 2004, aos 16 anos, tornou-­se campeão mundial júnior. No ano seguinte, já disputava as principais competições internacionais entre os adultos. A capacidade não apenas de surfar bem ondas enormes, clássicas, de tubos indescritíveis, como também de arriscar as vistosas manobras aéreas fez com que ele fosse admirado por seus companheiros. Mas o que realmente chamou atenção, desde o início, foi o comprometimento, alheio a qualquer pecadilho, de quem um dia chegaria ao Havaí. Kelly Slater, o maior nome do surfe na história, e Mick Fanning ressaltaram exatamente essa qualidade ao parabenizar Mineirinho. “Não importa de onde você veio, vontade e coração prevalecem”, disse o vice-campeão Fanning, que termina 2015 mais conhecido por ter sido atacado por um tubarão na África do Sul. “Não há substituto para trabalho duro e desejo”, escreveu Kelly nas redes sociais.

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A reação de Mineirinho ao sair do mar, vencedor, foi a mais perfeita tradução de sua própria trajetória. Primeiramente em inglês e depois em português, ele disse, chorando: “Dedico este troféu ao meu irmão Ângelo, que com 30 reais comprou uma prancha para mim. Na época era muito dinheiro. Estou no topo do mundo por 30 reais”. Na versão em inglês, Adriano teve o cuidado de já fazer a conversão, ao dizer que no princípio eram 7 dólares. Apenas em 2015, ele embolsará 1,5 milhão de reais em prêmios. Diz Ângelo, o irmão homenageado, hoje guarda ambiental: “Eu já surfava e o levava comigo nos meus dias de folga. Como estava no Exército, durante a semana ele ficava com a minha prancha, que era enorme para ele, mas mesmo assim ia surfar”. Ângelo, aliás, foi o responsável pelo apelido do campeão. Por ser muito quieto e ressabiado, Ângelo era conhecido pelos amigos como Mineiro. Adriano, por associação direta, virou Mineirinho. Como o surfe é coisa de brothers e de amparo religioso, porque o mar é um bicho traiçoeiro, o melhor do mundo fez questão de homenagear outro amigo, Ricardo dos Santos, surfista catarinense morto em janeiro deste ano na frente de sua casa, depois de discutir com um policial à paisana. “Queria agradecer muito a Deus por este momento e dizer que sou muito abençoado por Ele e pelo Ricardinho”, disse, apontando a tatuagem no braço direito, onde se lê “força, equilíbrio e amor”.

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