O fim da mística da amarelinha
Um estrago evidente do massacre do Mineirão: a perda de respeito com a camisa que metia medo nos adversários
Uma mística construída em cinco décadas, desde que Pelé e Garrincha assombraram o mundo na Suécia, em 1958, foi dizimada em apenas 6 minutos – os mais desastrosos 6 minutos da história do futebol brasileiro, nos quais a Alemanha fez quatro gols, dos 23 aos 29 do primeiro tempo da semifinal no Mineirão. É tolice dizer, como afirmou um patético Felipão, que esse breve apagão de 360 segundos, apenas ele, justifica a hecatombe de 8 de julho. Desde 1982, pelo menos, quando o mágico Brasil de Telê Santana perdeu para a Itália de Paolo Rossi, e apesar dos títulos de 1994 e 2002, o tal jogo bonito reverenciado por todo o mundo foi dando espaço ao pragmatismo aborrecido. Paramos no tempo porque a era dos centroavantes geniais, Romário e Ronaldo, nos levou ao cume ao tapar os problemas evidentes. E, no entanto, nada aprendemos durante esse tempo todo. E, no entanto, como duas estrelas foram acrescentadas ao escudo da CBF, a canarinho continuava a assustar os adversários. Disse Dunga a VEJA, no início deste ano, quando participava de uma sessão de fotos para a revista: “A camisa amarela mete medo, não há quem não trema ao vê-la do outro lado”, dando como exemplo as três partidas iniciais da Copa de 1994, contra Rússia, Camarões e Suécia, duas vitórias tranquilas e um empate calculado. Houve derrotas no meio deste caminho; desde 1982, tivemos uma seleção muito ruim em 1990, outra plena de soberba em 2006 e uma apática em 2010, mas a camisa amarela não perdeu o matiz, desbotava, mas não apagava.
Foi assim até a terça-feira passada. Para além de toda a humilhação do placar, para além dos infames recordes negativos batidos nos 7 a 1, para além do choro das crianças, a pior de todas as derrotas marcou o fim da mística da amarelinha. Quem há de temê-la daqui para a frente? Se dentro dela houver craques, e se esses craques forem distribuídos no gramado em um esquema de jogo minimamente moderno e inteligente, pragmático, mas inovador, aí, sim, ela poderá ser novamente tingida de dourado. Mas agora não.
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O atacante alemão Lukas Podolski publicou uma carta aberta nas redes sociais para reverenciar a canarinho, algo que antes estava sempre implícito e que agora precisa ser declarado, por inexistente. O que ele escreveu foi bonito: “Respeite a amarelinha com sua história e tradição. O mundo do futebol deve muito ao futebol brasileiro, que é e sempre será o país do futebol. A vitória é consequência do trabalho, viemos determinados, todos nós crescemos vendo o Brasil jogar, nossos heróis que nos inspiraram são todos daqui”. O problema é que nossos heróis já não são os mesmos, estão em museus e videoteipes antigos. Um pouco de humildade, no avesso da postura de Felipão, pode fazer bem nos próximos anos, e desde já. Uma boa inspiração é o treinador Pep Guardiola, o engenheiro do toque de bola do Barcelona, aplicado ao Bayern de Munique, onde ele hoje trabalha, e emprestado à seleção alemã que destroçou o Brasil. Guardiola sabe mandar um “vamos lá, vamos lá”, como faz Felipão, mas é um estudioso da prancheta. Faz isso não porque queira equipes aborrecidas – sabe que o futebol evolui, as táticas idem, o preparo físico é cada vez melhor, e o toque de bola é o que amarra tudo isso. Disse Guardiola, logo depois da vitória do Barcelona sobre o Santos por 4 a 0, na final do Mundial de Clubes de 2011, antessala do desastre de Belo Horizonte: “Quero que meus times tenham a posse de bola que meu avô dizia ser a marca do futebol brasileiro”. O avô de Guardiola tremia de pavor da amarelinha.