No Corinthians, Sabella era querido por atletas e amenizou crise com Roger
Histórico treinador argentino, morto nesta terça aos 66 anos, teve passagem como auxiliar de Passarella no clube paulista. Colegas relembram tom conciliador
O técnico Daniel Passarella parecia convicto a não contar mais com o meia Roger Flores mesmo ainda com poucos dias de Corinthians, em março de 2005. Colecionador de desafetos, e de conhecido estilo disciplinador – proibiu cabelos compridos na seleção argentina na Copa do Mundo de 1998 –, fez pouco caso aos milhões de dólares investidos pela MSI para tirá-lo do Benfica, um mês antes de sua chegada.
A relação entre os dois foi minando com seguidas substituições e chegou ao seu ápice com o pênalti isolado por Roger na disputa com o Figueireinse, em 4 de maio do mesmo ano, que culminou com a eliminação precoce nas oitavas de final da Copa do Brasil. Dias depois, o ex-craque argentino acabou goleado por 5 a 1 para o São Paulo e caiu.
Ao pé do ouvido, sempre houve um discreto e tranquilo Alejandro Sabella o aconselhando a não entrar em rota de colisão com o jogador, uma das estrelas do time que ainda contava com nomes como Carlos Tevez e Carlos Alberto.
“Era um cara extremamente equilibrado, sempre muito tranquilo. Conversava constantemente com o Passarella sobre o Roger. O Sabella era contrário que ele saísse do time, principalmente naquele jogo contra o Figueirense, em que ele foi barrado. Não conseguimos convencer o homem de jeito nenhum e isso custou caro porque o time ficou desestabilizado depois da derrota”, conta Márcio Bittencourt, auxiliar do clube e sucessor de Passarella na campanha que culminou com o título brasileiro.
Considerado uma das mentes mais brilhantes de sua geração, responsável pela melhor campanha da Argentina em Copas nas últimas três décadas – o segundo lugar em 2014, no Brasil –, Sabella, morreu na terça-feira, 8, aos 66 anos, após semanas internado em Belgrano.
Ele esteve ao lado de Passarella por quase duas décadas, mas sempre apresentou estilo completamente distinto do treinador impulsivo. Estudou advocacia por dois anos na Universidade de Buenos Aires, a mais concorrida do país, e foi premiado na escola por bom comportamento e conduta. Mesmo enquanto jogador, incentivado pelos pais, tinha como hábito constante ler livros em concentrações.
“Era uma pessoa muito próxima de nós jogadores, participava de churrascos. Ele que fazia a ponte para chegarmos ao Passarella. Tentava misturar o espanhol com o português, era sempre muito aberto a diálogos e divertido. Gostava desse contato com os jogadores. Todos adoravam ele, não tinha uma resistência como com o Passarella, bem mais fechado”, conta o zagueiro Betão.
Sabella no Corinthians era mais do que um conselheiro de jogadores ou apaziguador de ânimos no elenco. Como auxiliar, também impressionava os jogadores por trabalhos táticos poucos usuais para a época. “Aprendi muito com ele, muito mesmo. Ele fazia trabalhos diferentes em campo com os jogadores, o Passarella dava a ele essa liberdade, e me chamava para participar”, relata Bittencourt.
O auxiliar só não conseguiu repetir com Roger o mesmo que fez na relação entre Passarella e Batistuta, desgastada antes mesmo do mundial de 1998. Nas oitavas de final da competição, uma substituição do camisa 9 para a entrada de Hernán Crespo quase custou a desclassificação contra a Inglaterra. O jogo terminou empatado em 2 a 2 e acabou decidido nos pênaltis.
No jogo seguinte, convenceu Passarella a não tocar mais em Batistuta. A Argentina acabou eliminada para a Holanda, com um gol os minutos finais, mas o atacante se manteve durante todo o jogo.
Sombra perfeita de Passarella, que diz jamais ter brigado uma vez sequer com o discípulo, trabalharam juntos nas seleções argentina e uruguaia, além de Parma, Monterrey e o Corinthians.
O Corinthians lamenta a morte do técnico Alejandro Sabella. Vice-campeão mundial com a seleção da Argentina em 2014, ele foi auxiliar de Daniel Passarella em 2005, ano do nosso quarto título do @Brasileirao. Nossas condolências à família, amigos e fãs do futebol. pic.twitter.com/gLfPvj1fpz
— Corinthians (@Corinthians) December 8, 2020
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Sucesso como treinador
O auxiliar exemplar começou a carreira como treinador de forma tardia, e curta, no Estudiantes de La Plata. O clube, que também atuou como jogador, foi o único da carreira. Conquistou a Libertadores de 2009 contra o Cruzeiro, em pleno Mineirão, e esteve próximo de parar o Barcelona de Messi, seu admirador, no mesmo ano. Sofreu um gol nos minutos finais do Mundial de Clubes.
A campanha em La Plata o alavancou para a seleção argentina, em 2011, onde ficou até a Copa de 2014. Foi considerado responsável direto por reorganizar a estrutura da seleção e impulsionar a melhor fase de Messi na albiceleste. “Alejandro [Sabella] foi uma ótima pessoa, além de ser um profissional impressionante que me marcou na minha carreira. Aprendi muito com ele”, disse Messi em foto ao lado de Sabella, no Instagram.
Depois disso, chegou a ser cogitado em clubes da Europa e até pelo São Paulo, mas nunca mais voltou devido a cardiopatia, além de um câncer na laringe.
“O dia a dia é muito exigente. Quando eu estava lutando para ver se seguia por aqui, com vocês, ou ia para o lado de lá, lembrei do que dizia aos meus alunos e aos meus jogadores: ‘Vocês não podem dar menos do que 100%’. E se eu pedia isso a eles, eu tinha que lutar para me manter com vida”, disse ao jornal Clarín, em 2018.
Sabella fez história com discrição e uma tranquilidade cativante. Como jogador, ainda passou pelo futebol brasileiro, no Grêmio, entre 1985 e 1986, sendo bicampeão gaúcho pelo clube. Fez 60 jogos com a camisa da equipe brasileira e marcou cinco gols.