O gênio holandês, morto nesta quinta-feira, deixou um imenso legado ao futebol mundial por seu talento em campo e sua personalidade fora dele
O futebol amanheceu de luto nesta quinta-feira com a perda de um dos maiores gênios da bola: o holandês Johan Cruyff, vítima de câncer de pulmão aos 68 anos. O craque da Copa de 1974 foi o maestro de grandes times da história e revolucionou o futebol com seus dribles plásticos, arrancadas fulminantes, movimentação cinematográfica e um estilo de jogo ímpar, muito a frente de seu tempo.
Vestindo a icônica camisa 14, a estrela do “Carrossel Holandês” de 1974 não saiu com o título na final contra a anfitriã Alemanha – assim como a Hungria de 1954 e o Brasil de 1982 aquele time holandês entrou para a história mesmo sem conquistar a taça – mas instituiu algo muito maior: a tática do futebol como conhecemos atualmente nos principais times do mundo.
Peça fundamental na engrenagem da “Laranja Mecânica”, outro apelido dado ao elenco da seleção holandesa na década de 1970, Cruyff selou o que na época era chamado de “futebol total”, uma espécie de esquema rotativo dos jogadores que adquiriam multifunções e imprimiam um estilo de jogo compacto, porém veloz. Conseguiu impor seu estilo clássico tanto no Ajax quanto no Barcelona, clubes onde é ídolo incontestável. Na equipe holandesa, Cruyff conquistou seus maiores títulos: oito campeonatos nacionais e três Liga dos Campeões (1971, 1972 e 1973).
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Em 1988, Cruyff iniciava revolução no Barcelona e no futebol
Cruyff tentou explicar sua genialidade em campo com frases marcantes como “jogar futebol é muito simples, mas jogar um futebol simples é a parte mais difícil do jogo” ou “há apenas uma bola, então é preciso tê-la”. Três vezes vencedor da Bola de Ouro oferecida pela revista France Football, o holandês chegou a ser chamado de “Pelé branco”. Ele se dizia um admirador do futebol brasileiro graças à equipe tricampeã em 1970, mas se tornou um dos grandes críticos da seleção brasileira nos últimos anos devido a sua “perda de identidade”.
Após passar pelos Estados Unidos e se aposentar em 1984 pelo holandês Feyenoord, o craque seguiu carreira brilhante como técnico, inspirando técnicos como Pep Guardiola e José Mourinho. A chegada de um ex-jogador talentoso como Cruyff em 1988 mudou drasticamente a forma de o clube enxergar o futebol. Na Catalunha, impôs novamente a sua filosofia, baseada na rápida troca de passes e, de 1990 a 1994, foi absoluto no Campeonato Espanhol com quatro títulos consecutivos.
O auge veio na temporada de 1991/92, ano em que venceu a Liga dos Campeões. Durante essa época, Cruyff manteve boa relação com Romário. Certa vez, o craque brasileiro pediu ao treinador uma folga para curtir o Carnaval carioca. O holandês, então, exigiu dois gols de Romário, que cumpriu o trato ainda no primeiro tempo e foi liberado para a farra.
Desde suas passagens pelo Camp Nou como jogador e treinador, o Barcelona jamais se descolou de Cruyff: treinadores como Frank Rijkaard, Pep Guardiola e Luis Enrique, e jogadores como Xavi e Iniesta são, assumidamente, alunos da escola de Cruyff. O tão cultuado ‘tiki-taka’ do Barça não faria nenhum sentido sem Cruyff.
Rebeldia – Cruyff foi um personagem autêntico em todas as instâncias, seja pessoalmente, como jogador ou técnico. Ele foi um dos primeiros jogadores a se comprometerem com patrocinadores e contratos exclusivos. Na Copa de 1974, Cruyff era patrocinado pela Puma e se negou a fazer “propaganda grátis” para a rival Adidas, que fornecia os uniformes da seleção. Ao contrário de todos os seus companheiros, Cruyff usou camisas e calções com apenas duas listras e não as três que representam a Adidas.
Quatro anos mais tarde, quando ainda atuava pelo Barcelona, o craque chocou o mundo e os torcedores ao decidir não participar da Copa de 1978, na Argentina. Especulava-se que a sua opção de não ir ao Mundial era de motivação política, por não compactuar com a ditadura militar que o país latino vivia. Mas uma entrevista à Rádio Catalunya, em 2008, esclareceu os fatos. O ex-jogador declarou que uma tentativa de sequestro logo antes da Copa o fez mudar de ideia. “Essas coisas mudam o ponto de vista. Há momentos na vida que há outros valores a serem considerados”, disse Cruyff na época.
Em campo, o ídolo do futebol holandês não ficou conhecido só pelos dribles desconcertantes, como por exemplo o “giro de Cruyff”, como ficou conhecida uma de suas formas preferidas de iludir os rivais. Em 1982, em uma partida pelo Ajax, ele popularizou o pênalti em dois lances – em 2016, a jogada voltou a ganhar as manchetes com Lionel Messi e Luis Suárez. Neste dia, muitos se lembraram de Cruyff, ainda que o primeiro jogador a cobrar uma penalidade desta forma tenha sido o belga Henri Coppens, em 1952.
O seu vício em cigarro também ultrapassou alguns limites e deu a Cruyff certa aura de rebeldia. O ex-jogador chegou até a fumar nos intervalos dos jogos e no ônibus, a caminho dos estádios. No entanto, o craque parou de fumar em 1991, após ser submetido a uma cirurgia no coração justamente pelo vício.
(Da redação)