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Andressa Alves, do Barcelona: ‘Não quero salário de Messi, quero respeito’

Meia-atacante do clube espanhol e da seleção brasileira fala sobre a luta das mulheres por melhores condições de trabalho e reconhecimento no esporte

Camisa 10 do Barcelona, chuta com a perna esquerda e é destaque de sua seleção. Não, não estamos falando de Lionel Messi. A breve descrição é da brasileira Andressa Alves, de 26 anos, quase desconhecida de quem não acompanha o futebol feminino, e que vive uma realidade muito diferente da de Messi. “Se parar de jogar, vou ter de trabalhar em outra coisa.”

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Para se tornar profissional, Andressa sofreu preconceito desde jovem, até ter sua primeira oportunidade aos 16 anos no time do Juventus, no bairro da Mooca, em São Paulo, sua cidade natal. A família sempre a apoiou no sonho de se tornar jogadora. Os amigos também ajudaram: brigavam com adversários quando ela era impedida de jogar.

Como profissional no Brasil, chegou a ficar sem receber por meses. Hoje, a situação no país ainda não é a ideal, mas as obrigações impostas por lei ajudam a categoria a tomar bom caminho – o Profut, programa de renegociação de dívidas dos clubes com a União, prevê um investimento mínimo no futebol feminino para os times que disputam competições masculinas. A CBF e a Conmebol exigem a manutenção de uma equipe de mulheres para que possam disputar seus campeonatos. A luta agora é por mais reconhecimento e valorização.

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Andressa com a nova camisa da seleção NIKE/Divulgação

Nesta entrevista, concedida no último dia 14, 72 horas antes do jogo que registrou o recorde de público no futebol feminino de clubes (60.739 espectadores), em que o  Barcelona venceu por 2 a 0 o Atletico de Madrid, no estádio Wanda Metropolitano, Andressa falou do atual estágio da modalidade no Brasil e no mundo, sobre as reivindicações das atletas e de assédio sexual.

Quando começou a gostar de futebol? Comecei a chutar bola com dois, três anos. Minha mãe conta que sentia os chutes na barriga dela e quando nasci chutava tudo pela casa. Qualquer coisa que via no chão, queria chutar. Um pouquinho maior, quando minha irmã e eu começamos a ganhar bonecas, arrancava a cabeça chutava pela casa. Todo mundo percebeu que o que mais queria era uma bola.

Como começou no futebol? Sempre joguei com os meninos, na rua, até meus 16 anos, quando fui para o meu primeiro clube. O teste foi no Juventus em São Paulo. Meu pai sempre me incentivou, me levou e depois que passei, ele faltou uma semana para me mostrar o caminho para treinar. Quando tinha jogo em São Paulo ele e minha mãe iam assistir.

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Como era a relação com os meninos? Nos jogos entre bairros dava a vida, porque valia refrigerante. Os outros times não queriam que eu jogasse, mas os meninos da minha rua diziam que, se eu não jogasse, eles também não jogariam. Eles sabiam que eu ajudava bastante (risos). Era chato escutar que não podia jogar porque era menina… me sentia mal, mas ficava feliz porque os meninos brigavam por mim.

Sofreu preconceito? Muito. Às vezes escutava: “Maria-Homem, vai para casa”; “Fica jogando bola e não é menino”. O preconceito era muito maior que agora. Graças a Deus, isso está mudando. Não existe mais isso história de que futebol é para homem. Futebol é para jogador, para jogadora, futebol é futebol. Para quem quiser.

Em que pé está a luta das mulheres no futebol? Brigamos pelo reconhecimento, por mais valorização, por condição melhor de trabalho. Não queremos ter o salário de Messi ou Cristiano Ronaldo. Sabemos que o masculino rende mais dinheiro, mas o que recebemos hoje é muito pouco. É uma vergonha. Queremos mais respeito e que o clube ofereça um pouco mais de estrutura, nada mais que isso. Apenas queremos boas condições para trabalhar, como os homens têm.

Consegue garantir o futuro jogando na Europa? Se parar de jogar hoje, mesmo estando no Barcelona, terei de trabalhar em outra coisa. Por exemplo, um jogador da Série B, se investir o dinheiro, pode se aposentar. O clube pode dar toda a estrutura que precisamos, mas ninguém recebe o suficiente para estar com a vida tranquila. Ao menos no Brasil o Corinthians, o Santos e o São Paulo montaram estruturas para as meninas trabalharem da melhor maneira possível. Se não me engano, no São Paulo e no Santos as jogadoras têm contrato em carteira de trabalho, o que dá algum conforto.

Andressa Alves durante partida do She Believes Cup Frederick Breedon/Getty Images/AFP

A situação para as jogadoras é muito ruim no Brasil? Era comum ficar com o salário atrasado três, quatro meses, e ter de tirar dinheiro do bolso para comer, pagar contas. Passei muito por isso, menos na seleção – não havia esse tipo de contratempo. E jamais sofri qualquer tipo de assédio, nunca recebi nenhum tipo de assédio sexual, nada. Só salário atrasado mesmo.

Como é a estrutura da seleção? Normalmente quando a convocação é no Brasil, treinamos em Itu ou na Granja Comary. Quando são viagens para fora, algumas meninas saem do Brasil, outras dos seus clubes e se apresentam direto no local onde vai ser a partida. Praticamente a mesma coisa do esquema do masculino. Recebemos as passagens de ida e volta para os amistosos, temos quartos nos hotéis. Tudo pago pela CBF.

Recebem algo para defender a seleção? Temos uma diária quando a convocação é fora. Sou a favor do que a seleção americana fez (as jogadoras processaram a federação por igualdade em relação aos pagamentos dos homens), porque elas foram campeãs mundiais e receberam muito menos que a seleção masculina, que não conseguiu nada. Na seleção americana elas brigam todas juntas, na brasileira não. Principalmente contra a CBF. E não dá para brigar sozinha contra a CBF. Para conseguir algo temos de nos unir.

Foi por isso que o grupo não conseguiu reverter a demissão da técnica Emily Lima? Soubemos em um amistoso na Austrália que, se perdêssemos, a Emily seria demitida. Perdemos e as jogadoras pediram a permanência dela, mas não adiantou. Ainda fizemos uma carta para o presidente pedindo que ela permanecesse.

Como é a relação das jogadoras da seleção? Somos unidas, nos damos bem. Talvez algumas jogadoras tenham medo de brigar por certas coisas, com medo de não serem mais convocadas, o que não acontece com a seleção americana – claro, por tudo que elas já ganharam também. Infelizmente não ganhamos uma Copa do Mundo e não dá para reivindicar tudo.

A Adidas vai igualar o valor dos bônus das vencedoras da Copa do Mundo ao que pagou aos seus atletas após o título da Copa masculina. Como atleta da Nike, tem direito a algum pagamento em caso de título? No meu contrato, tenho bônus por disputar Copa do Mundo. Se chegar numa final, também recebo. Em relação às outras jogadoras, não sei dizer, porque cada uma faz o seu contrato. Talvez a CBF combine algo com a Nike. Não sabemos de nada ainda.

O que fazer para o futebol feminino ter seu real reconhecimento? Não há mais o que fazer. Somos superprofissionais, nos dedicamos como os homens, treinamos  de segunda a sábado para jogar domingo; abdicamos da família, de amigos e várias coisas. Fazemos de tudo, vemos que melhora, mas não sabemos mais o que fazer, ou o que as pessoas querem que façamos para que a modalidade tenha mais investimento.

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