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50 anos do Tri: o segundo jogo, contra a Inglaterra, foi mesmo um ‘calor’

O ‘Comentarista do Futuro’ enfrentou tequilas, a temperatura do México e a pressão do jogo com a Inglaterra, considerado o mais difícil da campanha

Dando sequência à viagem no tempo feita pelo jornalista Claudio Henrique, “enviado especial” de PLACAR ao passado, falamos neste domingo sobre o jogo entre a seleção brasileira, e o time que defendia o título nos gramados do México: a Inglaterra, campeã do Mundial de 1966. Mais do que a técnica, falou mais alto nesse confronto sob o sol escaldante de Guadalajara o excelente preparo físico dos brasileiros, trunfo dos preparadores físicos Admildo Chirol, Cláudio Coutinho e Carlos Alberto Parreira (sim, ele mesmo). Confira abaixo o relato “inédito” de nosso correspondente tardio na Copa do Mundo de 1970, há 50 anos.

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Guadalajara, 7 de junho de 1970

Foi mesmo um encontro histórico. E não estou falando da partida, que pôs frente a frente não apenas os inventores do futebol e o país que o transformou em arte, mas também os dois campeões do mundo das últimas três Copas – eles em 1966; nós em 58 e 62. Fato raro que os futuros protocolos e sorteios da Fifa não mais deixarão acontecer numa fase eliminatória de Copa. Ter sido enviado por PLACAR para o México, vindo do futuro, lá de 2020, 50 anos à frente, me permite cravar conclusões irrefutáveis. Uma delas: a Copa de 70, que no próximo século ainda será tida como a melhor de todos os tempos, deveria também ser lembrada como a Copa em que o gol foi um mero coadjuvante do espetáculo. E não o “grande momento do futebol”, na expressão consagrada por um programa de TV que vocês hão de assistir. Se na estreia do Brasil já ficara para a história aquele chute de Pelé do meio-campo, quase encobrindo o arqueiro checo, nesse segundo jogo são ao menos dois os momentos que nada têm a ver com bola na rede e se eternizarão: a defesa de Banks, claro, num chute que o Rei deu com a cabeça, e o menos falado (porém ainda mais importante) cumprimento entre Pelé e Bobby Moore ao final do certame. Um instante que poucos viram mas se tornará um marco para as gerações futuras do futebol, posso garantir.

Pelé e Bobby Moore se cumprimentam e trocam camisas ao final do confronto entre os campeões das últimas três edições de Copa Lemyr Martins/Placar

A começar pelo fato de que até aqui, antes dessa gentil troca de afagos e elogios entre os dois craques, ainda é novidade no futebol, após as partidas, outra demonstração de respeito e empatia que vimos hoje: a troca de camisas! Sim, esse momento sublime das saudações finais entre os dois craques fará nascer um ritual que no futuro será comum entre os jogadores. Este sim foi o “encontro histórico” dessa tarde acalorada que vivemos no estádio Jalisco. Ao longo dos próximos anos, vocês verão que a cena será usada como símbolo de quebras de paradigmas raciais e outros valores tão nobres como a Família Real britânica ou a linhagem dos caciques ianomânis. Tanta notoriedade levará as duas camisas que o Rei e Bobby Moore vestiam e trocaram a serem leiloadas e arrematadas por preços exorbitantes – e nessa o inglês, obviamente, “se deu bem”.

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Mas vamos ao jogo: o Brasil venceu, ok, e só agora sei que foi mesmo um “calor” em Guadalajara. E não falo da temperatura no estádio, que, daqui a alguns anos, levará um jogador inglês a dizer em entrevista: “Estava 100 graus à sombra. O problema é que não tinha sombra”. É o tal humor inglês. Os jogadores do time britânico fizeram mesmo alguma graça. Teve chute na trave, cabeçadas na pequena área, cruzamentos perigosos… Foi mesmo um “calor” que levamos da Inglaterra. Mas aí apareceu um dos heróis brasileiros que quase saltará para o esquecimento em alguns anos: Félix, que, “como um gato…” (e ainda com nome de bichano), se atirava para salvar a pátria amada. Ele entrará para a História com um dos grandes injustiçados do nosso futebol. No futuro teremos arqueiros ainda mais decisivos na Seleção. Um deles será um galego do Sul do País especialista em pegar pênaltis. Ele vai garantir mais um título para nossa prateleira emocional. Justamente o primeiro que voltaremos a ganhar após esse no México. Sim, amigos torcedores, seremos os campeões aqui no México. Mas aproveitem o AGORA, porque o próximo vai demorar…

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Pelé, do Brasil, ajudando Tommy Wright, da Inglaterra, durante jogo pela Copa do Mundo de 1970, realizado no estádio Jalisco Sebastião Marinho/Placar

Alerto a todos também que, tal como ocorrerá com Félix, seguiremos pródigos em cometer injustiças com jogadores do nosso escrete. Outra vítima será um cabeça-de-área gaúcho com o mesmo nome de um dos anões da Branca de Neve. Criticado por “apenas” saber marcar como ninguém, vocês verão que acabará condenado a batizar uma “Era” sem títulos de nosso futebol. Poucos anos depois, erguerá em suas mãos de capitão uma taça da Fifa, aos gritos e calando a boca de seus detratores. Uma volta por cima que vai durar pouco, pois o tal jogador acabará sendo lançado pela CBF (assim se chamará a CBD, explique-se) como treinador da Seleção e fará um esforço danado para adotar o nome de outro dos 7 anões do filme, o Zangado. Mas a verdade é que nunca será reconhecido pelas atuações irretocáveis e os lançamentos perfeitos que fez para nosso goleador, um baixinho, bem na linha do nosso atual atacante, Tostão, destaque contra os ingleses. Afinal foi dele a jogada que deu origem ao gol da vitória. Foi também seu único lampejo na partida – mas mortal como uma maçã envenenada.

Vendo aqui, de perto, e mesmo atrapalhado pelas abas do sombreiro que adquiri na entrada do estádio, ainda fica difícil saber se foi ou não uma cotovelada o que Tostão desferiu no primeiro dos três marcadores que superou antes de cruzar para a área. Me pareceu mais um mata leão, golpe que no futuro será aceito pelas regras, mas em outro esporte, o MMA, ainda não inventado. Mas posso garantir que os dribles que Tostão deu a seguir o inocentam de qualquer acusação leviana. É chororô, como chamaremos no próximo século. Preciso cometer agora mais uma inconfidência sobre o futuro: o “nosso Tusta” vai largar precocemente as camisas de futebol. Deixará de “dar canetas”, como a de ontem, para usá-las em novos traçados que o habilitarão a outra vestimenta: o jaquetão da Academia Brasileira de Letras!

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Não será esta, com certeza, a melhor atuação brasileira nesse Mundial. E a maior prova disso é que destacaram-se no jogo nossos defensores, como Everaldo, desta vez, sim, mostrando a que veio. É no mínimo curioso que nosso melhor escrete de todos os tempos tenha um jogador como Everaldo, gigante em suas limitações, como titular justamente na lateral-esquerda. Digo isso porque no futuro, para a nossa felicidade, essa posição será aquela para qual revelaremos jogadores com enorme técnica, tanto que muitos serão inebriados pela tentação de passarem a jogar no meio-campo. Podem anotar seus nomes: Marinho Chagas, Júnior, Branco, Leonardo, Roberto Carlos, Marcelo… Nenhum deles eram “everaldos”. Estarão mais pra Nilton Santos mesmo.

Mas ganhamos e isso é o que importa. O que não chega a ser uma novidade, pois a seleção da Inglaterra é um baita pé-de-coelho para o Brasil em Copa do Mundo. Observem que jogamos contra eles em 58 e 62 (na Suécia, empate em 0 a 0; no Chile, vitória por 3 a 1), e a sorte nos sorriu com títulos. Agora não será diferente. Para o futuro, inclusive, venceremos o time deles em uma nova jornada vitoriosa, mas não revelo o ano. Em outra campanha campeã, não acontecerá o embate, mas por uma razão simples: o escrete britânico não irá a um dos Mundiais dos anos 90. Façam suas apostas…

O confronto Brasil x Inglaterra ainda nos trará muitas emoções e marcos nos gramados. Pelé, alguém avise a ele enquanto é tempo, encerrará a carreira sem jamais atuar em Wembley, a meca dos inventores do futebol. Em 81, o Brasil se tornará a primeira seleção sul-americana a batê-los no famoso estádio, com um gol de Zico, um craque que já-já será notado, ainda nas divisões de base do Flamengo. Anotem também.

Antes de terminar, gostaria de voltar ao início deste texto, às conclusões que essa viagem no tempo tem me trazido. Outra delas: editores de TV não são sujeitos confiáveis. Ao menos os profissionais do próximo meio século passam a ser alvo da minha ira, pois a cada jogo descubro que, até 2020, fui privado de lances que deveriam ter sido destacados em seus VTs de melhores momentos e não foram. Assistindo aos 90 minutos, me emocionei com inúmeros lances que jamais figuraram nos arquivos pessoais da minha cultura em futebol. Vi inclusive Pelé dar uma cochilada no meio campo e ter a bola roubada por um inglês que veio pelas suas costas. Foi como tirar um pirulito Zorro da boca de criança. Que venha a Romênia, uma “baba”… Hoje também estou como aquele outro anão do filme da Disney: Feliz!

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