Thiago Braz rejeita milagre na conquista de título inesperado
O atletismo brasileiro comemorou na semana passada o segundo campeão mundial juvenil da história – o primeiro foi Clodoaldo Gomes da Silva, em 1994, nos 20km de rua. Natural de Marília (SP), Thiago Braz, de 18 anos, ganhou a disputa do salto com vara com a melhor marca da carreira. O detalhe principal – e […]
O atletismo brasileiro comemorou na semana passada o segundo campeão mundial juvenil da história – o primeiro foi Clodoaldo Gomes da Silva, em 1994, nos 20km de rua. Natural de Marília (SP), Thiago Braz, de 18 anos, ganhou a disputa do salto com vara com a melhor marca da carreira. O detalhe principal – e incomum – é que ele alcançou 5,55m na prova em Barcelona (Espanha), uma diferença de 20 centímetros a mais em relação ao recorde pessoal anterior.
Para Thiago Braz, a marca obtida no Mundial não foi surpresa, apesar de não estar com a convicção da medalha de ouro antes da viagem ao Velho Continente. ‘Não houve milagre, essa marca era esperada, mas a medalha foi surpresa, não esperava o ouro, pretendia ficar entre os três, mas graças a Deus veio’, disse o atleta, nesta segunda-feira, em entrevista à GE.Net.
O bom desempenho de Thiago Braz é a prova de que o Brasil começa a fincar uma tradição no salto com vara. Atualmente, o País conta com dois atletas de nível internacional: Fabiana Murer e Fábio Gomes da Silva estão classificados para os Jogos Olímpicos de Londres.
O próprio Thiago Braz conta com uma estrutura invejável. Integrante da equipe BM&F, ele treina com Elson Miranda, treinador de Murer, e Vitaly Petrov, ex-mentor de Sergey Bubka, o maior de todos os tempos do salto com vara. Por isso, obteve resultados expressivos com apenas quatro anos de experiência na modalidade.
Ao contrário dos principais nomes do salto com vara, Thiago Braz estará em Londres-2012 apenas com espectador, já que não obteve índice, mas recebeu um convite do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para visitar as instalações olímpicas. Ele pretende aproveitar a chance para observar o evento e entender os detalhes necessários para brilhar em 2016, no Rio de Janeiro.
‘Vou lá para sentir o clima e me preparar mentalmente e, quem sabe, ter a chance de disputar a Olimpíada de 2016’, explicou o sorridente Thiago Braz, a nova esperança do atletismo nacional, que garante: não irá sentir a futura pressão por bons resultados.
Veja a entrevista com o campeão mundial juvenil:
GE.NET – Como foi seu início no esporte?
THIAGO: Meu tio gosta bastante de esporte, ele que buscou atletismo, viu que é um bom caminho de educação, de formação, acabou querendo me colocar nesse rumo, onde eu teria mais oportunidades na vida, foi ele que me levou para treinar, ia me buscar em casa, deu até uma ajuda de custo. Ele começou a minha formação. Depois fui treinar com um técnico de Marília (no Clube dos Bancários), que me apresentou o salto com vara, fui aprimorando a técnica e depois saí de Marília para Bragança Paulista (na Rede Atletismo), onde fiquei sete meses. Então, em 2009, mandei um e-mail ao Elson Miranda para buscar uma oportunidade e vim para cá.
GE.NET – Mas seu tio conhecia de perto o salto com vara e os principais atletas da modalidade? THIAGO: Acho que até conhecia, ele conhecia praticamente todos os recordes porque fazia decatlo, que são dez provas em uma mesma disputa. Mas nunca citou qualquer nome de atleta, eu tive que buscar, também teve o meu interesse de buscar o que era esse esporte.
GE.NET – O Brasil está criando uma tradição no salto com vara nos últimos anos. Você estranhou quando tomou contato com a modalidade?
THIAGO: No primeiro contato, eu estranhei. Poxa, o que ia fazer com a vara? Eu ia correr, colocar a vara no buraco e ficar de ponta cabeça? Com o passar do tempo, fui assistir a Olimpíada, conhecendo como funciona. Eu também tive contato com o Jadel Gregório (estrela do salto triplo), que também é de Marília e me incentivou muito. Tudo foi me ajudando. Meu tio falava, esse é o Jadel, saiu de Marília, lutou e hoje tem grandes resultados. Pensei comigo: eu gostaria de ser igual a ele.
GE.NET – Qual o tempo ideal para se conseguir o primeiro salto perfeito?
THIAGO: (risos), Olha, acho que ainda não tenho um salto perfeito. Acho que demora uns dez anos para ter um salto perfeito e bonito.
GE.NET – Bom, farei a pergunta de outra forma: quanto tempo um iniciante demora para acertar um salto?
THIAGO: Para acertar um salto? Eu acertei um salto com duas semanas de treino. (risos) Não foi tanto, demorei um tempinho para pegar o jeito para saltar bem.
GE.NET – Você tem contato frequente com a Fabiana Murer e o Fábio Gomes. Qual o tipo de conversa que tem com eles?
THIAGO: O contato é bem forte, eu treino com a Fabiana Murer, com o Fábio Gomes, participo de treinos lá fora, com o Vitaly Petrov e o Elson Miranda. Eles me incentivam, ajudam a melhorar a minha técnica e o meu salto. Fico mais confiante nos treinos, acabo evoluindo bastante. Isso ajudou a conquistar a medalha na Espanha.
GE.NET – Você tem marcas semelhantes e até consideradas melhores em relação ao Sergey Bubka no início da carreira. Você o viu saltar?
THIAGO: No começo, não tinha conhecimento. Eu olhava qualquer pessoa que saltasse por cima do sarrafo e fosse alto. Depois que vim treinar com o Elson, fui ver quem era o Bubka, a Yelena Isinbayeva, quem era o Vitaly Petrov, como era diferente o trabalho deles para evoluir no salto com vara. As metas que cheguei a alcançar são relativas ao Sergey. A marca que cheguei é a mesma que o Sergey fez na minha idade. O planejamento era para eu saltar 5,55m agora e querer mais, buscar talvez uma marca do próprio Sergey Bubka.
GE.NET – No Mundial, você conseguiu uma marca 20 centímetros maior do que seu recorde pessoal, não é algo comum, talvez um ‘milagre’. A Fabiana Murer uma vez disse que nunca salta mais alto nos treinos em comparação às competições. De onde você tirou essa diferença?
THIAGO: (com um largo sorriso no rosto). Nos treinos, a gente usa varas fracas, o treino é para você melhorar a técnica, não para saltar mais alto. A gente faz tudo para melhorar marca na competição. No treino, a gente pensa em técnica, corrida, a parte de entrada, situação que o Vitaly cobra bastante, e depois a fase de voo fica mais na competição. Por causa dessa vara fraca, você passa 20 cm abaixo do que pode passar em uma competição. Se você salta 5,30m no treino, você pode passar 5,50 na competição, quando também está mais focado e na adrenalina.
GE.NET – Mas, falando especificamente da sua marca na prova, não houve milagre então?
THIAGO: Não houve milagre, essa marca era esperada, mas a medalha foi surpresa, não esperava o ouro, graças a Deus veio. Eu poderia até ter conseguido 5,65m, fiz as tentativas, mas depois que garanti o ouro no Mundial, perdi a concentração, levei até uma bronca do Elson.
GE.NET – Se o ouro foi surpreendente, você tinha, pelo menos, a meta de estar no pódio?
THIAGO: A meta era essa, estar entre os três primeiros, buscar talvez a prata. Mas eu fiquei confiante durante a prova, percebi que o ouro era possível, liderei a classificação durante todo o tempo, passei a marca de 5,55m na primeira tentativa, eu estava concentrado e vi que os adversários não conseguiram passar de primeira. Então percebi que o ouro estava próximo.
GE.NET – Como está funcionando sua rotina hoje?
THIAGO: Agora estou morando em São Caetano, fico aqui praticamente quatro meses seguidos, aí depois vou uma semana para o interior, vejo meus familiares, pais, avós, e volto novamente. Não é uma vida fácil, mas preciso de sacrifícios para evoluir e ser alguém na vida, eu preciso fazer milagres e me dedicar.
GE.NET – Você é ainda um atleta em início de carreira adulta. Seu salário deve ser bem limitado.
THIAGO: Eu ganho um salário mínimo, que é bom para sobreviver em São Caetano, também tenho patrocínios, com bônus e roupas da Nike, a ajuda da Caixa Econômica e do Pão de Açúcar, que estão trabalhando junto com a BM&F.
GE.NET – A partir de agora, quais são os seus projetos? Você já disputou competições adultas como o Troféu Brasil, certo?
THIAGO: Sim, eu participei de duas edições do Troféu Brasil. Na primeira, fiquei em terceiro lugar. No ano passado, fui o segundo colocado. Neste ano, eu não participei porque estava em preparação para o Campeonato Mundial. Em 2012, já fiquei em segundo do ranking adulto, agora precisamos esperar no ano que vem.
GE.NET – Antes de pensar em competições, você convidado pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB) para conhecer as instalações dos Jogos de Londres. Como será essa experiência?
THIAGO: Vou lá sentir o clima, é uma preparação mental, quem sabe eu possa disputar os Jogos de 2016, a ideia é preparar meu foco, é uma competição de nível internacional que você pode ir se acostumando.
GE.NET – Você sente pressão por resultados na categoria adulta?
THIAGO: Você acaba não sentindo pressão, o resultado vindo naturalmente, desde que você treine bem e tenha boa técnica. Com as pessoas que treino, a confiança aumenta.